Enxurrada revigora Bica, mas desaloja famílias em Ipu

Há um ano, a Bica do Ipu era um fio de água que evaporava antes de tocar as pedras. Neste ano, as chuvas de pré-estação a trouxeram de volta ( Fotos: Marcelino Júnior )

Foi com desespero, que a dona de casa Maria das Graças Pereira, 45, enfrentou a forte correnteza que invadiu sua moradia, no bairro Cafute, periferia de Ipu, no Norte do Estado. Por volta das 14h do sábado (27), a água, que desce da famosa Bica do Ipu e se junta a pequenos córregos e riachos acima das moradias, cresceu em volume e passou pelas casas com violência. Ao arrebentar as calhas que recebem as águas do Riacho Ipuçaba, a correnteza cercou as residências, chegando a atingir pouco mais da cintura de dona Maria das Graças. "A água entrava pela porta da frente e por trás. Eu, praticamente, nadei dentro de casa, procurando segurar o que pudesse, mas não deu. Perdi tudo. Moro aqui há 28 anos, e nunca passei por isso", lamenta.

Ao todo, quatro casas foram atingidas pela enxurrada. O problema teria surgido após a construção do muro de um loteamento particular, por trás dos terrenos. A barreira imposta à força da natureza não teria sido suficiente para controlar o estreito acesso do córrego.

O comerciante Eduardo Barbosa da Silva não pôde impedir que 60 frangos fossem arrastados água. "Meu comércio fica ao lado do muro. Eu moro há 15 anos aqui, e nunca houve uma enchente assim. A água tinha a passagem dela normal, mas foi mudada por causa desse paredão que foi levantado. Eu perdi a máquina para o abate das aves, freezer e alguns porcos que tinha como criação", lembra."Ele foi erguido a cerca de 35m das casas, e a calha para escoamento das águas do riacho estão dentro do padrão correto. As manilhas têm 1m50 de largura, por 1m de altura. Quanto às calhas do córrego ficam em 80 cm x 80 cm. O espaço estreito e o lixo acumulado das construções irregulares, localizadas abaixo do nível da rua, fizeram com que a água subisse. Eu só posso lamentar pelo ocorrido", refutou o dono do muro, Gonçalo Martins.

Segundo o representante da Defesa Civil de Ipu, major Eucir Castro, parte do bairro é considerada área de invasão, formada por construções irregulares, que não respeitaram o distanciamento correto das margens do leito do riacho. "Tivemos duas chuvas fortes, seguidas, na região serrana, o que causou as inundações. Já estivemos no local, orientando as famílias, houve a convocação da Guarda Municipal para nos ajudar nesse trabalho. Temos nos reunido para articular ações de apoio às famílias, assim como buscar recursos, junto ao governo do Estado, para evitarmos problemas futuros. Temos mapeado e monitorado as áreas de risco em Ipu e estamos em alerta", informou.

Chuvas

Os dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) mostram que as chuvas entre o domingo e a segunda-feira foram mais modestas que as dos dias anteriores. As águas banharam 35 municípios. As maiores foram em Cruz (34,5mm), Parambu (25) e Hidrolândia (23). Segundo o meteorologista Raul Fritz, essas últimas chuvas, mesmo com pequenas, ajudam a tirar a terra daquela situação de seca extrema, sendo mais distribuídas, começando a infiltrar no solo. "Mas, somente para meados de fevereiro, é que aguardamos a influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), no que configura o início da estação das chuvas", explicou.

Açudes

Segundo o Portal Hidrológico do Ceará, 125, dos 155 açudes monitorados, permanecem com volume inferior a 30%. Apenas o Germinal, em Palmácia, está acima de 90% (93,59%). Os reservatórios Angicos (Coreaú), com 266.235 m³, Taquara (Cariré), com 190.892m³ e Aracoiaba (Aracoiaba), com 150.042m³, lideraram os dez maiores aportes. Mas, para a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), "ainda é cedo para se falar em aporte, pois estamos nas chuvas de pré-estação. Os resultados ainda são insignificantes. Essas primeiras águas somente infiltram no solo, ajudando em sua saturação".

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"A sensação é de medo. Apesar de o Açude Ipuçaba, que se junta às águas da Bica do Ipu, cortar o bairro Cafute, as águas nunca invadiram as casas. O problema surgiu com a construção de um muro"

Antônia Evilane Pereira
Universitária

"Sinto-me insegura. No ano passado, apesar das chuvas que molharam bem a região, não tivemos esse transtorno. Sem ter como escoar, a água invadiu tudo. Até agora ninguém da Defesa Civil veio aqui"

Maria Jacilene Pereira Araújo
Dona de casa



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