Denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo confirma o
Ceará como um Estado considerado primordial para os planos de expansão
do Primeiro Comando da Capital (PCC). Durante a Operação Echelon, que
atingiu os setores de articulação interestadual e internacional da
facção, em 14 estados e países vizinhos, os promotores detalharam o
controle minucioso que a cúpula do PCC exerce sobre seus membros e nas
ações desempenhadas por eles, no Ceará.
Nas 569 páginas do inquérito a que O POVO
teve acesso, o Ceará é citado dezenas de vezes pelos próprios
investigados. Menções feitas sempre em contexto de preocupação com a
perda de territórios para o Comando Vermelho (CV), facção rival, em meio
a uma guerra declarada. Situação que levou o PCC a instalar depósitos
de armas em todas as regiões do País, municiando seus membros para
ataques ao CV, conforme a investigação.
A autorização para a
criação dos paióis partiu da Penitenciária II de Presidente Venceslau,
em São Paulo, que abriga o centro de comando da facção. Já a sugestão
para a criação dos depósitos foi feita por um dos líderes da organização
criminosa, identificado apenas como Itaoca, que estaria preso em uma
penitenciária cearense.
As informações constam em ligação
interceptada entre Rafael Silvestri da Silva, conhecido como Gilmar, um
dos 75 denunciados pelo MPSP. Em 8 de setembro, enquanto criminosos
cobravam, em conferência telefônica, uma “maior organização no Ceará”,
pois o CV estaria matando de maneira “covarde”, Itaoca pediu autorização
para montagem de “paiol” em todas as regiões. O levantamento de valores
seria feito através de bingos e rifas, tendo como objeto sorteado “50
gramas de maconha”.
A estratégia teve reflexos diretos sobre o
tráfico de armas interestadual. Dias depois, conforme a denúncia, outro
investigado, Célio Marcelo da Silva, o “Bin Laden”, mesmo estando preso
em Presidente Venceslau, autorizou o envio de 15 pistolas para comparsas
no Ceará, além do envio de outras armas, inclusive fuzis, para outros
estados. O detento exerce funções parciais na “Sintonia Final” e
“Sintonia dos Estados e Países”, como são nomeados os setores de
atuação.
“Tamos dividindo porque o Ceará ta precisando também”,
justifica Bin Laden, sobre a prioridade dada ao Ceará e o não envio do
total de armas solicitado por membros de outros estados. Além do tráfico
de armas e drogas, homicídios e mortes de membros da facção, tratados
como “irmãos”, são permanentemente informados ao comando.
O
documento detalha, inclusive, uma tentativa de manutenção da pacificação
entre facções encabeçada pelo PCC, no Ceará, em 2016.
Em janeiro daquele ano, os acertos foram denunciados pelo O POVO.
Conforme o material apreendido, já em janeiro de 2017, em meio à guerra
entre facções, uma nova articulação teria sido solicitada por
faccionários do PCC no Ceará. A possibilidade, porém, foi refutada pela
Sintonia Geral da facção.
Conforme um dos bilhetes
reconstituídos, uma nova trégua atrapalharia os planos de expansão da
facção no Estado. A disputa por territórios e a redistribuição da
população carcerária no Estado - que levou membros do PCC a serem
reunidos na CPPL III, em Itaitinga - também pesaram na decisão. O plano
de disseminar a ideologia da organização entre os presos seria
prejudicado.
“Sobre o Ceará, referente as idéias de paz,
entendemos tudo o que os irmão passou e já estamos agindo dessa forma.
Porém, como vcs sabem, fomos espirrados das unidades e nossos irmãos se
encontra no sistema da CPPL 3 e na unidade Torrão, temos 2 vivência,
estamos espalhados em alguma comarca e onde der estamos pegando (SIC)”,
argumenta o comando. Ao contrário da pretensão de pacificação, a ordem
dada foi de intensificar os ataques ao CV.
A GRANDE SACADA
DO ESGOTO
Em
8/3/2017, após a instalação de telas de contenção nos dutos da rede de
esgoto da Penitenciária Maurício Henrique Guimarães – Penitenciária II
de Presidente Venceslau, foi possível recolher fragmentos de cartas
descartadas pelos presos, durante as fiscalizações de rotina nas celas.
JUNTANDO OS PEDAÇOS
Os
fragmentos foram submetidos a secagem e desinfecção, emendados e
separados de acordo com a semelhança da letra. O material apreendido foi
separado por tipos de caligrafias e confrontado com prontuários
criminológicos de presos do Primeiro Comando da Capital (PCC).
TENTÁCULOS
Da
análise das cartas, foi possível identificar a participação dos réus
do PCC na organização e execução de homicídios, rebeliões, ataques a
fóruns, distribuição de armamento e drogas, atentados contra agentes
públicos e órgãos do Estado e também no fomento da guerra entre facções
nos Estados brasileiros.
EFEITO DOMINÓ
O
conteúdo recuperado das cartas proporcionou rastreamento policial na
rua e interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.
O
promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco de Presidente Prudente, denunciou 75
criminosos do PCC em São Paulo. E enviou para os Estados o que toca a
cada um na investigação.
O Povo