Para despesas com transporte, um deputado federal tem direito a carros
alugados, combustíveis e passagens aéreas, o que já significa um custo
elevado para o poder público. Nos últimos quatro anos, porém, 15 dos 27
deputados federais cearenses, titulares e suplentes que assumiram os
mandatos, somaram um gasto milionário com o fretamento de aeronaves para
viagens entre municípios do Estado: custo de R$ 1,4 milhão.
A quantia, levantada pelo Diário do Nordeste com base no Portal da
Transparência da Câmara, põe os deputados cearenses no rol dos que mais
gastam no País com fretamento de aeronaves pago pela Câmara, inclusive
em comparação com estados com mais parlamentares e de maior território.
O pagamento do valor gasto com táxi aéreo é previsto na Cota para
Exercício da Atividade Parlamentar, a qual todos os deputados têm
direito. Uma análise do "vai e vem" pelos ares dos parlamentares
cearenses mostra percursos curtos, realizáveis por via terrestre, que
teriam um custo muito menor ao contribuinte, como o trajeto Fortaleza -
Aracati. Há casos, como Fortaleza - Juazeiro do Norte, possíveis de
serem feitos em voos comerciais, portanto, mais baratos. Mas houve até
fretamento de helicóptero para uma viagem entre Fortaleza e Maranguape
ao custo de R$ 7.800. Cerca de 30 km separam as duas cidades.
Previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o gasto dos
parlamentares cearenses com deslocamento aéreo chama atenção pelo alto
custo em relação a outros estados.
Os números apontam que políticos do Ceará gastaram mais dinheiro na
modalidade de transporte do que aqueles de estados territorialmente
maiores, como Mato Grosso, Bahia e até Minas Gerais (que tem 853
municípios). O Ceará praticamente empata com o Pará, o segundo maior
Estado em território, e fica atrás só do Amazonas, banhado por rios e de
difícil deslocamento por vias terrestres.
Reeleito para mais um mandato, Genecias Noronha (SD) lidera o gasto.
Foram R$ 224.439,07. Não reeleitos, Adail Carneiro (Podemos), com R$
201.200,00 e Raimundo Gomes de Matos (PSDB), com R$ 173.635,00 completam
o pódio dos cearenses que mais voaram em táxi aéreo na legislatura
vigente.
O deputado federal Adail Carneiro (Podemos) afirmou que foi votado em
176 municípios dos 184 totais, em 2014, e que, por isso, precisa
acompanhar o resultado do trabalho que desempenhou em Brasília.
"Consegui R$ 120 milhões de recursos de emendas, entre recursos extras
orçamentários, para esses municípios. Por isso preciso estar
acompanhando de perto os que receberam os investimentos. Como não há
tempo suficiente para fazer esse percurso de veículos a gente usa
aeronaves", justificou.
O tucano Raimundo Gomes de Matos justificou os altos custos alegando que
precisava "compatibilizar a agenda", já que exercia a função de
presidente das comissões da Transnordestina e Transposição do Rio São
Francisco, além de relatar a Zona Franca do Cariri, na Câmara.
"Infelizmente, eu tinha que fazer as visitas em que a gente precisava
voltar para compatibilizar os horários. As visitas técnicas como também
as atividades", explica o tucano.
O deputado José Guimarães (PT) argumentou que é um deputado "pobre" e
que os gastos que tem "são compatíveis" com as ações como parlamentar.
"Ando 100 mil quilômetros por ano de carro. Meus maiores gastos são com
gasolina. Tenho que cuidar do mandato e do PT. Fretar avião é muito
caro", disse. Já o deputado Danilo Forte (PSDB) afirmou que geralmente
usa carro, "mas tem eventos que, com a pressa, você tem a necessidade de
colocar o avião".
Por meio da assessoria, o deputado Odorico Monteiro (PSB) justificou o
uso do recurso alegando que as viagens foram em razão das atividades
como presidente de dois partidos, Pros e PSB.
Apesar de não aparecer no topo da lista dos mais gastadores nos quatro
anos da legislatura, o deputado federal Aníbal Gomes (DEM) liderou o
ranking de uso de táxi aéreo em 2018. Foram R$ 31.425,00.
Os trajetos variaram de Fortaleza para Cruz, Sobral e Iguatu. À
reportagem, o parlamentar justificou o gasto por razões médicas. "Eu não
posso viajar para grandes distâncias de carro por causa da minha
cirurgia da coluna. Faço as viagens para ir na minha região, mas sou um
deputado que menos gastei recursos da Câmara", reivindica. Por problemas
de saúde, o parlamentar, de fato, pediu afastamento dos trabalhos na
Câmara neste ano para fazer as cirurgias.
A reportagem procurou os demais parlamentares citados, mas não houve retorno.
'Problema gravíssimo'
Para o coordenador do curso de Economia e Finanças do Ibmec do Rio de
Janeiro, Ricardo Macedo, há um "problema gravíssimo" na coerência entre o
discurso e a prática dos parlamentares quando o assunto é economia dos
recursos públicos. Ele lembra da aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição aprovada na Câmara que prevê o congelamento de gastos em
saúde e educação nos próximos 20 anos como forma de resgatar a economia.
No entanto, os gastos da cota parlamentar não sofreram impacto mesmo em
momento de crise.
"Tem um problema gravíssimo. É um valor muito alto que você paga
mensalmente, um valor absurdo. Aí, eles optam por cortar investimentos, e
investimentos sociais, que afetam diretamente a arrecadação", critica
Macedo.
O professor ressalta que a comunicação com as bases não é a mesma. Com a
democratização das redes sociais, viagens poderiam ser evitadas como
forma de economia dos gastos públicos. "Hoje em dia para que tanto
deslocamento já que você pode chegar às bases de outro modo? A forma de
relacionamento com o seu eleitor mudou", disse.
O Diário do Nordeste procurou o Tribunal de Contas da União para
comentar o assunto. Por meio da assessoria, o TCU argumentou só tratar
de casos específicos em que há irregularidade. Uma entrevista com o
presidente do Tribunal, ministro José Múcio Monteiro Filho, foi
solicitada, mas não houve retorno.
Diário do Nordeste