Após três longas sessões de debates, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) conseguiu aprovar em uma comissão mista do Congresso um relatório de sua autoria que agradava em cheio ao empresariado do setor elétrico. Tratava-se de ajustes na Medida Provisória no 688 de 2015, cujo objetivo era compensar usinas hidrelétricas por prejuízos decorrentes da falta de chuvas. Em um parecer de 22 páginas, Eunício, que hoje é presidente do Senado, chega a defender que as perdas financeiras das empresas sejam pagas pelo consumidor. O texto final foi aprovado em 4 de novembro de 2015. Um dos padrinhos era um correligionário de Eunício, o senador Eduardo Braga, do Amazonas, à época ministro de Minas e Energia.
Em relatório sigiloso obtido por ÉPOCA, a Polícia Federal levanta
suspeitas de que Eunício confeccionou o relatório da Medida Provisória
para atender a interesses defendidos por Milton Lyra, um lobista ligado
ao ex-presidente do Senado Renan Calheiros e investigado pela Operação
Lava Jato, acusado de intermediar o pagamento de propina a senadores do
PMDB. Chamado de Miltinho nos círculos de Brasília, Lyra é um personagem
central das investigações da Lava Jato por ser um dos principais
operadores do PMDB do Senado. No caso em questão, ele aparece em uma
frente considerada promissora, o comércio de Medidas Provisórias. Na
prática, parlamentares redigiam essas medidas para atender a interesses
de empresas em troca de dinheiro. É por esse caminho, com a delação dos
78 executivos da Odebrecht e subsídios de outras áreas, que a Lava Jato
vai avançar sobre os senadores do PMDB.
Em uma de suas operações, a Polícia Federal encontrou em cima de uma
escrivaninha da residência de Milton Lyra documentos relacionados à MP
688, relatada por Eunício. “As principais alterações propostas à Medida
Provisória e encampadas pelo senador Eunício Oliveira condizem com o
objeto da petição apreendida na casa do investigado Milton Lyra”, diz o
relatório. Com base na Medida, uma empresa que a PF suspeita ser
representada por Lyra aproveitou para tentar um acréscimo milionário em
sua receita. Os investigadores encontraram também na mesa de Lyra cópia
de uma petição da Interligação Elétrica do Madeira, subsidiária da
Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, solicitando à
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a revisão de um contrato de
transmissão de energia e o aumento de R$ 34 milhões da receita anual
permitida. O fundamento usado na petição é a legislação decorrente da
Medida Provisória relatada por Eunício. O pedido foi rejeitado pela
Aneel em 26 de abril do ano passado e em um despacho neste mês.
Apesar de ainda não ter elementos conclusivos, a PF aponta a
possibilidade de que Lyra atuava como lobista da empresa por seu
histórico de influência nos bastidores do poder de Brasília. Há um ano,
Milton apareceu na Lava Jato no papel de facilitador de Eunício. Segundo
a delação premiada do ex-diretor da Hypermarcas Nelson Mello, Lyra
intermediou o pagamento de R$ 5 milhões para a campanha de Eunício ao
governo do Ceará, em 2014. Mello disse em depoimento que “ajudou
mediante contratos fictícios”. Na terça-feira, dia 21, as empresas
usadas nesses contratos foram alvo da Operação Satélites, deflagrada
pela Polícia Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República
para investigar as suspeitas de corrupção envolvendo o presidente do
Senado e seus colegas senadores do PMDB, Renan Calheiros e Valdir Raupp,
além do senador petista Humberto Costa. A operação se baseou nas
delações de Nelson Mello e dos executivos da Odebrecht.
As apreensões nos endereços de Lyra, realizadas em julho do ano passado,
ainda estão sob análise da PF. Outros itens encontrados reforçam os
vínculos dele com senadores do PMDB. Uma das anotações em uma agenda do
lobista traz detalhes de uma viagem feita por ele com o líder do governo
no Senado, Romero Jucá, do PMDB, e suas respectivas esposas, de
Brasília a Belo Horizonte, em um jato particular. Havia também indícios
de que Lyra captou doações da empreiteira Engevix ao diretório estadual
do PMDB de Alagoas em 2014 – onde o filho de Renan foi eleito
governador. “No registro seguinte, inserido em espaço correspondente à
data de 18/10/2014, verifica-se a incursão de Milton Lyra na suposta
obtenção ou intermediação de doação junto à empresa Engevix”, diz o
relatório. Em sua proposta de delação premiada, revelada por ÉPOCA, o
sócio da Engevix José Antunes Sobrinho disse que fala com Lyra por ele
ser lobista e operador de Renan Calheiros, o pai.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, afirma não ter nenhum
relacionamento com o lobista Milton Lyra. Diz que não tratou da Medida
Provisória no 688 com ele nem recebeu demandas de empresas enquanto
fazia seu relatório. “O texto foi tratado apenas com os consultores do
Senado que construíram o relatório”, disse em resposta por escrito.
Eunício também nega ter tratado com Milton Lyra de contribuições do
grupo Hypermarcas para sua campanha eleitoral de 2014. A empresa
Interligação Elétrica do Madeira informou, em nota, que não tem “relação
contratual ou comercial” com Milton Lyra. O senador Jucá negou, por
meio de sua assessoria, que tenha viajado com o lobista. Sobre as
doações captadas por Milton Lyra, a Engevix informou que “a atual
diretoria desconhece o assunto. Lyra nega, por meio de sua defesa, ter
atuado para a empresa, ter cometido crimes ou negociado uma delação
premiada. Pelas provas que os investigadores já reúnem, pode ser tarde
demais quando ele mudar de ideia.
Época


