O Aurélio Rodrigues tinha só 54
anos, mas parecia ter bem mais que 60, resultado de um corpo bombardeado pelo
tempo e pelos anos de trabalho na enxada. Era bem conhecido no Bairro
Marabaixo, Zona Oeste da capital, onde capinava quintais por R$ 30 ou R$ 50.
Depois de quatro meses de peregrinação em unidades da rede pública, ele nunca
descobriu o que tinha de verdade, mas as dores eram grandes. A jornada sofrida
terminou dentro de um caixão na praça do bairro na manhã desta quarta-feira,
1º, depois de ter sido rejeitado até pela paróquia da comunidade onde vivia.
O capinador era natural do
Maranhão, e vivia sozinho em um barraco de madeira de 4 metros de largura por 4
metros de comprimento no Marabaixo I. Tinha um casal de filhos. A moça mora em
Laranjal do Jari, no Sul do Estado, e os vizinhos contam que ela é extremamente
pobre. O filho mais velho tem família, também é braçal, e mora em outro bairro.
Quando começou a sentir dores, há
cerca de quatro meses, teve a ajuda dos vizinhos que iniciaram uma peregrinação
pela rede pública. Desconfiavam que era um problema na próstata.“Sempre que
íamos ao Hospital de Emergência aplicavam remédios pra dor, mas nunca faziam os
exames nele porque diziam que não tinha como fazer. Não tinha equipamentos”,
conta o amigo e vizinho Josias Souza, que é funcionário público.
Amigos queriam fazer o velório na
pavilhão da paróquia do bairro, mas foram impedidos
Depois dos dois primeiros meses,
seu Aurélio conseguiu fazer alguns exames no Hospital de Clínicas Alberto Lima
(HCAL). A suspeita era de um problema renal, e seria necessária uma cirurgia,
segundo os amigos.
“Os exames não deram em nada, só
que os médicos achavam que era problema renal. Depois de muita luta conseguimos
uma vaga pra ele no Hospital de Santana”, comenta o aposentado Luiz
Claudinaldo, o “Gato”, da Associação de Esportes do Marabaixo I, que também
acompanhou o sofrimento.
Seu Aurélio morreu na manhã de
terça-feira, esquecido pelo poder público, mas não pelos amigos. Ele estava
internado no Hospital de Santana à espera da cirurgia. Um médico informou que
foi infecção generalizada.
Depois de tanto sofrimento, uma
última humilhação ainda estava por vir: os amigos foram até a paróquia de Santa
Terezinha, no Marabaixo I, pedir ao padre que o velório fosse realizado no
patio do local.
“Mas o padre disse que ia
atrapalhar a missa e o terço dos homens. Faltou boa vontade”, queixa-se Gato.
Os amigos não tiveram outra
escolha se não levar o corpo para a praça do bairro, o local mais aberto que
poderiam arrumar e onde ninguém se oporia. Foi a última situação de constrangimento
na sofrida jornada de seu Aurélio.Sofrido na vida e depois dela, o velhinho que
capinava quintais finalmente descansa no Cemitério São Francisco de Assis, na
BR-210.
(Revista NP)



