Crianças soropositivas são cobertas por mantos de invisibilidade.
Vítimas, em grande parte, de lacunas no processo de detecção do HIV nas
mães antes ou durante a gestação - nascem, muitas vezes, sem saber que
possuem o vírus e assim podem passar anos. Nem estados, nem municípios,
sabem quem são ou quantas são. Apenas nos casos mais graves, quando o
HIV se transforma em doença, a Aids, passam a ser contabilizadas e
reconhecidas. Caso contrário, permanecem sem acesso à informação e ao
tratamento.
No Ceará, um dos estados que lembrou, nesse domingo (6), o Dia Mundial
das Crianças Afetadas e Infectadas pelo HIV e Aids, os dados
disponibilizados pela Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) tratam dos
diagnósticos de Aids em crianças com menos de 5 anos. Com os avanços nos
métodos de prevenção da transmissão vertical do vírus entre mães e
filhos, o número tem conseguido se manter estável nos últimos 10 anos,
variando entre 6 e 11. No ano passado, atingiu o patamar mais baixo, com
apenas dois casos registrados.
No entanto, para cada caso de Aids contabilizado, outros tantos de HIV
em crianças têm passado despercebidos pelo poder público. "Pelos dados,
vemos que houve queda na transmissão e isso foi muito importante. Mas,
como acontece em pouca quantidade, os casos que ainda existem ficam na
invisibilidade. E ainda existem muitos", destaca Vando Oliveira,
coordenador da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids no Ceará,
que reúne cerca de 2.000 pessoas no Estado. "Se já existe
invisibilidade para o HIV e a Aids como um todo, imagina para as
crianças", acrescenta.
Oliveira destaca que os casos de crianças soropositivas existentes hoje
são reflexo do contexto de vulnerabilidade social em que vivem as
famílias afetadas, cenário que ele chama de "pauperização da Aids". Ele
ressalta que a realização do pré-natal adequado ainda é falha, e grande
parte das gestantes infectadas, quando descobrem o vírus, o fazem
tardiamente.
Segundo os dados da Sesa, entre 2007 e 2017, a detecção de HIV em
gestantes foi ascendente no Ceará. Em 2016, atingiu o valor mais alto da
década (301 casos), caindo no ano seguinte (194 casos). Em 2017, embora
95,8% das grávidas diagnosticadas com o vírus tenham tido
acompanhamento médico durante a gestação, apenas metade delas, em média,
utilizou terapia antirretroviral no pré-natal e no parto, conforme
orienta o Ministério da Saúde.
"Muito dificilmente essas mães conseguem fazer o acompanhamento todo
bonitinho como a Medicina recomenda. A pauperização da Aids é muito
grande no Ceará e isso é um fator importantíssimo para explicar a
situação que temos hoje", diz o coordenador da Rede.
O acompanhamento precisa acontecer não só antes, mas também depois do
nascimento. A criança exposta ao HIV deve tomar medicamentos
profiláticos até completar 1 ano e meio de idade. Para mães em situação
de vulnerabilidade, persistir no tratamento ao longo de 18 meses é, no
mínimo, desafiador. Contudo, somente após esse período o diagnóstico da
criança, positivo ou negativo, será definitivo.
Referências
O Estado oferece a profilaxia para gestantes vivendo com HIV e crianças
expostas ao vírus nas maternidades da rede pública. Já o tratamento
para crianças soropositivas é disponibilizado em 29 unidades. O Hospital
São José e o Hospital Infantil Albert Sabin são referências.
A assessora técnica do grupo de trabalho de IST, Aids e Hepatites
Virais da Sesa, Anuzia Saunders, reitera o desafio de diagnosticar
precocemente mulheres vivendo com o vírus para evitar os casos de HIV ou
Aids infantil. "Infelizmente, essas mulheres em idade fértil
normalmente só fazem o exame de HIV na hora do pré-natal, que é quando é
solicitado. Algo está acontecendo e eles não estão tendo a oportunidade
de fazer o teste antes da gravidez", afirma.
Ela destaca que a implantação dos testes rápidos nas unidades de saúde,
em 2009, foi um avanço para a detecção do vírus. "Você tem
possibilidade de fazer o diagnóstico entre 10 e 15 minutos. Antes, a
gestante fazia a sorologia, mas ia parir sem o resultado. Quanto mais
rápido diagnosticar, mais rápido é possível oferecer medicações e
profilaxia".
Diário do Nordeste