Nos últimos dez anos, 2017 foi o ano mais violento para as comunidades
quilombolas com 18 assassinatos registrados contra essa população. Em
comparação a 2016, houve um aumento de 350% no número de quilombolas
assassinados. O dado é parte de um trabalho de pesquisa promovido pela
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos, em parceria com o Coletivo de
Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Trabalhadoras
e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR).
“Existe um estado de vulnerabilidade dos quilombos que é resultado de
uma fraqueza da política pública em assegurar os direitos territoriais
quilombolas e isso cria uma situação de exposição à violência, somada ao
racismo institucional da sociedade brasileira que faz com que os
quilombolas sejam vítimas de atrocidades”, diz Elida Laures,
coordenadora da pesquisa pela Terra de Direitos.
As ocorrências foram identificadas em todas as regiões do país, sendo a
Nordeste a mais afetada (49% das situações mapeadas). A Bahia e o Pará
foram os estados mais afetados, seguidos de Minas Gerais, do Rio de
Janeiro e do Piauí.
Chacinas
A coordenadora da pesquisa pela ONG Terra de Direitos, Elida Laures, diz
que o aumento do número de assassinatos se deve à ocorrência de
chacinas contra essa população em 2017. O estudo aponta a ocorrência de
chacinas no Quilombo Iúna, com sete mortes, e no Quilombo Lagoa do
Algodão, com quatro mortes, ambos localizados na Região Nordeste.
“É representativo o caso do Nordeste, especificamente por conta da
crueldade das mortes, porque o número de assassinatos da região é mais
uma vez marcado pelo acontecimento de chacinas. Os projetos de
desenvolvimento que estão em curso no Nordeste, a disputa territorial
que está colocada na região relacionada a projeto de desenvolvimento
influencia esse cenário de violência que a gente tem assistido contra as
comunidades quilombolas”, diz Laures.
Tipos de violência
Das 113 ocorrências de violações contra quilombolas mapeadas pela
pesquisa em 2017, foram identificadas em maior número as situações de
ameaça, perseguição e/ou intimidação (29 ocorrências), seguida de perda
ou possibilidade de perda do território por invasão e/ou intervenção de
terceiros (22 ocorrências) e assassinatos (18 ocorrências). Entre 2008 e
2017 foram assassinados 32 homens e seis mulheres quilombolas. No ano
passado foram 16 homens e duas mulheres assassinadas.
O meio mais empregado nos assassinatos foi a arma de fogo (68,4%),
seguido da utilização de faca (13,2%). A pesquisa mostra que 66% das
mulheres quilombolas assassinadas foram mortas com uso de arma branca ou
com métodos de tortura; em homens, esse número é de cerca de 21%.
“O assassinato é um dos tipos de violação, mas tem um conjunto de outros
tipos de violência que os quilombolas sofrem nos seus territórios por
resistirem e quererem permanecer ali com o avanço do agronegócio, do
setor minerário e do setor madeireiro para cima dos territórios
quilombolas”, diz Givânia Silva, que coordenou a pesquisa.
Dificuldade de conseguir dados
A sistematização ocorreu por meio de levantamento de dados com recorte
temporal compreendido entre 2008 e 2017 – para mapear o número de
assassinatos de quilombolas no período -, trabalho de campo e
organização de informações relativas a 2017 para caracterizar os
principais tipos de violência e ameaças contra quilombos, as
especificidades e o contexto da violência enfrentada por mulheres
quilombolas e o agravamento da violência em alguns estados. O trabalho
envolveu pesquisa documental do acervo da Conaq, notícias em jornais,
redes sociais e outras publicações, além de técnicas específicas de
amostragem.
Silva aponta que houve dificuldade na obtenção dos dados para a pesquisa
e foi necessário um cruzamento de diferentes fontes de informação.
“Muitos [assassinatos] sequer são registrados. Nós fomos atrás de vários
dados, os dados da polícia são os mais frágeis, não fazem sequer menção
se ele pertence a um território, sequer coloca o nome completo. A gente
fez uma pesquisa qualitativa no sentido de ir atrás de cada um para
saber a que estava ligado o conflito e a conclusão é que as mortes estão
ligadas à disputa pelo território”, diz.
(Agência Brasil)