Desde o nascimento, as gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle, 2 anos,
nunca se viram, apesar de seus corpos, de certa forma, serem um só. As
irmãs, da comunidade de Patacas, distrito de Aquiraz (Região
Metropolitana de Fortaleza), são um caso raro de siameses craniópagos
(ligados pelo topo do crânio). Amanhã, um procedimento inédito no Brasil
deverá separar as meninas e possibilitar que as duas se vejam pela
primeira vez. A última e mais complexa das quatro cirurgias será
realizada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP).
O procedimento, que consiste na separação física e reconstrução do topo
do crânio, irá reconstituir a meninge, o crânio e a pele. A previsão é
que a cirurgia dure cerca de 20 horas. A estimativa é de que 30
profissionais estejam envolvidos, entre neurocirurgiões, cirurgiões
plásticos, neurorradiologistas, anestesistas, pediatras intensivistas e
enfermeiros. Considerado o maior especialista do mundo em separação de
siameses, o americano James T. Goodrich, do Montefiore Medical Center de
Nova York, acompanha o caso.
No último dia 24 de agosto, as irmãs foram submetidas a um procedimento
preparatório para a separação definitiva, no qual foram implantados
expansores subcutâneos bolsas com material sintético para dar
elasticidade à pele que deverá cobrir o topo das cabeças.
O sucesso da última cirurgia reflete a esperança da família e de
profissionais envolvidos. O procedimento final permitirá às crianças uma
infância plena que, hoje, ainda se faz conforme as limitações.
Uma tenta implicar com a outra, mas engatinhar, por exemplo, não é
possível. Para que uma ensaiasse uns passos, a outra teria de ficar de
cabeça para baixo.
A jornada das pequenas em busca de liberdade precisou ser feita em
etapas devido à alta complexidade do caso. As duas possuem cérebros
independentes, mas dividiam o seio venoso veia de maior calibre
localizada no topo da cabeça , principal estrutura que recolhe o sangue
do cérebro.
"Se fizer de uma só vez, o cérebro não aguenta. Vai ter que escolher uma
para ficar com sangue e a outra não vai ter pra onde escoar o sangue.
Esse é o problema fundamental que define por que tem que ser feito em
etapas", explica o neurocirurgião pediatra Eduardo Jucá, um dos
integrantes da equipe multidisciplinar que acompanha as gêmeas. Ele atua
no Hospital Albert Sabin, em Fortaleza, e foi responsável pelo
acolhimento inicial das meninas e a articulação para as cirurgias.
Elas passaram por três procedimentos de separação de veias em fevereiro,
maio e agosto deste ano. Segundo o especialista, o procedimento
realizado em partes permite que se forme uma nova vascularização para o
escoamento sanguíneo. "E isso aconteceu. Com os exames que foram feitos
depois, (verificou-se que) isso já aconteceu", confirmou Jucá. Na
terceira cirurgia, o médico cearense explica que uma membrana artificial
foi colocada para separar partes dos cérebros que estavam muito
próximas.
As perspectivas de sucesso são boas, mas os riscos são presentes. Dentre
estes, os principais são hemorragia, infecção, e sequela neurológica,
explica o Jucá. "A gente fez tudo para que os cérebros pudessem existir
de maneira independente. Mas a certeza, só quando eles forem colocados,
realmente, de maneira independente", pondera.
"As crianças que já foram separadas em outros casos no mundo evoluíram
bem. A gente espera que isso também aconteça", indica Eduardo Jucá.
Devido à raridade do caso, o médico esclarece que não é possível
delimitar um período mínimo de recuperação, mas sinaliza que as duas
deverão, ainda, passar por reabilitação com fisioterapia, terapia
ocupacional e fonoaudiologia. Procedimentos para reparo, como cirurgia
plástica, também poderão ser necessários.
Sobre os desdobramentos desse processo de separação das siamesas,
Eduardo sinaliza bons frutos para a medicina brasileira. "Aquilo que se
faz na ponta reverbera na média. O que está sendo feito para elas vai
poder ser aproveitado para cirurgia de outras crianças. Técnicas de
navegação, a parte de formação de equipe (médica). Sem dúvida que vai
deixar benefícios", reflete o neurocirurgião pediatra.
O POVO Online