A Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e a Cultura (Unesco) reconheceu o reggae como patrimônio
cultural e imaterial da humanidade. O anúncio ocorreu nesta quinta (29),
em Port Luis (Ilhas Maurício). O apelo do gênero musical da Jamaica
envolve a cultura rastafári, a articulação do movimento negro e o culto
ao jamaicano Bob Marley (1945-1981) enquanto um ícone da história da
música.
Para o músico e pesquisador Fabrício Mota, mestre pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) com uma dissertação sobre a história do reggae
no Estado, o reconhecimento é tardio, porém fundamental.
"Primeiro que, ao transformar em patrimônio imaterial, você coloca na
pauta institucional, e transforma um elemento importante da formação da
nossa cultura no Brasil. Coloca na ordem dos projetos educacionais, da
educação para além da escola", observa ele, autor do livro "Os
Guerreiros do Terceiro Mundo" (Editora Pinaúna, 2012), sobre a formação
do cenário do reggae na Bahia.
A segunda questão contemplada pela chancela da Unesco, segundo
Fabrício, é se colocar diante da importância de perceber a influência da
cultura de matriz africana para o Brasil. O pesquisador baiano alerta,
no entanto, como existe um grave déficit de atenção do poder público em
relação ao gênero, com prejuízos políticos e sociais para a "massa
regueira".
"Espero que a declaração reflita de uma maneira positiva e
sensibilize o poder público, inclusive para a dissolução de problemas
sociais. A gente diz que a 'massa regueira' está nos guetos, nos bairros
pobres. A música comunica e representa essa parcela, que é a maioria da
população", distingue.
Conceito
Fabrício conceitua o reggae como um gênero "transnacional". E olha
para a expansão do gênero da Jamaica em direção ao Brasil, ainda na
década de 1970. Com um olhar específico sobre a Bahia, o pesquisador
lembra, por exemplo, que os blocos afros como o Olodum surgiram
conectados à experiência identitária do reggae. Grupos similares, a
exemplo do Muzenza e do Malê Debalê, passaram a desenvolver a vertente
do samba-reggae, a partir dessa influência.
"A Jamaica passou a ser um novo símbolo de resistência, uma nova
referência de africanidade. O Olodum é um dos ícones desse movimento,
mas isso trouxe uma mudança não apenas sonora, mas também do ponto de
vista da estética e da política", complementa.
O pesquisador reforça ainda que o reggae deu origem a vertentes como o
dub (um formato mais experimental). Para além da Bahia, o gênero no
Brasil passou a integrar o cenário cultural de cidades como São Luís
(MA) e foi digerido, também, por grupos de música pop como os
brasilienses do Natiruts e os cariocas do Cidade Negra.
Fabrício Mota identifica que, embora Bob Marley tenha "explodido" e
ganhado espaço no cenário musical beneficiado pela indústria
fonográfica, a música jamaicana se difundiu pelo Nordeste e pelo resto
do País influenciando, sobretudo, um contexto de luta.
(Diário do Nordeste)