Uma história de superação serve como inspiração
para muitos moradores da zona rural de Iguatu. Na localidade de Malhada
Limpa, no distrito de José de Alencar, distante 30 km do centro urbano,
os irmãos Marcos e Edilândia Lavor, que possuem deficiência visual,
congênitos, cursam licenciatura em Letras e percorrem todos os dias o
caminho para a faculdade em um ônibus escolar.
Motivados, os irmãos querem ser professores de Português. Não medem
esforços para vencer os obstáculos impostos pela vida e pela falta de
acessibilidade. Uma delas é a escassez de material de estudo em braile. A
faculdade não oferece essa possibilidade.
Os irmãos estudam na Faculdade de Educação, Ciências e Letras de
Iguatu (Fecli), unidade de ensino da Universidade Estadual do Ceará
(Uece). Edilândia Lavor, 23 anos, cursa o quinto semestre. Marcos Lavor,
20 anos, é aluno do segundo semestre.
Todos os dias, eles percorrem um total de 60km até a instituição. Os
irmãos decidiram continuar morando com a família no sítio Malhada Limpa,
pois as condições financeiras e a atividade do pai, agricultor de base
familiar, impedem a mudança para a cidade de Iguatu.
"Aqui a gente tem o apoio e o aconchego da família", diz Edilândia. E
como eles fazem para estudar em casa? Graças ao avanço tecnológico e à
chegada de sinal de internet na zona rural é possível ouvir textos por
meio de um sistema de avançado de leitura implantado em computadores e
smartphones.
O material é digitalizado por colegas bolsistas. Na Fecli não há
impressora nem textos e livros em braile, dificultando o acesso ao
material didático, pedagógico e de conteúdo das disciplinas.
Em casa, os dois estudam os conteúdos apresentados em sala de aula e
fazem os trabalhos acadêmicos. Também participam de atividade em grupo,
estudo coletivo à distância e se comunicam bem com os colegas. "Se não
fosse a internet, seria impossível, não tínhamos como continuar
estudando e morando aqui no sítio com a família", pontua Marcos.
Sonho
Os dois sonham em ser professores de Português. "A gente quer ensinar
em uma sala regular, e não apenas para cegos", ressalta Edilândia
Lavor.
Na Faculdade, os irmãos enfrentam a falta de material em braile. "Se
houvesse textos com os conteúdos das disciplinas, a gente teria melhores
condições de estudo e de aprendizagem", observam os estudantes.
Há ainda dificuldade física de locomoção no campus
multi-institucional. O espaço é moderno, mas não tem adequações para
acessibilidade. Falta sinalização de piso e existem obstáculos nas vias
de pedestres como escadas de ferro. Para se locomover, é preciso contar
com a ajuda de colegas.
Trajetória
Ambos estudaram até os oito anos de idade no sítio, na condição de
ouvintes, pois não havia meios e materiais disponíveis para cegos. "A
gente estava na escola, mas não era estudante realmente", lembra
Edilândia. "Não participava das atividades".
Em Iguatu, na Escola Carlos de Gouvêa, foram alfabetizados em braile,
em uma sala de inclusão, da Educação Especial. Concluíram o Ensino
Fundamental e, depois, foram para o Liceu de Iguatu, onde terminaram o
Ensino Médio.
O próximo passo foi enfrentar o vestibular na Uece e cada um a seu
tempo conseguiu aprovação para o curso de Letras. Em casa, os irmãos têm
o apoio dos pais. É uma moradia simples, no sertão, que nesta época do
ano permanece seco. Há galinhas e capotes criados soltos, no terreiro de
casa. O pai, batalhador, cuida de poucas cabeças de gado e no tempo da
chuva faz roça de milho e feijão.
A vida da família é dura, mas ninguém perde a esperança em dias
melhores. Não faltam união e apoio. "Fomos criados normalmente e isso
nos ajudou bastante a ter força e motivação para superar as
dificuldades", finaliza Edilândia Lavor.
Diário do Nordeste