O projeto de Bolsonaro de
dessalinização de água no Nordeste foi um dos temas mais discutidos no fim de
2018. Em uma mensagem no Twitter, no dia 25 de dezembro, Jair Bolsonaro
anunciou que o futuro ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações, Marcos Pontes, buscará uma parceria com Israel na área de
dessalinização de água salobra. A RFI conversou com especialistas israelenses
que vêm uma parceria com o Brasil com bons olhos, mas ressaltam que resolver o
problema hídrico do Nordeste necessitará planejamento a longo prazo.
A dessalinização é o processo de
remoção dos sais dissolvidos na água do mar ou nas águas salobras subterrâneas,
produzindo água doce, para ser utilizada, principalmente, no consumo humano ou
em aplicações industriais.
Mas para Diego Berger,
coordenador de projetos internacionais da Companhia Nacional de Água de Israel
(Mekerot), não deveríamos estar falando somente em dessalinização. “Primeiro é
preciso estudar, por exemplo, a redução da perda nas redes de água das cidades.
Uma das leis que existem em Israel é que todo o consumo da água é medido. Até
mesmo a água que é usada na agricultura. Geralmente, no resto do mundo, essa
água usada na agricultura não é medida. Quando eu falo em colocar um medidor de
água nesses casos, reclamam dizendo que o objetivo é somente cobrar por um
serviço”, explicou. “Antes, Israel era um país muito pobre e também não se
media, mas é preciso lembrar que sem uma medição correta fica impossível
gerenciar o sistema. Como se pode fazer a gestão de um recurso que você ignora
a quantidade que tem”, questionou Berger.
Gestão integrativa dos recursos
hídricos
Para ele, é preciso haver uma
gestão integrativa dos recursos hídricos. Mas a mentalidade, em vários países,
é o principal obstáculo. “Agora estou trabalhando na Índia, perto de Mumbai, e
eles também não medem. 90% da água vai para a agricultura e ninguém mede. O que
eu falo sempre, no Brasil, na Argentina, e em outros países da América Latina,
é que o maior problema não é técnico, mas cultural. É um problema do valor que
é dado à água. Isso inclui como ela é usada, se é feito o reuso desta água.
Hoje, 85% do esgoto de Israel é reutilizado para a agricultura”, explicou o
especialista. “Eu sempre falo que Israel foi abençoado pela falta dos recursos
hídricos, pois graças a isso, tivemos que aprender a utilizar ou reutilizar o
que tínhamos de uma forma muito mais razoável”, completou.
Para Shai Saresh, que trabalha no
setor privado de dessalinização do país, a aproximação entre Brasil e Israel
pode ser benéfica para empresas das duas nações. “Normalmente, quando parcerias
são feitas, existe um trabalho conjunto entre os que chegam com o “know-how”,
fazendo um trabalho de consultoria, e as empresas que já trabalham nesse setor
no país. Há também a possibilidade de trazer tecnologias que ainda não são
usadas, quando necessário. E as empresas locais ajudam com a contratação da mão
de obra, a burocracia e outros problemas locais”, afirmou.
Planejamento a longo prazo
No entanto, Diego Berger lembra
que o “maior problema não é a tecnologia, mas sim a boa gestão”. Ele ressalta o
papel crucial da consultoria nesses casos. “Eu acho que é mais importante do
que fazer uma obra. Porque com a consultoria, nós fazemos um plano diretor que
mostra como será o setor hídrico nos próximos 30 anos. Com isso, mostramos como
se deve evoluir, como melhor e que tipo de projetos serão necessários”,
analisou.
O argentino elogiou a iniciativa
do novo presidente brasileiro, que, segundo ele, tem a possibilidade de mudar a
importância que o país dá à água. “Não é pensar que com uma obra tudo será
resolvido, mas é começar a traçar um caminho para poder mudar a forma como os
recursos hídricos são gerenciados atualmente. No Brasil há muito recurso, e por
isso existe a cultura da abundância. Em um momento ela vai se transformar em
uma cultura de escassez, portanto é preciso começar a reagir agora a essa
situação. Mudar isso já seria uma grande coisa”, concluiu Berger.