Quando o período chuvoso começa, é comum que,
após a precipitação, parte da água que atinge o solo se infiltre e fique
armazenada no subsolo. Em situações de necessidade, como a que o Ceará
atravessa, esses reservatórios subterrâneos são perfurados e acessados
para extração do líquido cada vez mais precioso.
Dos 152 municípios cearenses atendidos pela Companhia de Água e
Esgoto do Ceará (Cagece), atualmente, 51 são abastecidos somente por
poços profundos. "A maioria devido ao baixo volume dos mananciais",
conforme informações da empresa.
Reforço
Outras 11 cidades, segundo a companhia, têm abastecimento realizado
de forma mista: a captação é feita em mananciais de superfície, como
açudes e rios perenizados, e complementada por mananciais subterrâneos,
que são os poços. "O objetivo é garantir a distribuição de água e
preservar ao máximo os mananciais com volume comprometido", destaca a
Cagece.
Uma das cidades que precisa gerir bem o recurso é Quixadá, já que o
Açude Cedro está com menos de 1% da capacidade total, conforme o Portal
Hidrológico do Ceará. Na localidade de Várzea da Onça, na zona rural do
Município, a maioria das cerca de 600 famílias habitantes precisa
comprar carradas d'água por R$ 80, cada, para matar a sede e poder tomar
banho, lavar as louças e as roupas.
No distrito, há três poços profundos, mas nenhum deles funciona. "Um
está seco, noutro a água deu salobra e o terceiro também não tem motor
instalado. Estamos no fundo do poço", reclama Silvia Pereira da Silva,
funcionária do Posto de Saúde da comunidade. Por ser assalariada, ela
não tem direito à água da Operação Carro Pipa, coordenada pelo Exército,
mas diz não fazer muita diferença. Quando passa por lá, "uma raridade",
segundo ela, o veículo só atende a uma minoria.
Apesar dos 85 anos de idade, dos quais mais de 60 dedicados à
agricultura, José Queiroz de Abreu enfrenta o mesmo problema. Para
garantir o mínimo para as necessidades domésticas dele e da esposa,
Francisca Fátima de Castro Abreu, 75, o agricultor precisa comprometer a
renda familiar. Nos últimos meses, compraram três carradas d'água.
Noutra comunidade, São Francisco, onde também foram perfurados poços,
o chafariz funciona, mas a água não é boa para consumo por causa da
salinidade. Como não foi instalado um dessalinizador, a vizinhança
também precisa comprar água, pelo menos até a cisterna de placa encher
novamente. "Precisa chover mais. Os pingos dos últimos dias não lavaram
nem as telhas", comenta o morador Antônio Alves da Silva, 54.
Cristalino
O coordenador municipal da Defesa Civil, Kleber Júnior, demonstra
preocupação com a assistência às comunidades rurais. Foram perfurados
poços em diversas localidades de Quixadá, mas os motores e a tubulação
para sucção da água não foram instalados pelos órgãos responsáveis.
O Município também não conta com recursos financeiros para completar o
sistema de abastecimento. Só no ano passado, a Superintendência de
Obras Hidráulicas (Sohidra) instalou 1.977 poços profundos no Ceará, o
que representa 30% dos 6.492 perfurados nos últimos quatro anos.
De acordo com o superintendente do órgão, Yuri Castro, as localidades
que necessitam dos equipamentos são avaliadas pelo Grupo de
Contingência da Seca toda semana. São levados em conta estudos da
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) sobre a situação de
cada cidade - embora haja 9 mil demandas para instalação em análise.
"Logicamente, não dá para atender a todas. A prioridade é das sedes e
de grandes distritos", afirma o superintendente. Antes de realizar a
perfuração, é preciso um estudo geofísico para detectar qual é a
formação daquele solo. No Ceará, detalha Yuri Castro, 80% são de solos
cristalinos, ou seja, podem acumular água em fraturas subterrâneas.
Os 20% restantes, são do chamado solo sedimentar (arenoso ou
argiloso), onde a operação se torna mais difícil ou até impossível. Para
se ter noção da diferença, de maneira geral, a profundidade de
perfuração do solo cristalino é de 70 metros. No terreno sedimentar, há
poços de 100 a até 1.000 metros, a exemplo de um escavado em Campos
Sales, no Cariri.
"Consideramos vazão insignificante abaixo de 400 litros/hora. Acima
disso, a gente faz a instalação, ou com chafariz de 5 mil litros com
quatro torneiras, ou já ligando a rede na comunidade, se ela tiver",
explica Yuri.
Apoio
Outra entidade que vem contribuindo para a multiplicação de poços
profundos no Estado é a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Historicamente, ela tinha atuação mais tímida nessa atividade. Em 2017,
foram apenas 22 dispositivos perfurados. Já em janeiro do ano passado, a
Funasa lançou o programa PerfuraAção, que, em um ano, abriu 330 poços
em 33 municípios cearenses, principalmente no Sertão Central.
De acordo com o superintendente estadual do órgão, Ricardo Silveira,
para 2019 há recursos garantidos para a perfuração e instalação do mesmo
quantitativo. Além das três máquinas perfuratrizes, o órgão financia os
estudos de viabilidade da perfuração.
Assim como na Sohidra, a fila também é extensa: atualmente há cerca
de 1.200 solicitações em análise. "Um dos critérios para a instalação é a
dificuldade de acesso à água na localidade. Prioritariamente, precisa
ser abastecida por carro-pipa", explica Silveira.
Os gestores municipais, que conhecem bem a realidade, podem demandar o
serviço. "Em algumas localidades, as pessoas estão literalmente vivendo
desses poços", destaca. O projeto tem conseguido vazão em mais de 80%
das tentativas de perfuração.
(Diário do Nordeste)