Membros do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura,
vinculado ao governo federal, afirmam ter recebido denúncias sobre
tratamentos degradantes e cruéis nos sistemas prisional e socioeducativo
do Ceará. Segundo as denúncias que o órgão reúne desde janeiro, os
maus-tratos estariam ocorrendo também durante as audiências de custódia.
José de Ribamar de Araújo e Silva, um dos coordenadores do Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, disse que interlocutores do
órgão que atuam no Ceará forneceram inclusive fotos de situações
“degradantes” a que presos estão submetidos em Fortaleza e região
metropolitana.
“Temos recebido comunicações sobre diversas violações de direitos. Há
denúncias de prisões discricionárias por conta da onda de violência que,
segundo nos informaram, impôs uma espécie de toque de recolher em
vários bairros da capital”, afirmou Silva.
As denúncias coincidem com o início da onda de ataques que alarmou a
população cearense e as autoridades estaduais e federais. Durante todo o
mês passado, foram registrados ataques criminosos simultâneos contra
ônibus, prédios públicos, estabelecimentos comerciais e construções em
vias públicas. Atribuídos a facções criminosas, os ataques ocorreram em
várias cidades cearenses, motivando o envio de agentes da Força Nacional
e da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária para reforçar a
segurança no estado.
Segundo o coordenador, os detidos ou apreendidos por suspeita de
participação nos ataques orquestrados estão sendo concentrados em
estabelecimentos prisionais ou para cumprimento de medida
socioeducativos da capital, sem direito a receber visitas. “Isso aumenta
o risco de colapso de um sistema já sobrecarregado. Principalmente no
sistema prisional, onde apenados estão todos misturados,
independentemente do tipo de crime que cometeram – o que contraria a Lei
de Execução Penal.”
Em um comunicado público divulgado para reivindicar do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos os recursos necessários para
as passagens aéreas para os integrantes do Mecanismo viajarem ao estado a
fim de inspecionar estabelecimentos prisionais e socioeducativos, o
órgão federal afirma já ter comunicado as autoridades competentes a
respeito das denúncias que tem recebido.
Além disso, os membros do Mecanismo Nacional levantaram informações que
“apontam para um cenário de grave violação de direitos e de fortes
indícios de situações de tortura que merecem o acompanhamento”.
Inspeção
Os centros de atendimento do sistema socioeducativo cearense foram alvo
da inspeção de uma equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura no início de dezembro de 2015. Na ocasião, a equipe inspecionou
o Centro Educacional Patativa do Assaré; o Complexo Penitenciário de
Aquiraz; Centro Socioeducativo Feminino Aldacy Barbosa e as unidades de
São Miguel e de Dom Bosco.
Nesta última, os integrantes do Mecanismo afirmaram ter encontrado, “sem
sombra de dúvida”, a pior ala do sistema socioeducativo estadual, com
“condições físicas e de salubridade das alas incompatíveis com quaisquer
parâmetros legais nacionais ou internacionais”.
No relatório das visitas ao sistema socioeducativo, os integrantes do
Mecanismo Nacional apontam que, na época, a estrutura destinada a
acolher crianças e adolescentes em conflito com a lei não dispunha de
canais de denúncias oficiais, nem meios jurídicos legais para averiguar e
processar administrativamente quem eventualmente cometer excessos
contra os jovens aos seus cuidados.
O documento também apontava a falta de profissionais e de oferta de
qualificação para os contratados, além das más condições de trabalho e
da excessiva presença de organizações não-governamentais na contratação
de mão de obra para o sistema.
Visitas
A presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Ceará, Beatriz
Xavier, classificou a situação no sistema prisional cearense como “muito
grave”. Segundo ela, foi o conselho estadual quem pediu a visita dos
integrantes do Mecanismo Nacional a fim de "furar o bloqueio criado para
impedir que as medidas de ajuste do sistema prisional sejam avaliadas".
"Temos recebido um sem-número de denúncias que, se confirmadas,
configuram a prática de tortura no sistema. Há cerca de dez dias, nos
reunimos com centenas de parentes de presos que denunciaram reiterados
casos de tortura física, como a privação de sono, isolamento, recusa de
visita social e de distribuição de material de higiene pessoal e
alimentação fornecidos pelos parentes”, contou Beatriz. Segundo ela, o
conselho recebeu “fotos que dão conta de casos de violência física, com
presos com dedos das mãos quebrados”. Ela criticou a dificuldade de os
representantes dos órgãos de monitoramento visitarem os presos.
“Há outro agravante, que é o fechamento de unidades prisionais do
interior do estado. Mais de 3,5 mil presos foram transferidos para a
capital só este mês, aumentando imensamente a massa carcerária.
Preocupa-nos que a sociedade acredite que fazer qualquer coisa,
inclusive violar os direitos das pessoas encarceradas, seja compreendido
como uma forma de botar ordem no sistema”, acrescentou Beatriz Xavier.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o governo cearense não se manifestou sobre as
alegações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Já o
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos negou a recusa
das passagens e diárias para os integrantes do Mecanismo Nacional
inspecionarem os estabelecimentos de privação de liberdade do Ceará.
Segundo a pasta, o que houve foi um “pedido de readequação de datas”.
Representantes da sociedade civil em órgãos federais de promoção dos
direitos humanos também se queixam que o Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos não tem repassado os recursos necessários
para que eles possam apurar eventuais denúncias de desrespeito aos
direitos humanos ou se reunir para planejar suas ações e as prioridades
do setor.
Por meio de sua assessoria, o Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos informou que não há restrição orçamentárias, mas ajuste
nas datas das reuniões dos vários órgãos de defesa dos direitos
humanos.
Agência Brasil