Enquanto Eduarda, de 7 anos, estuda em sua casa à beira do Açude
Mucambo, no distrito de Mutambeiras, em Santana do Acaraú, talvez não
dimensione os graves riscos que a família tem passado. Sabe que há algo
diferente porque ela e o irmão ficaram duas semanas sem aulas. Havia
risco de inundação da escola, disseram os adultos. Na frente da casa, o
açude peleja para avançar.
A família torce que chova, mas reza para que as águas caiam e sigam
adiante. O pior, relatam, já passou. Para eles, a maior ameaça era o
possível rompimento da barragem de Pilões, localizada em Morrinhos,
cidade vizinha. Pois, apesar da distância, Pilões desaguaria em Mucambo,
que já sobrecarregado tenderia a extravasar sobre aqueles que moram ao
seu redor.
Há nove anos, Mucambo não enchia, conta Francisca das Chagas, dona de
casa que tem o reservatório como paisagem de entrada na residência.
Durante as chuvas intensas, o Rio, tomado de capim, avolumou-se. Foi
preciso mobilizar os homens da região e na força-tarefa arrancaram a
mata fazendo-a descer pelo sangradouro.
A casa abriga sete pessoas e guarda três gerações. Além de Eduarda,
há outra criança, Guilherme, de 6 anos. "A gente dormia aqui mas porque
não tinha pra onde ir. A gente mal dormia. O pessoal dizia que qualquer
hora o açude arrombava e eu morrendo de medo não deixava esses meninos
dormirem direito. Era um sofrimento. Mas graças a Deus baixou mais",
relata. A área localiza-se geograficamente abaixo da barragem de Pilões.
Dilema
Em 2019, a situação em Santana do Acaraú é um tanto quanto distinta. O
problema que atormenta Mutambeiras se origina em Morrinhos. No início
de abril, moradores das duas cidades ficaram em alerta devido ao
possível rompimento de Pilões, que é particular. Caso a força das águas
extravasasse a barragem localizada em área alta, percorreria 40 km
abaixo rumo a Mutambeiras.
No início do mês, o sangradouro de Pilões foi limpo, para dar vazão à
água e reduzir a tensão no bloqueio. Semanas após o prenúncio de
rompimento, a equipe do Sistema Verdes Mares esteve na barragem e a
mesma seguia sem reforço. Moradores das proximidades contam que, há
alguns anos, a contenção tinha largura razoável e aguentava a passagem
de um carro. Hoje, estreita, a parede aparentemente limita-se à dimensão
do tráfego de uma motocicleta.
Tentar resolver um problema provocado em outra jurisdição não é
fácil, explica o secretário de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de
Santana do Acaraú, Arlênio Farias, ao dizer que a Prefeitura foi
acionada quando moradores de Mutambeiras se mostram aflitos com a
condição de Pilões. "Nós estávamos fazendo uma visita no Açude de
Mutambeiras. Somos leigos, não temos conhecimento técnico. Quem tem é a
Defesa Civil do Estado", explica.
Após o alargamento do sangradouro em Pilões, a Defesa Civil orientou
reforçar a barreira de contenção com sacos de areia. A Prefeitura de
Morrinhos deveria se encarregar de, junto ao empreendedor, equacionar a
situação. Procurada, a Prefeitura não quis se pronunciar.
Condições
A situação alerta e, conforme o analista de Desenvolvimento Rural,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Associação dos Municípios do Ceará
(Aprece), Nícolas Fabre, o acompanhamento e a fiscalização dos açudes
particulares são problemas sérios no Estado. Aos municípios, avalia ele,
falta condições financeiras para montar equipes de defesa civil
especializadas.
"A dificuldade é a mesma que na maioria dos setores da gestão
pública. A União e Estado querem descentralizar as responsabilidades sem
descentralizar os recursos financeiros para viabilizar tais ações. A
Aprece tem na governança interfederativa uma das principais bandeiras,
mas temos encontrado dificuldades em dialogar com os demais entes da
Federação".
(Diário do Nordeste)