O patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire,
considerado um dos principais expoentes da pedagogia mundial, com 41
títulos de Doutor Honoris Causa, certa vez disse que "Educar é impregnar
de sentido o que fazemos a cada instante". O pensamento do filósofo
brasileiro contextualiza com perfeita harmonia a ainda breve - e já tão
vitoriosa - trajetória de vida da jovem Moliny Késsya Freitas de Abreu,
de 18 anos, que nasceu com Síndrome de Down.
A iguatuense foi aprovada, no último vestibular, para cursar
Pedagogia na Universidade Estadual do Ceará (Uece), no Campus da
Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (Fecli). "É uma
vitória", abrevia a mãe Josefa Valdecir Abreu de Freitas.
O ambiente que cerca Moliny desde os primeiros dias de vida remete à
educação. Filha de professora, a jovem tem também duas irmãs que
lecionam. "Ela sempre foi muito independente e, para além disso, sempre
se mostrou muito dedicada aos ensinamentos. Tivemos a preocupação de
garantir a ela essa autonomia em seu desenvolvimento", lembra a irmã
Mônik Kely Freitas de Abreu.
A educação que lhe foi dada parece ter sido assertiva. Moliny
ingressou ainda cedo na escola da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (Apae) e começou a escrever paulatinamente sua trajetória.
Após concluir o ensino fundamental na Apae, a família optou por
matricular a jovem no Liceu de Iguatu para cursar o ensino médio.
Em três anos, ela se destacou e surpreendeu o corpo docente da
escola. "O que mais me surpreendia nela era a participação em sala de
aula. A condição dela nunca foi obstáculo para desempenhar qualquer
atividade. Ela conseguia ir além. Até em seminário Moliny se destacava
por ter seus trabalhos em dia e muito bem produzidos", expõe a
professora Kerly Nunes Bezerra de Amorim.
A diretora do Liceu, Cláudia Medeiros, enaltece "a base educacional"
que fora conferida a Moliny e destaca que o papel da escola é garantir a
inclusão. "Acredito que o papel da unidade de ensino é se adaptar ao
aluno que tenha qualquer necessidade para conferir a ele um ensino de
qualidade", ressalta.
O fato de Moliny ter nascido com Síndrome de Down representou um
desafio, mas não foi absorvido pela família como algo "a se lamentar",
conforme explica sua mãe. "Tive uma gravidez com a idade já avançada e,
quando tivemos a notícia, é natural que ocorresse uma preocupação extra.
Afinal, há quase duas décadas, criar uma filha com Down era uma missão
desafiadora, relembra Josefa.
Mas o sentimento de "medo", conta o pai, Milton de Freitas, logo foi
substituído pelo carinho. "Ela é muito mais que uma filha, é um
cristal", diz ele emocionado.
Rotina
A outra irmã, Môngola Keyla Freitas de Abreu, avalia que "as maiores
limitações, no fundo, foram muito mais nossas do que dela, que sempre
teve uma rotina normal. Tentávamos protegê-la excessivamente quando ela
já era capaz. Ela faz sua própria cama, escolhe a própria roupa e cumpre
todos os deveres de casa sem que seja preciso chamar sua atenção".
Com tamanho carinho recebido de todos que a cercavam, Moliny foi além
das expectativas. No ano passado, foi aprovada no curso técnico de
Nutrição e Dietética no IFCE, de Iguatu. A conquista, no entanto, não
foi suficiente para a jovem que tinha o sonho de ser professora tal qual
a mãe e as duas irmãs.
Decidida a cursar Pedagogia, Moliny criou a própria planilha de
estudos e, durante todo o ano passado, se dedicou com mais afinco aos
estudos. "Eu gosto muito de ler. Isso me ajudou. Durante a preparação
também assistia videoaulas e tirava as dúvidas com minhas professoras",
contou a jovem, que elege Biologia como a sua matéria preferida. No fim
do ano, veio a coroação pelo esforço.
Moliny não só conseguiu, como foi adiante. Além da aprovação na Uece,
a iguatuense obteve pontuação suficiente no Enem para cursar Geografia
no IFCE. De acordo com vice-coordenador da Fecli, Pedro Silvio, ela será
a primeira aluna com Down a ingressar na Universidade.
A rotina, a partir do segundo semestre deste ano, será dividida entre
o curso técnico e o curso superior. A extensa carga de estudos não
assusta a universitária. "Estou muito feliz. Meu coração está
transbordando. Agora vou me dedicar aos dois cursos e realizar meu sonho
de ser professora".
(Diário do Nordeste)