A chegada à fase que, para muitos, é considerada a "melhor idade"
pressupõe um envelhecimento com qualidade de vida. Para muitas pessoas
acima dos 60 anos no Brasil, no entanto, o processo é justamente o
inverso, quando se decorrem maus-tratos, abandono e ausência de direitos
considerados fundamentais à pessoa. Nesse contexto, o Ceará desponta
como o Estado nordestino com o maior número de denúncias registradas no
Disque 100, nos seis primeiros meses de 2018. Ao todo, foram 725
ocorrências.
O Estado ficou à frente da Bahia, com 691 casos denunciados no mesmo
período, a segunda maior demanda da região. Quem menos registrou
ocorrências, por sua vez, foi Alagoas, com apenas 136 casos. Foi também
do Ceará que partiu o maior número de denúncias no Nordeste durante todo
o ano de 2017, com 1.765 ocorrências registradas.
As 725 denúncias realizadas até junho de 2018 resultaram, conforme dados
coletados através do canal de denúncias do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, em 3.065 casos de violência contra a
pessoa idosa. Desses casos, a negligência lidera os registros no Ceará,
com 1.538 ocorrências, o equivalente a 50% do total. Em seguida, aparece
a violência psicológica, com 800 casos, seguido do abuso financeiro,
com 446 denúncias, e da violência física, com 281 registros. Os casos de
negligência também foram a maioria demandada ao Disque 100 durante todo
o ano de 2017, com 3.926 denúncias, quase 49% do total registrado.
Sinais
Como uma realidade ainda a ser combatida no País, saber identificar os
casos de violência contra a pessoa idosa se mostra essencial. A quebra
dos vínculos sociais é apontada pelo Conselho Estadual dos Direitos do
Idoso no Ceará (Cedi) como a primeira manifestação na maioria das
ocorrências. "Se eventualmente você percebe um idoso que tem uma mudança
brusca de comportamento, perde os vínculos com amigos, com a sociedade,
os grupos que faz parte, pode ser a primeira manifestação que algo está
acontecendo", esclarece Raphael Castelo Branco, presidente do Cedi,
também presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Ordem dos
Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE).
Segundo acrescenta, sinais relacionados à autonomia, como o medo do
idoso de sair de casa ou o receio de exprimir uma vontade, assim como
marcas de agressão no corpo, também são evidências que apontam situações
de violência. Casos específicos de negligência, ressalta, são
caracterizados na exposição do idoso a uma grande situação de
vulnerabilidade. "Por exemplo, a falta de cuidado com a higiene, a não
observação de vacinas, a ausência de qualquer tipo de cuidado com a
alimentação", afirma.
Obstáculos
Um dos obstáculos enfrentados pela rede de proteção é a subnotificação
das denúncias, ainda segundo explica o presidente do Cedi, uma vez que
os casos são, geralmente, cometidos por pessoas de proximidade direta
com o idoso.
"A vítima nega a existência da violência porque não quer denunciar o
próprio filho, o próprio neto. O segundo desafio é a questão do trabalho
em rede. Muito embora a gente tenha avançado com os conselhos, o
Ministério Público, e a própria Delegacia de Proteção ao Idoso e Pessoa
com Deficiência (DPIPD), a gente acha que esse trabalho ainda precisa
ser melhorado. Muitas vezes, na mesma denúncia, você tem dois, três
órgãos atuando ao mesmo tempo, e cada um com suas particularidades",
comenta.
Outro ponto destacado é a falta de informação, seja da parte do idoso
como da sociedade no geral, que ainda desconhece direitos e formas de
violência. "Principalmente, quando a gente fala de outro tipo de
violência, que é a financeira/patrimonial - que no interior do Estado
tem crescido muito - principalmente com a questão de empréstimos
consignados", diz Raphael.
A reportagem demandou a Secretaria da Proteção Social, Justiça,
Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) sobre ações, equipamentos e
investimentos para atender pessoas idosas em situação de violência mas,
até o fechamento deste edição, não teve retorno.
Diário do Nordeste