Saltar de nanico para um dos maiores partidos do Brasil, como aconteceu
com o PSL, após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, tem um preço:
virar alvo de disputa. Enquanto no plano nacional brigas internas vez ou
outra vêm à tona, no Ceará, a legenda comandada pelo deputado federal
Heitor Freire escancara conflitos pela formação dos diretórios
municipais. Em meio às queixas com a cúpula estadual do PSL, filiados e
apoiadores vivem em clima de "racha" dentro do partido, incluindo até
ameaça de desfiliação.
As divergências entre lideranças do PSL no Ceará ficaram evidentes na
semana passada, quando o deputado estadual, André Fernandes, presidente
do partido em Fortaleza, bateu de frente, publicamente, com o presidente
estadual do PSL, Heitor Freire, por conta das alianças políticas feitas
pela legenda em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
Até então, o partido era presidido naquele Município, o segundo maior
colégio eleitoral do Ceará, por Mauro Cezar Cordeiro Lima. Na prática,
porém, quem controlava a sigla era o vice-presidente municipal, Júlio
Aquino Junior, mais conhecido como Juninho. Indicados por Freire, os
dois são ligados ao atual prefeito de Caucaia, Naumi Amorim (PMB) -
Juninho, inclusive, é subsecretário municipal de Infraestrutura. Essas
ligações do partido com a gestão municipal de Caucaia são motivo de
desagrado a militantes.
Uma das razões é que o prefeito é aliado do governador Camilo Santana
(PT), que faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro. O assessor do
movimento Direita Caucaia, Abraão Martins, diz que boa parte do grupo
não aceitou a aliança e o partido se dividiu. "99,9% do grupo não
aceitou fazer aliança com o prefeito. Eu dei suporte, indiretamente,
para o PSL, então eu me sinto no direito de cobrar que esses caras façam
um trabalho coerente", reclamou.
Em público
Pressionado pelas críticas, André Fernandes disparou, publicamente, que
discordava "totalmente" de Heitor Freire sobre a formação da comissão
provisória do partido em Caucaia, tanto que a cúpula estadual do PSL
decidiu destituir o então presidente. A decisão, contudo, ainda não
consta no site do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE). Apesar da
repercussão negativa, Freire pretende manter Juninho à frente do partido
lá.
Interior
No Ceará, o PSL não enfrenta problemas só em Caucaia. Em Tamboril, na
Região dos Inhamuns, militantes de direita estão em pé de guerra com o
presidente do partido no Município, o vereador Rudnei Soares, que é
aliado do prefeito, Pedro Calisto, do MDB. A tensão aumentou depois que o
dirigente afirmou na Câmara Municipal que o PSL vai apoiar a reeleição
do gestor e do vice, Jarder Cedro, do PT.
Integrante do movimento Direita Tamboril e filiada ao PSL, Aline Pereira
argumenta que o presidente Jair Bolsonaro não aceita ligações do
partido com legendas de esquerda e critica o diretório estadual por não
resolver a situação. "Essas ligações acontecem sobre as barbas do
diretório estadual. O que nós vemos é a manutenção da velha política,
então acredito que deva ser feito algo para que chegue até o PSL
nacional, porque o estadual nada tem feito". Aline ameaça até rever a
filiação.
André Fernandes, entretanto, garante que a comissão provisória de
Tamboril também será desmanchada. Aliás, em Iguatu, terra natal do
parlamentar, houve um incômodo entre ele e Heitor Freire, após a
indicação do empresário Kaoma Pereira para o comando municipal do
partido. Kaoma é ligado ao ex-prefeito Agenor Neto (MDB) hoje deputado
estadual e adversário do grupo político de André. A comissão provisória
da legenda em Iguatu, porém, ainda não foi instalada.
Já em Morada Nova, simpatizantes de direita disputam o comando do PSL
municipal. O secretário de tributação da Prefeitura, Natan Andrade, que
militou na campanha eleitoral do partido no Estado, se desentendeu com
Heitor Freire. Natan é aliado do prefeito da cidade, Vanderley Nogueira,
do PT, justamente o motivo das reclamações de vários membros do PSL.
Rachas
Mesmo o movimento Direita Ceará, liderado pelo deputado Heitor Freire,
expõe rachas internos. Uma das fundadoras do grupo, Perpétua Aguiar, que
trabalhou junto com ele nas eleições em 2018, rompeu com o parlamentar
eleito após desavenças. Para fazer oposição ao grupo de Heitor, Perpétua
fundou o Conexão Patriota, que já tem cerca de 180 integrantes, e
promete disputar as eleições do ano que vem.
"Houve essa divisão dentro do partido e a gente que é de direita quer
que seja uma nova política, dentro do que a gente defende. Se aliar a
Ferreira Gomes ou outros partidos seria inadmissível. Tem várias pessoas
do nosso grupo que querem se candidatar a vereador e querem que eu me
candidate", revelou.
Sem crise
Apesar dos problemas, André Fernandes nega haver uma crise no partido.
Para o deputado, os conflitos internos ocorrem mais por questões
pessoais. "Esses problemas a gente está lutando para resolver. Tem que
levar em consideração que são 184 municípios, em um Estado grande, e é
difícil a escolha das lideranças, porque muita gente que, antes, não se
dizia Bolsonaro, hoje se apresenta como Bolsonaro, como conservador, e
isso acaba confundindo a gente".
Apesar das divergências com Heitor Freire, Fernandes minimiza episódios
recentes e diz que a relação com o dirigente é ótima. "A gente conversa,
tem uma ideia dele, tem uma ideia minha e a gente vê por que é melhor
isso, por que é melhor aquilo. Alguma vez que acontecer alguma denúncia
venho a público e falo, eu devo prestação ao meu público, mas a minha
relação com ele é excelente".
Outro lado
A reportagem procurou o presidente estadual do PSL, deputado Heitor
Freire, para uma entrevista sobre as questões colocadas por filiados e
apoiadores, mas ele se pronunciou apenas por nota. O dirigente estadual
nega haver desgaste com André Fernandes e afirma que os dois "seguem a
mesma linha de pensamento". Freire enfatizou ainda que o partido está
unido e que o que está havendo são "ruídos".
"O PSL e o nosso presidente Bolsonaro valorizam muito a liberdade de
expressão e ela faz parte do debate saudável. É impossível saber de tudo
em um Estado com tantos municípios, então a cooperação com os eleitores
atentos é saudável para o partido", disse. "O PSL CE está unido e em
processo de estruturação. Opositores e interessados no partido têm
fomentado ruídos levianos, mas não lograrão êxito na tentativa de nos
desunir. O partido seguirá unido e alinhado com Bolsonaro", completou.
Diário do Nordeste