Uma das lendas do automobilismo
mundial, o austríaco Niki Lauda morreu aos 70 anos, nesta segunda-feira. O
ex-piloto, campeão da Fórmula 1 em 1975, 1977 e 1984, vinha sofrendo com problemas
de saúde há pelo menos um ano. Em 2018, chegou a ser submetido a um transplante
de pulmão e passou dois meses internado.
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(foto: Erwin Scheriau/AFP)
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"Com profunda tristeza,
anunciamos que nosso amado Niki morreu pacificamente com sua família na
segunda-feira. Suas realizações únicas como atleta e empreendedor são e
permanecerão inesquecíveis. Seu incansável entusiasmo pela ação, sua franqueza
e sua coragem permanecem um modelo e uma referência para todos nós. Era um
marido amoroso e atencioso, pai e avô longe do público, que sentirá sua
falta", disse comunicado publicado pela família.
Nos últimos anos, ele vinha
exercendo a função de presidente de honra da equipe Mercedes, que vem dominando
a F-1 nos últimos anos. Lauda atuava quase como um conselheiro de luxo, próximo
ao chefe de equipe Toto Wolff e aos pilotos, o inglês Lewis Hamilton e o
finlandês Valtteri Bottas.
OBITUÁRIO
A atitude mais comum de Niki
Lauda durante os seus 70 anos de vida foi teimar. Foi assim desde jovem, quando
rompeu com a família para ser piloto. Já mais maduro, ele desafiou os
prognósticos dos médicos e voltou às pistas seis semanas depois de um grave acidente.
O austríaco enfrentou ainda dois transplantes de rim e um de pulmão, duas
dissoluções de empresas, ganhou o campeonato mais disputado da história e virou
tema de filme.
A biografia movimentada de Lauda
começou e terminou em Viena. Da pacata capital austríaca saiu um rapaz dentuço,
franzino e mau humorado, mas que mudaria a história da Fórmula 1. A categoria
cresceu em interesse televisivo mundial em 1976 graças às disputas de Lauda com
o inglês James Hunt. A rivalidade entre ambos foi o ponto de partida para as
transmissões das corridas se transformarem em grandes atrações.
Bem antes da fama e do
reconhecimento, o jovem Andreas Nikolaus Lauda teve de derrotar a família. O
futuro herdeiro de um avô investidor financeiro havia sido preparado para assumir
os negócios. A vontade, porém, era outra. Ao decidir que seria piloto, causou a
ira familiar e ouviu que não receberia um centavo para ajudar na carreira.
Lauda sempre foi teimoso e não
teve medo. Pediu empréstimo para um banco para conseguir arcar as despesas nos
primeiros anos de carreira e confiou que os com os bons resultados logo
conseguiria devolver o valor. Deu certo. Aos 22 anos ele ganhou chance na
Fórmula 1, onde o estilo detalhista no acerto dos carros e o estilo
"careta" lhe ajudaram a conseguir resultados.
Em uma época em que ser piloto
era sinônimo de festas, mulheres e badalação, o austríaco era o oposto. Lauda
era sisudo, avesso à vida social e consolidou de vez a carreira em 1975. No
cockpit da Ferrari, ganhou cinco provas e foi campeão do mundo aos 26 anos. No
ano seguinte ele precisaria voltar a ser teimoso não para continuar a carreira,
mas para seguir vivo.
A temporada de 1976 é mais
lendária da história da Fórmula 1. O atual campeão Lauda viu surgir como
adversário o inglês Hunt, da McLaren. O desafiante era ao contrário do
austríaco: boêmio, fumante inveterado e conquistador de mulheres a ponto de
transar com fãs no fundo dos boxes, o piloto contrastava com o austríaco em
quase todos os aspectos.
O campeonato estava favorável a
Lauda quando no chuvoso GP da Alemanha, em Nurburgring, a história mudou. O
piloto perdeu o controle da Ferrari e bateu. O carro estava em chamas no meio
da pista quando foi atingido por outro competidor. O impacto do segundo choque
fez o capacete do austríaco voar para longe. A cabeça e o corpo dele ficaram
expostos durante quase um minuto às chamas e à fumaça tóxica.
Lauda abriu os olhos dias depois,
no hospital. Ele já havia recebido a extrema-unção de um padre, passado por
dezenas de cirurgias e superado expectativas médicas apenas por estar vivo.
Teimoso, como sempre, o austríaco encarou dezenas de torturantes sessões de
limpeza respiratória. Os enfermeiros introduziam pela boca do piloto um tubo de
ferro, que avançava pela garganta e esôfago até chegar aos pulmões, para sugar
a fumaça ainda presa no órgão.
A situação de risco não lhe tirou
das pistas. Seis semanas depois do acidente, Lauda desafiou o medo e estava de
volta para o GP da Itália com o rosto enfaixado e aparência modificada. Séries
de cirurgia e enxertos de pele na cabeça mudaram a face do austríaco, que
perdeu o campeonato por apenas um ponto. Hunt se aproveitou do acidente do
rival para pontuar e ser campeão. A épica temporada inspirou até o cinema. O
filme Rush foi lançado em 2013.
Uma nova chance se abriria para
Lauda no ano seguinte em 1977, quando foi campeão novamente. Após temporadas
regulares em 1978 e 1979, ele decidiu de se aposentar. O adeus não durou muito
tempo e dois anos depois, lá estava o austríaco de volta às pistas. Ele ainda
teve a chance de se despedir com título, em 1984, no campeonato mais disputado
da história. O austríaco foi campeão com apenas 0,5 ponto de vantagem sobre
Alain Prost.
As participações derradeiras de
Lauda na Fórmula 1 coincidiram com o início dele na aviação. O piloto comprou
aeronaves e fundou duas companhias: Lauda Air e Niki. Ambas já fecharam as
portas. O maior problema veio em 1991, quando um dos seus aviões caiu na
Tailândia e causou a morte de 223 pessoas.
O persistente austríaco jamais se
afastou da Fórmula 1. Foi dirigente da Ferrari, da Jaguar e por último, da
Mercedes. Era presente constante nas corridas e comentarista de canais de
televisão. Sempre caminhava pelo paddock com um boné vermelho, para esconder as
cicatrizes na cabeça resultado do acidente de 1976.
A saúde, porém, continuou foi
frágil. Lauda passou por dois transplantes de rim. No último deles, há dez anos,
ganhou o órgão da esposa, Birgit Wetzinger, antiga comissária de voo de uma das
suas companhias aéreas. Os problemas não tiraram do ex-piloto a vontade de
viajar pelo mundo junto com a Fórmula 1. A cada etapa ele estava lá, nos boxes
da Mercedes, a principal potência atual da categoria.
Apenas nas duas últimas provas o
austríaco foi ausência. O pulmão que tanto aguentou as chamas do acidente de
1976 deu sinais de alerta. Foi necessário um transplante. Ainda debilitado em
Viena, Lauda resistiu e tentou teimar novamente contra o destino. Desta vez,
não deu.



