O cachorro, de uma hora para outra, começou a
vomitar. Preocupado, o comerciante Rinaldo Lacerda tentou administrar um
remédio na boca do animal, que fechou sobre sua mão. "Ele não me
atacou", esclarece; mas a presa já havia penetrado num dedo e o
ferimento já havia sido aberto. Começou aí a peregrinação de Rinaldo em
busca do soro antirrábico, indicado para tratamento o mais rápido
possível após exposição grave ao vírus rábico, provocada por um animal
suspeito. Na busca, fez a grave constatação: o remédio está em falta no
Ceará.
A mordida ocorreu no dia 3 de junho. No mesmo dia, o comerciante
tomou a primeira das quatro vacinas recomendadas para profilaxia na
cidade de Senador Pompeu, onde mora. Quanto ao soro, nada. Ligou para
todas as Regionais de Saúde próximas ao município, mas nenhuma tinha o
material disponível. No dia seguinte, o cachorro morreu, agravando a
aflição. "Me aperreei e fui procurar em vários lugares. Esse soro não
vende em clínica particular. Me disseram para ir pro Hospital São José,
em Fortaleza".
Rinaldo chegou à Capital no dia 5. Mas o soro nem previsão de
chegada. Nos dias 6 e 10, tomou mais duas vacinas; enquanto isso,
continuou procurando alternativas. Quando enfim achou o soro - em
Cajazeiras, na Paraíba, a 220 km de onde mora -, já havia passado o
prazo de sete dias recomendado para recebê-lo. De acordo com o
Ministério da Saúde, a utilização do soro tem como objetivo desenvolver
anticorpos neutralizantes no local de exposição, antes de o paciente
começar a produzir os seus próprios anticorpos. Ele deve ser
administrado somente uma vez, de preferência no ferimento ou outra porta
de entrada do vírus, de forma imediata e concomitante à aplicação da
primeira dose da vacina pós-exposição.
Repasse defasado
"Quando eu estava no hospital, vi duas pessoas com o mesmo problema:
uma com mordida de gato, outra com arranhão. Fica o alerta porque já
estava faltando o soro há uma semana. Acho um descaso muito grande; eu
poderia morrer por causa disso. E ainda não estou livre do que pode
acontecer", lamenta o homem. Resta esperar o dia 17, data marcada para a
administração da última vacina.
A Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) não nega: falta soro
antirrábico. No entanto, garante, o problema é com o repasse do
Ministério da Saúde. "O Estado do Ceará encontra-se em situação de
desabastecimento do soro. No dia 20 de maio, recebeu 20 ampolas",
informou o órgão, em nota. A Pasta federal foi procurada pela
reportagem, mas não enviou resposta até o fechamento desta edição.
Por outro lado, conforme a Sesa, o estoque de vacinas antirrábicas,
cujo repasse também é feito pelo Ministério da Saúde, está regular.
Embora a doença apresente casos raros - no Ceará, de 2007 a 2018, foram
contabilizados apenas cinco episódios -, ela preocupa porque é quase
totalmente fatal. A prevenção é feita principalmente pela vacinação de
animais que participam do ciclo urbano da doença, como cães e gatos.
Precaução
Em 2018, o Estado vacinou 1.677.899 animais (81%) e superou a meta de
80% durante a Campanha de Vacinação Antirrábica. No entanto, segundo a
Secretaria, a vacina está disponível nos centros de zoonoses no ano
inteiro para cachorros e gatos, machos e fêmeas, a partir de três meses
completos de vida. O reforço deve ser realizado após 30 dias da primeira
vacina. A Pasta ratifica a importância de que os responsáveis levem os
cachorros com coleira e os gatos em caixa apropriada, para evitar fugas e
acidentes.
Já na cadeia silvestre, o morcego é o principal responsável pela
manutenção da doença. A recomendação é que qualquer pessoa agredida por
cão, gato, morcego ou outro mamífero lave o ferimento imediatamente com
água corrente, sabão ou outro detergente e, em seguida, aplique
antissépticos, como o álcool iodado. Em seguida, deve procurar a unidade
de saúde mais próxima.
Nos casos de agressão por cães e gatos, quando possível, o animal
deve ser observado por dez dias para saber se ele manifesta doença ou
morre. O Ministério da Saúde orienta ainda evitar se aproximar de cães e
gatos sem donos. Já os animais silvestres não devem ser tocados.
(Diário do Nordeste)