Mergulhadores, voluntários e ambientalistas relatam o que não se vê ao olhar o mar de cima, em contemplação: a imensa quantidade de lixo sedimentada no fundo do oceano. A poluição se expressa em números: 10 mil tipos de resíduos diferentes foram encontrados no litoral de Fortaleza em pesquisa do Instituto Verdeluz, realizada ao longo de todo o ano de 2018.
Enquanto a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) afirma que a
limpeza de praias e mar “é competência municipal ou federal” e a
Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) de Fortaleza cita
apenas “a varrição diária da faixa de areia das praias” como medida de
combate à poluição, entidades voltadas à educação ambiental assumem o
trabalho de mapear o que está chegando ao mar e aos animais que o
habitam.
Entre os diversos tipos de lixo, sacos plásticos, garrafas pet e bitucas
de cigarro lideram – mas não só os descartados irregularmente pelos
cearenses. De acordo com a advogada do Instituto Verdeluz, Beatriz
Azevedo, embalagens de outros países também foram encontradas entre os
resíduos, alertando para a complexidade do problema.
“Encontramos muito lixo internacional aqui em Fortaleza, principalmente
na Sabiaguaba, o que mostra que esse problema não é local, mas global.
Já recolhemos embalagens de lugares como Namíbia, Califórnia, Cingapura,
Taiwan e Malásia”, relata Beatriz, explicando, ainda, que o principal
intuito do projeto é coletar e catalogar dados para entender a
problemática e pensar soluções, e não recolher grandes quantidades de
lixo.
Por meio do Grupo de Resíduos Urbanos (GRU), o Verdeluz realizou, em
2018, 11 coletas em nove pontos das praias da capital cearense,
retirando mais de 90kg de resíduos da natureza. Já em 2019, o projeto
Fortaleza pelas Dunas recolheu, em três coletas, quase duas toneladas de
lixo das Dunas do Cocó. “Falta as pessoas perceberem o impacto que
estão causando. Pensam ‘é só uma bituca de cigarro’, ‘é só um canudo’. E
se fosse isso dentro do seu estômago? É isso que a fauna marinha sofre.
Se as pessoas tivessem noção do dano, veriam que cada ação importa”,
alerta a advogada.
Efeitos
A mortandade de peixes, tartarugas e outros animais marinhos é um dos
principais efeitos da poluição. “Os animais não foram preparados para
digerir plástico. Imagine você com o estômago muito cheio, mas de uma
coisa que não te nutre, e não consegue se alimentar? Não temos
estatísticas para o litoral do Ceará, mas, no mundo, 100 mil animais
morrem por mês em consequência do lixo”, lamenta a mergulhadora e
doutora em Ciências Marinhas, Cynthia Ogawa.
Há 17 anos, Cynthia transforma o hobby em missão ambiental e aproveita
para recolher lixo, filmar e publicar imagens da “presença humana” no
fundo do mar, quando mergulha no Aterro da Praia de Iracema. A bióloga
atenta, ainda, para outro problema. “Rios, lagos e mar são interligados.
A chuva arrasta lixo pro rio, rio que leva ao mar. Muito do lixo do mar
não é nem todo só da praia”.
De acordo Marcus Andrade, mergulhador do projeto Mar do Ceará, atuante
em limpeza marinha e educação ambiental desde 2009, a média de 100kg a
200kg de lixo retirada das águas salgadas em coletas é alarmante.
“Embaixo d’água é mais difícil se movimentar, a visibilidade é
diferente. Mas vemos o que poucos veem: o lixo que está submerso.
Encontramos mais na orla e a Oeste de Fortaleza. Na Praia do Aterro,
sempre vai ter lixo quando mergulhamos. Na Taíba e no Pecém, encontramos
praias imundas do lixo que vem do porto e da Capital”, relata.
Os resíduos sólidos produzidos pelo ser humano, aliás, chegam onde nem
ele mesmo vai. Segundo a bióloga Cynthia Ogawa, encontrar resíduos no
Parque Estadual Marinho do Estado, a cerca de 18km da costa, é comum. A
área é de responsabilidade da Sema, que, conforme o articulador das
Unidades de Conservação Estaduais, Leonardo Borralho, realiza limpezas
periódicas.
“Muitos ainda têm a ideia de que o oceano é capaz de absorver todo o
lixo, e ele não é. É uma situação alarmante: não se fala mais em medidas
pra depois, mas pra agora. Se a gente não mudar a forma de lidar com a
natureza, não sobra nada pras próximas gerações”, diz, em tom de alerta,
a pesquisadora.
Semana do mar
De 6 a 9 deste mês, no Iate Clube, em Fortaleza, acontece a III Semana
do Mar, com palestras e oficinas sobre educação ambiental e combate ao
“lixo marinho”. As atividades envolvem pesquisadores, ONGs, órgãos de
segurança e sociedade.
Até esta quinta-feira (6), outro evento, promovido pelo Instituto
Verdeluz, deve reunir até 370 pessoas para discutir (e executar) a
limpeza das praias. Representante da ONG ambiental “Surfrider
Foundation”, de San Diego, na Califórnia, participa do intercâmbio de
experiências.
G1 Ceará



