A vulnerabilidade social rompe barreiras entre o certo e o errado. Se
para a legislação, exploração sexual infantil é crime, para as vítimas,
muitas vezes, essa torna-se a última alternativa de ter um 'ganha pão'. É
pensando assim que a maioria das vítimas não se percebe na posição de
agredida e, consequentemente, não enxerga no ato um crime.
Historicamente, a exploração sexual infantil é um crime subnotificado.
Ao ver crianças e adolescentes nas esquinas, comercializando seus
corpos, há quem pense que se estão ali é porque fizeram uma escolha,
então, não cabe a quem viu denunciar às autoridades. Fechar os olhos é
ser conivente com a criminalidade.
De acordo com levantamento da Delegacia de Combate à Exploração da
Criança e do Adolescente (Dceca), no Ceará, em 2018, foram registrados
sete casos de menores de idade vítimas de exploração sexual. Neste ano,
até então, foram dois registros. O número baixo não reflete a realidade,
e sim mostra que o crime se reconfigurou com o passar dos anos e vem
sendo cometido de forma velada.
Os que transitam pela madrugada em Fortaleza percebem que, se comparados
à última década, diminuíram frequência e quantidade destes menores de
idade nas vias públicas à espera de quem pague em troca de sexo. Mesmo
com a redução, o Ceará é o Estado do Nordeste com maior número de pontos
de vulnerabilidade à exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes em rodovias federais.
O levantamento do Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil divulgado no fim do mês passado pela Procuradoria Geral do
Trabalho aponta que são 180 pontos de vulnerabilidade no Ceará. A
Polícia Rodoviária Federal (PRF) também contabilizou em parceria com a
Fundação Childhood Brasil esses locais e concluiu que os pontos se
concentram em 27 cidades do Estado.
Interfaces
É sabido que crianças e adolescentes, principalmente aqueles em situação
de pobreza, acabam inseridos no mercado de trabalho precocemente. Um
estudo divulgado há 13 anos já mostrava que a maior incidência de
vítimas de exploração sexual eram mulheres provenientes das classes de
baixa renda, moradoras das periferias dos centros urbanos e fora da
escola.
Neste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou que existem
fatores de vulnerabilidade que incidem diretamente sobre o problema,
aumentando os casos de violação de direitos: "Dentre os principais estão
a pobreza, a exclusão, desigualdade social, questões ligadas à raça e
etnia. Além disso, a falta de conhecimento sobre direitos assegurados a
crianças e adolescentes também contribui para o aumento das violações.
Entre os casos registrados, um ou mais desses fatores estão quase sempre
presentes".
Mesmo tendo traçado o perfil do público-alvo deste crime, as autoridades
têm dificuldade de investigar e comprovar a prática do delito. A
delegada titular da Dceca, Aline Moreira, conta que ao chegar à
Delegacia, é comum ouvir as vítimas justificando: "mas eu só estava
trabalhando".
A investigadora explica que o termo prostituição não pode ser empregado
para os menores porque, baseado no ordenamento jurídico, uma criança ou
um adolescente não tem discernimento suficiente para optar ou não pela
venda do corpo.
Na Delegacia Especializada não há registro que, atualmente, no Ceará
exista um grande esquema de aliciamento. Aline garante que os últimos
casos investigados foram pontuais. Denúncias deste tipo de crime
ocorrendo no entorno das praias, regiões turísticas ainda são comuns,
mas, a Dceca aponta que é nas periferias da Capital onde, ultimamente,
se verificam ocorrências de exploração.
"Quando verificamos, na orla costumam ser vistos mais os maiores de
idade. 90% das denúncias que chegam até nós de exploração sexual são
infrutíferas. As equipes vão até o ponto de exploração, mas lá há
mulheres acima de 18 anos. Mesmo os estabelecimentos que antes eram
coniventes com essa prática, passaram a não mais aturar porque podiam
ter prejuízo. O número é baixo, mas não significa a quantidade de crimes
praticados", afirma a delegada.
Diário do Nordeste