O açude Castanhão foi edificado em 2003 com o objetivo de garantir
segurança hídrica para cidades do Vale do Jaguaribe e também da Região
Metropolitana de Fortaleza (RMF), incluindo o Complexo Industrial e
Portuário do Pecém. O número de pessoas beneficiadas com o imponente
reservatório ultrapassou, nos anos seguintes, a ordem dos 2,5 milhões de
habitantes. Hoje, contudo, a realidade do maior açude do Estado é
antagônica à sua grandeza de outrora.
Neste mês, o açude atingiu o segundo pior volume hídrico (4,48%) para
setembro desde sua construção - que durou quase oito anos - ficando à
frente apenas de setembro de 2017, quando a Companhia de Gestão dos
Recursos Híricos (Cogerh) registrara 4,34% de sua capacidade máxima.
O baixo volume de água do reservatório decorre do reduzido aporte
verificado na quadra chuvosa deste ano, na Bacia do Salgado, que
garantiu valor ínfimo ao gigante. Nesta quadra, o Castanhão teve ganho
de apenas 5% de seu volume.
No ano passado, mesmo com menos pluviometria registrada pela Funceme,
foram 8% de recarga hídrica conquistados ao longo do período de chuvas. A
explicação para este cenário contrastante reside na irregularidade das
chuvas. Apesar de, em 2019, ter chovido acima da média histórica, a
pluviometria não foi uniforme, isto é, algumas bacias tiveram bons
volumes enquanto outras - como a do Salgado - amargaram poucas
precipitações.
Impactos
Até o ano passado, o Castanhão assegurava o fornecimento do recurso
hídrico através do Eixão das Águas para a RMF, incluindo o consumo do
Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, e para mais dez cidades do
Médio e Baixo Jaguaribe. Entretanto, neste ano, o quadro se modificou. A
RMF parou de ser abastecida pelo Castanhão, e cidades do Médio e Baixo
Jaguaribe, que dependem da transferência de água, já se veem ameaçadas.
Para a Grande Fortaleza, os efeitos, num primeiro momento, não serão tão
graves, isso porque a Bacia Metropolitana recebeu boa recarga e, hoje,
acumula mais de 53% do volume total.
O diretor de Operações da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece)
para o Interior, Hélder Cortez, confirmou que a interrupção no
fornecimento de água do Castanhão para a RMF não afetará a população.
"Temos bastante água nos açudes Pacoti, Riachão, Gavião e em outros
reservatórios da região. Essa reserva é suficiente para atender à
demanda até junho de 2020", pontuou.
Cortez ressalta, contudo, ser vital uma boa recarga nos grandes açudes
na próxima quadra chuvosa para que o cenário não se torne delicado. Para
além da incógnita, os cearenses se apegam à conclusão do Projeto de
Integração do Rio São Francisco (Psif). Após sete prazos não cumpridos, a
expectativa, agora, é de que as águas do Velho Chico cheguem ao
Castanhão no primeiro trimestre de 2020. Quando concretizada, a
Transposição dará segurança hídrica a 12 milhões de nordestinos.
Além da suspensão no abastecimento da RMF, houve redução também no
quantitativo de municípios atendidos pelo Castanhão. Atualmente, apenas
cinco recebem água do reservatório: Tabuleiro do Norte, São João do
Jaguaribe, Limoeiro do Norte, Jaguaribara e Russas. Essas cidades têm
vazão garantida até 1º de fevereiro do próximo ano.
O gerente da Bacia do Médio e Baixo Jaguaribe, Hermilson Barros, frisou
que há um esforço para que a água liberada pelo Castanhão chegue também
até o Rio Sucurujuba, em Quixeré, o que beneficiaria a população daquela
cidade. Segundo estimativa da Cogerh, mantida a liberação para estas
localidades, o Açude deverá iniciar a próxima quadra chuvosa (fevereiro)
com 2,5% de sua capacidade. Em igual período deste ano, o reservatório
tinha 3,75%.
Alternativas
As cidades de Aracati, Fortim, Itaiçaba, Palhano, Russas e Quixeré, que
antes dependiam de liberação de água do Castanhão agora são abastecidas
por poços profundos. Essa alternativa de abastecimento, segundo Hélder
Cortez, garante autonomia hídrica para estes municípios por mais três
anos. Outras cidades da região, como Iracema e Potiretama, estão sendo
abastecidas pelos açudes Canafístula e Figueiredo, respectivamente. "O
volume de água acumulado nesses açudes é suficiente apenas até o início
da próxima quadra", detalhou Cortez.
Já para os projetos de irrigação, Tabuleiro de Russas e Jaguaribe/Apodi
estão recebendo cota mínima (1,2 m³/s) para manter a produção de grãos e
fruticultura. A vazão é suficiente apenas para que não ocorra perda
total na atividade. Em Jaguaribara, por exemplo, a piscicultura não
resistiu ao baixo volume do Açude e chegou ao fim após sucessivas e
robustas mortandades de peixes, deixando centenas de desempregados e um
rombo na economia da cidade.
Semelhança
Se o maior Açude do Estado padece com o baixo volume hídrico, o seu
sucessor também caminha no mesmo rumo. O Orós - segundo maior
reservatório do Ceará, com 2,1 bilhões de m³ de água - atingiu o seu
pior volume de água para o mês de setembro de toda a história. O
reservatório acumula apenas 7,59% de sua capacidade máxima. O diminuto
índice não impactou, ainda, no abastecimento das cidades de seu entorno
que se valem de poços profundos, adutoras de montagem rápida e pequenos e
médios açudes. Porém, a economia local foi afetada sobremaneira.
Se em Jaguaribara a baixa no Castanhão resultou no fim da piscicultura,
em Orós ocorreu o fim dos criatórios intensivos de tilápia, além da
impossibilidade de irrigação.
Para esses açudes responsáveis pelo abastecimento de um amplo
contingente de pessoas, o presidente da Companhia de Gestão dos Recursos
Hídricos (Cogerh), João Lúcio Farias, avalia que se faz necessário que
eles atinjam, ao fim do período chuvoso, volume médio de 20% a 25%. Esse
percentual daria segurança para os reservatórios perpassarem o segundo
semestre do ano de forma segura e sem alterar o abastecimento das
cidades.
Ceará
Dos 155 açudes públicos cearenses monitorados pela Cogerh, apenas 16
atingiram - e superaram - este número tido como adequado. A maioria
deles, no entanto, está localizada nas Bacias do Acaraú, Coreaú e Curu,
nas regiões Norte e Litorânea. Deste universo, apenas dois (Angicos e
Gameleira) possuem capacidade máxima acima dos 50 milhões de m³. Os
demais são açudes pequenos e sem grande influência para as cidades.
"As chuvas deste ano foram boas, mas localizadas em regiões onde não
estão os maiores açudes. Desta forma, os grandes reservatórios não
tiveram aporte suficiente", detalha o gerente da Ematerce, Erivaldo
Barbosa. O engenheiro agrônomo Marciel Roberto Castro recorda que,
embora o volume atual médio de todos os reservatórios do Estado esteja
em 18,85% - cinco pontos percentuais a mais do que o verificado em igual
período do ano passado - a situação é tão crítica quanto à de anos
anteriores.
"A análise tem que ser feita sobretudo nos açudes que trazem água e
renda para a população. Os pequenos (reservatórios) têm sua importância,
mas os impactos, sejam eles negativos ou positivos, que eles geram, são
mínimos", observa Castro. Ele corrobora sua análise listando as cidades
que estão ameaçadas de colapso hídrico: Milhã, Mombaça, Monsenhor
Tabosa, Pedra Branca e Pereiro. Hélder Cortez complementa classificando a
última situação hídrica do Estado do Ceará como "horrível".
O POVO