Os bons índices registrados no Ceará ao longo dos anos - e mais
recentemente, com 206 doações de órgãos e 1.535 transplantes realizados
em 2018 - conferem ao Estado a característica de uma "casa de força"
sobre o assunto. Além de enviar órgãos para ajudar a reduzir a fila de
espera em outros locais, o Ceará recebe pacientes vindos de outras
regiões do País à espera de um transplante.
A procura pelos procedimentos é mais frequente por parte de estados do
Norte, como Pará e Amazonas, e outros vizinhos do Nordeste, a exemplo do
Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão e Sergipe, de acordo com a
Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). O transplante de fígado é um dos
principais fatores que motivam a vinda de pacientes, assim como os
transplantes de rim e de coração.
"Como o Ceará é referência também pela grande experiência das nossas
equipes, isso faz com que pacientes de fora procurem o Estado para
realizar o transplante, o que é permitido por lei", esclarece Eliana
Barbosa de Almeida, coordenadora da Central de Transplantes do Ceará.
De janeiro a abril deste ano, 191 transplantes de órgãos foram
realizados no Estado, aproximadamente 10% a mais que igual período do
ano anterior, quando foram realizados 173 procedimentos do tipo,
conforme dados do Ministério da Saúde.
ESPERA
"Se o paciente está em outro Estado e há demora para receber o
transplante, ele pode vir para Fortaleza e, quando é cadastrado aqui,
detecta-se caso ele já tenha cadastro em outro Estado. Aí ele decide se
quer ser transferido para a lista de espera do Ceará", revela Almeida.
Segundo ela, o paciente também pode 'trazer' o seu tempo de inscrição
para a nova Central de Transplantes. Dessa forma, o tempo de espera
acumulado em seu Estado de origem também é contabilizado no Ceará. "A
gente passa a anuência dele para cá. A Central de lá passa a data da
inscrição anterior", explica.
A coordenadora destaca que, graças ao número de doações, o Ceará envia
órgãos para outros locais, contribuindo para a redução das filas de
espera por transplante. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Maranhão são
alguns dos principais estados beneficiados pelo envio de córneas. "As
nossas doações têm um número bom, e a solidariedade vai além. Também
encaminhamos órgãos que, por algum motivo, não são aceitos aqui.
Mandamos para muitos do Nordeste, e outros um pouco mais distantes, como
o Rio Grande do Sul", diz.
QUEIXAS
A piauiense Francisca das Chagas, 55, está entre os que exercitam
diariamente a paciência, enquanto esperam pela oportunidade de receber
um transplante. A expectativa que a trouxe ao Ceará, em agosto de 2019,
foi a de receber um novo coração.
Suas queixas começaram em 2017. Dava alguns passos, e logo vinha a dor
intensa. Avançava um pouco mais na calçada, em sua jornada diária rumo
ao trabalho, e as pernas teimavam em pesar, com o incômodo se estendendo
pelas costas e braços. "Eu caminhava devagar, era ruim demais. Mesmo
quando tomava o remédio e a dor passava, ficava o cansaço. Aí me levaram
no médico. Lá, ele disse que o problema era no coração".
Já em 2018, Francisca passou por uma bateria de exames, incluindo um
cateterismo, que apontou um inchaço no órgão, além de veias obstruídas.
"Era grave, mas eu não podia operar, estava em risco e podia morrer.
Tinha que esperar, ficar em observação". Em junho deste ano, seu quadro
apresentou uma piora, com o inchaço se espalhando por todo o corpo.
"Fiquei com quase 90 quilos, passei dois meses internada no Piauí. O
médico de lá disse que eu precisava de um transplante de coração, e que
lá não tinha, por isso me recomendou vir pra Fortaleza". A primeira
visita de Francisca ao Hospital do Coração de Messejana aconteceu em
junho, quando foi informada de que seria melhor para ela aguardar pelo
procedimento no Ceará.
MOTIVAÇÃO
Após conversar com a família, ela veio para Fortaleza acompanhada de um
dos filhos, de 21 anos. Os dois foram recebidos na Associação dos
Transplantados Cardíacos do Ceará (ATCC), seu lar provisório enquanto
aguarda uma nova série de exames, cujos resultados indicarão se
Francisca pode, finalmente, entrar para a fila do transplante de
coração.
Um telefonema por semana, "quando dá", serve para aplacar uma parte das
saudades que ela sente do que ficou no Piauí: a casa, o companheiro, o
outro filho e o trabalho como assistente social. "Até hoje, não sei
dizer o que eu tenho. Não me falaram o nome da doença ainda. Mas preciso
me operar, né? Foi pra isso que eu vim", revela.
Apesar da acessibilidade para pacientes de outros Estados, a
coordenadora Eliana de Almeida destaca a cautela necessária em relação
aos pacientes renais, devido à necessidade de passar pela hemodiálise.
"O paciente que precisa do transplante de rim precisa procurar a
secretaria de saúde do seu Estado através do setor de tratamento fora de
domicílio. Eles entram em contato com a Sesa para saber se há vagas em
clínicas aqui".
Diário do Nordeste
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