Mais de 200 abortos realizados
durante três anos, em mulheres grávidas de até sete meses, mediante
pagamentos que variavam de R$ 3 mil a R$ 8 mil reais, de acordo com
o estágio de gestação. Amplo conhecimento sobre medicamentos -
alguns deles de uso veterinário e administração controlada com
rigor até mesmo em animais. Uma rotina de trabalho disciplinada, que não
ultrapassava o horário comercial, mantida dentro de 24 hotéis confortáveis
da capital mineira.
O "currículo" é de
Luciane Fernandes Ferreira, de 37 anos, acusada de comandar ume esquema de
abortos clandestinos com extensa clientela no Brasil e no exterior. Estudante de
jornalismo, ela se passava por enfermeira e foi presa em flagrante em 6 de
setembro deste ano na Região Leste de BH, durante o atendimento de duas
mulheres. Ambas estavam prestes a tomar remédios abortivos.
Solta após 21 dias de
prisão sob alegação de que precisava cuidar do filho de seis anos, ela
responde processo em liberdade. Concluídas as investigações, a Polícia Civil de
Minas Gerais deu detalhes sobre os crimes - incluindo um caso de aborto
malsucedido realizado em uma moça de Formiga, Região Centro-Oeste de
Minas, que resultou em hospitalização em estado grave da mãe e do bebê.
As informações são do programa Fantástico.
Segundo revelou o delegado
Emerson Moraes à TV Globo, a universitária ministrava nas grávidas
uma medicação injetável, frequentemente utilizada no meio
veterinário para dilatar as tetas de vacas para ordenha. A
substância é usada com restrição até mesmo nos bovinos, considerando seus
efeitos colaterais.
Obstetras ouvidos pela reportagem
ressaltam que os remédios, além de não serem adequados para uso humano, eram
administrados em dosagens altíssimas, visando obtenção de rápido
resultado.
Conforme publicado pelo Estado de
Minas em 7 de setembro, a suspeita da polícia é de que os medicamentos eram
obtidos com a ajuda de uma quadrilha ancorada no Paraguai.
Em áudios de WhatsApp obtidos
pelos investigadores, Luciane explica por que preferia realizar os
procedimentos em hotéis. "O meu atendimento é seguro para a paciente
justamente por cauda disso também. Em hotel, tem o seu registro de entrada.
Qualquer coisa que acontecer comigo ou com você, ou com qualquer pessoa, a
família consegue encontrar", diz a gravação exibida pelo Fantástico.
Erro quase fatal
Uma das pacientes de Luciane,
porém, não obteve a assistência segura prometida. Após o aborto, a mulher de 22
anos, grávida de oito meses, expeliu o bebê e percebeu que
ele ainda estava vivo.
Mãe e filha foram levados em
estado grave ao atendimento de emergência de um hospital de Formiga. A criança
permanece internada, sem previsão de alta, embora o quadro seja
estável.
Segundo o delegado Emerson
Moraes, a atividade ilegal proporcionava a Luciane uma vida de luxo.
"Ela estava ostentando um aparelho celular de última geraçao. As
vestimentas encontradas no guarda-roupa são de marca. Tinha calça de R$ 2 mil
reais, R$ 1,5 mil", afirmou o policial ao Fantástico.
Investigação
As apurações sobre o caso
começaram em junho deste ano, quando a polícia recebeu denúncias de posts em
redes sociais oferecendo o serviço. Depois de identificar a acusada, os
investigadores receberam áudios de whatsapp com as negociações.
“Ela estabelecia o preço
dependendo do tempo de gestação. Tudo era feito em hotéis e motéis da capital
que, segundo Luciane, seria mais seguro para ela e as gestantes”, contou o
delegado Luciano Guimarães do Nascimento. “O caso chamou ainda muita atenção
pela amplitude das pessoas que a procuravam: do Sul, do Norte e Nordeste do
país e do exterior", completou.
Na sexta-feira em que foi presa,
a enfermeira havia reservado dois quartos num hotel. Ela foi presa em
flagrante, dentro de um deles. Nos quartos, foram encontradas cinco cartelas de
comprimidos abortivos no valor de R$ 500 a R$ 800 cada drágea, remédios para
dor, anestésicos, gazes e seringas, além de 11 vidros da medicação injetável de
uso veterinário.
As duas gestantes encontradas no
momento do flagrante tinham, na época, entre 2 e 3 meses de gravidez. A
primeira estava com R$ 4 mil para o pagamento
do serviço. A segunda, com R$ 5,5 mil. Em depoimento, elas informaram que
tomariam os remédios para expelir o feto em casa. As mulheres foram levadas ao
Hospital Odilon Behrens e, em seguida, ouvidas e liberadas, pois o Código Penal
não pune o ato preparatório. Na casa de Luciane, em Justinópolis, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, a polícia achou mais 30 vidros do remédio
injetável, R$ 12 mil em espécie, além de comprimidos.
Mais de 25 mulheres foram
identificadas, qualificadas e intimadas a depor. De acordo com o delegado
Emerson Morais, os investigadores tiveram acesso à documentação de que estavam
grávidas, como exames de ultrassom e de sangue. Se provado que essas clientes
concluíram o procedimento, elas estão sujeitas a pena de 1 a 4 anos de prisão.
Já Luciane, está sujeita a pena
bem maior. Ela foi presa por cometimento de aborto com consentimento da
gestante, cuja punição prevista é 1 a 4 anos de detenção, e também por depósito
de medicação de uso proibido, considerado crime hediondo e com pena prevista de
10 a 15 anos de prisão.