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Casa de veraneio com parque
aquático foi um dos imóveis sequestrados em investigações da Polícia Civil
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É um jogo de gato e rato”, define
o diretor do Departamento de Recuperação de Ativos (DRA) da Polícia Civil do
Ceará (PCCE), delegado Paulo Cid Torres, sobre o esforço da instituição para
diminuir o poder econômico das organizações criminosas que atuam no Estado. As
investigações vêm surtindo efeito: nos dois últimos anos, mais de R$ 83 milhões
em bens foram sequestrados, através de decisões judiciais. Estão inclusos
imóveis, automóveis e joias adquiridos com dinheiro ilícito.
Na praia da Caponga, em Cascavel,
na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), uma casa de veraneio, com direito a
parque aquático, aparenta ser um negócio lícito. Mas foi descoberta como
investimento de uma organização criminosa liderada por Antônio Fábio da Silva
Araújo, o ‘Bim Araújo’, ex-vereador de Pacatuba. O grupo foi desarticulado pela
Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), em dezembro do
ano passado.
A Operação Proprietarius terminou
com o sequestro de 51 imóveis – inclusive um buffet, salas comerciais, uma
ótica e uma autoescola – e 52 veículos – entre eles dois carros de luxo. Cinco
contas bancárias também foram bloqueadas. Entre 2015 e 2018, a quadrilha teria
movimentado um total de R$ 23 milhões, segundo a Polícia Civil, oriundos de
empréstimos a juros (agiotagem) e lavagem de dinheiro em nome de ‘laranjas’.
Os valores foram descobertos por
erros de percurso da organização criminosa. “A investigação apontou um ‘modus
operandi’ até grosseiro: anotações em cadernos. O ‘Bim’ tinha pessoas que o
auxiliavam, que também foram indiciadas e chegaram a ser presas temporariamente
com ele, mas não tinham um esquema mais bem preparado”, lembra o delegado
adjunto da Draco, Alisson Gomes. Os envolvidos, segundo ele, já foram
denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) e respondem ao processo
criminal em liberdade.
O advogado Kaio Castro, que
patrocina a defesa de ‘Bim Araújo’, pondera que a investigação “aparenta ter
tido base política” e que houve “gritante e fantasioso exagero” no tocante ao
valor movimentado pelo acusado, uma vez que “dezenas de imóveis sequestrados
não possuem sequer o valor de um carro popular”. “Será demonstrado nos autos
que não há que se falar em esquema criminoso, que todos os outros denunciados
são apenas funcionários devidamente registrados”, afirma o advogado.
Ostentação
“Quando o criminoso tem aquele
valor, a forma mais fácil que ele vai visualizar de desfrutar aquele patrimônio
ilícito, materialmente, é através de imóveis e móveis, onde ele tenta lavar o
dinheiro”, analisa o delegado Paulo Cid. Por isso, desde o fim de 2014, a
Polícia Civil cearense vem implantando uma nova cultura em relação aos crimes
de lavagem de dinheiro.
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Uma das principais formas de
lavagem de dinheiro das organizações criminosas é a compra de veículos luxuosos.
Foto: Natinho Rodrigues
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Um laboratório especializado
presta suporte em análises financeiras, bancárias e patrimoniais às
investigações policiais, tanto do Departamento de Recuperação de Ativos quanto
de outras delegacias. A atuação nesse setor também depende de parcerias
estratégicas com o MPCE, o Poder Judiciário, Receita Federal, Banco Central e
outras instituições financeiras.
O passo inicial é claro: toda
transação bancária deixa rastros nas máquinas. “Basta que as investigações
consigam investigar quem são as reais pessoas que movimentam esses valores. Não
que seja uma investigação fácil, porque ela depende de vários órgãos e do
cruzamento de um volume muito grande de dados”, descreve Paulo Cid. Para isso,
policiais treinados para lidar com o tema utilizam softwares específicos.
Em diversos casos, as
investigações focam nos ‘laranjas’, que são utilizados “para dificultar o
rastreio do dinheiro”. “A gente foca neles porque pode ser que suas contas
estejam sendo utilizadas sem sua ciência, o que é um pouco menos comum. Mas
também pode estar sendo utilizada com a sua conivência”, detalha.
Destino
Após o sequestro, os bens das
organizações criminosas podem ser cedidos ao Estado ou leiloados pela Justiça.
No segundo caso, os valores convergem para o Fundo de Segurança Pública e
Defesa Social, segundo o delegado geral da Polícia Civil, Marcus Rattacaso.
Um dos usos mais emblemáticos é o
do helicóptero utilizado nos assassinatos de Rogério Jeremias de Simone, o
‘Gegê do Mangue’, e Fabiano Alves de Souza, o ‘Paca’, lideranças da facção
Primeiro Comando da Capital (PCC), em Aquiraz, em fevereiro do ano passado.
Três meses depois, a aeronave se tornou parte da frota da Coordenadoria
Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer), da Secretaria da Segurança Pública e
Defesa Social (SSPDS).
“Prender é muito pouco. Quando se
trata de uma organização criminosa estruturada, verticalizada, a gente entende
que o mais importante é desidratar o poderio econômico, esse dinheiro que
alimenta o crime. Queremos quebrar essa corrente porque, se eu não consigo
capturar patrimônio, dentro de pouco tempo, vou ter pessoas que assumirão a
função das pessoas que foram presas”, considera Rattacaso.
Dinheiro
As fontes dos valores ilícitos
são diversas: passam principalmente pelo tráfico de drogas, mas inclui tráfico
de armas e até assassinatos por encomenda. O dinheiro retroalimenta o sistema
criminoso e também financia a “corrupção de agentes públicos que sejam peitados
a praticar atos ilícitos”, conforme o delegado-geral.
Segundo Rattacaso, as quadrilhas
mantêm ligações com paraísos fiscais fora do Brasil a fim de tornar o dinheiro
lícito. “Hoje, a cereja do bolo é limpar o capital. Não adianta você ter um
capital com o qual não pode aparecer”, detalha. Assim, multiplicam-se os
terrenos, carros, casas de veraneio, anéis, joias e relógios.
A reportagem apurou que um dos
casos investigados pela Polícia Civil, que corre em segredo de Justiça, envolve
um traficante internacional de drogas que mantém um apartamento de luxo de
R$700 mil em Fortaleza. No interior do imóvel, dólares e bolivianos (moeda)
atestaram as transações além das fronteiras. Na garagem, ele também ostentava
pelo menos dois veículos avaliados em R$300 mil. O suspeito está foragido.
Especialistas nas quadrilhas
As redes criminosas não conseguem
se sustentar sem a atuação de “funcionários” com expertise em algumas áreas.
Afinal, movimentar valores exorbitantes sem levantar tantas suspeitas exige
conhecimento e capacidade operacional técnica. “O crime tem tentáculos e
consegue recrutar pessoas que entendem das suas áreas.
Essa lavagem de dinheiro não é um
exercício simples, mas qualificado, que demanda conhecimento de Contabilidade,
de Administração, de Economia, de práticas bancárias. São pessoas, sim,
especializadas”, confirma o delegado geral da Polícia Civil, Marcus Rattacaso.
Prova disso é que, na semana passada, um contador e um advogado foram presos em
nova fase da Operação Saratoga.