Após identificado formigamento no corpo ou perda de força nos membros
superiores, sintomas comuns do Acidente Vascular Cerebral (AVC), o
paciente precisa chegar, em até 4h30, a uma unidade de atendimento
especializada. No entanto, apesar dos avanços, a meta de celeridade
ainda não foi alcançada nos hospitais-polos do interior do Estado.
No Hospital Regional do Cariri (HRC), a demora média é de seis horas,
o que dificulta o uso do trombolítico, medicação que minimiza as
sequelas.
No Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), que atende a pacientes
de, pelo menos, 20 municípios cearenses, a avaliação médica na unidade
dura 10 minutos, mas o tempo levado para chegar ao local é grande -
média de 10 horas. "Existe uma lacuna entre o início dos sintomas e a
chegada do paciente", confirma o neurologista Alan Cidrão, coordenador
das unidades de AVC do HRSC. Segundo ele, está sendo produzida uma
"série histórica para entender melhor o processo".
O quadro se repete na Santa Casa de Misericórdia de Sobral, que
atende à região Norte do Estado. Segundo o enfermeiro especialista em
urgência e emergência, Aristide Ferreira, "muitos municípios ficam
distantes de Sobral, o que torna difícil chegar dentro da janela
cronológica de quatro horas e meia". Apesar de ser referência, a Santa
Casa ainda não tem um centro de AVC. "Os dados são imprecisos porque
ainda não temos estudos sobre esse assunto", finaliza.
Quando o acidente vascular é identificado por parente, pessoa próxima
ou mesmo por quem está sofrendo o AVC, o caminho recomendado é buscar o
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), pelo número 192. O
serviço realiza imediatamente os primeiros exames e faz a ponte com o
hospital, acelerando a chegada do paciente ao atendimento especializado e
aumentando as chances de minimizar as sequelas.
Aristide Ferreira aponta para a regionalização deste serviço. "Fui um
dos pioneiros da implantação aqui em Sobral. Se não tivermos um
atendimento especializado extra-hospitalar, no qual a população possa
buscar um atendimento e fazer um diagnóstico rápido do AVC, não vamos
conseguir atingir a janela cronológica", pondera. Atualmente, a Santa
Casa conta com duas ambulâncias de suporte básico e uma de suporte
avançado.
Em outubro, o Governo do Estado informou que a partir do próximo mês o
Samu 192 atenderá aos 184 municípios cearenses. "A partir de dezembro,
vamos atender 100% dos municípios do Estado. É muito importante para a
vida das pessoas", garantiu o governador Camilo Santana. O enfermeiro da
Santa Casa fala que "se for realmente cumprida, será uma resposta
positiva".
Contagem regressiva
O cabeleireiro Luís Eduardo Ferreira de Brito, 30, estava atendendo
um de seus clientes quando percebeu que a mãe, a aposentada Rita
Cavalcante Vasconcelos Silva, 71, apresentava sintomas de AVC. "Assim
que eu vi ela falando de uma forma estranha, percebi o quanto o lado
esquerdo da boca dela estava amolecido, como se tivesse tido uma
paralisia facial. Ela também se queixava que o braço esquerdo estava sem
força", lembra.
Ao ver a situação, Luís Eduardo acionou um táxi e levou a mãe ao
Hospital Regional Dr. Pontes Neto, em Quixeramobim, onde foram feitos
testes de tato, reflexos e constatado o quadro. Porém, somente "quase 24
horas depois dos sintomas" a aposentada recebeu as primeiras medicações
e exames mais detalhados, na unidade especializada do Hospital do
Sertão Central.
"Quando chegamos ao hospital eles já fizeram a ligação para a central
avisando que tinha uma paciente com sintomas de AVC. Depois recebemos a
informação de que um leito estava vago e ela foi transferida ao HRSC",
relata o cabeleireiro. Ele conta que, no hospital, encontrou
"profissionais especializados monitorando a todo instante e equipamentos
novos medindo pressão, batimentos cardíacos, todos ligados" à mãe,
lembra.
Tempo de Chegada
O AVC somou 21.770 óbitos no Ceará, de 2015 a setembro de 2019,
46,67% do total de mortes causadas por doenças ligadas ao coração,
segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Neste cenário, a unidade
do Hospital Regional do Cariri foi implantada em 2013 e atende a quase
1,6 milhão de moradores de 45 municípios da Região. Segundo o HRC, o
tempo de chegada do paciente ainda não é o ideal, mas vem evoluindo:
"passou de 18 horas (em 2013) para seis, em média".
O neurologista Alan Cidrão aponta que a "falha na identificação
rápida" pode explicar a situação. Há um cenário em que familiares e
pacientes "não valorizaram os sintomas iniciais", circunstância mais
comum quando os indícios não estão explícitos ou quando o paciente
procura o serviço no seu Município, mas o diagnóstico não é prontamente
realizado. Segundo o neurologista, "com isso, ele (paciente) acaba
chegando de forma tardia".
O neurologista explica que a chegada dentro da meta possibilita
procedimentos menos invasivos e mais eficazes. "A gente pode tentar uma
medicação para a desobstrução do vaso e grande parte dos pacientes vão
se recuperar de forma parcial e até mesmo total", garante. Por outro
lado, com a demora no primeiro atendimento e dependendo da gravidade do
caso as chances diminuem.
Reabilitação
Alguém que já passou por um acidente vascular apresenta risco maior
de reincidência. Por conta disso, é realizada a profilaxia secundária,
que é a administração contínua de medicamentos para evitar a recorrência
da doença. São feitos ecocardiogramas, além de estudo dos vasos
sanguíneos e da região da cabeça para saber o motivo do acidente e
planejar a continuidade do tratamento.
Terminados os primeiros procedimentos, os pacientes passam a ser
reabilitados por profissionais específicos. "Diariamente eles vão
receber tratamento com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais, etc", garante o neurologista Alan Cidrão.
O estímulo precoce é fundamental para que as sequelas sejam
minimizadas ou mesmo revertidas. No caso da aposentada Rita Cavalcante
Vasconcelos, felizmente, não houve nenhuma sequela. Ela deixou o
Hospital do Sertão Central no último dia 31 de outubro, cerca de uma
semana depois de ter sofrido o derrame. Agora se recupera em casa,
"fazendo dieta para controlar a diabetes, consumindo alimentos mais
saudáveis, frutas, legumes e verduras, além de receber uma nova
medicação para a pressão arterial", pontua o filho Luís Eduardo.
(Diário do Nordeste)