Quando George Almeida começou a perder os movimentos e a sensibilidade
de um lado do corpo, estando aos 25 anos de idade, não passou pela
cabeça que fosse um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Quando descobriu
que, de fato, era, achou que fosse raro. "É mais comum do que você
pensa", lhe disse o médico neurologista em atendimento no Hospital Geral
de Fortaleza (HGF). O rosto começou a formigar, já não conseguia ficar
em pé, nem falar. Perdeu a força da perna direita, nem o braço
respondia. Caiu.
Tentando não perder a consciência, viu-se resgatado pela mãe, que de
nervosa sentiu as próprias pernas fraquejarem, mas o resto ser forte
porque tinha que socorrer o filho. E foi ao HGF, que há um ano tem uma
Unidade de AVC composta de equipe médica para enfrentar o acidente e
outra para reduzir os danos causados.
O dia em que George Almeida, 34 anos, farmacêutico, diz que "nasceu de
novo" completou nove anos em agosto deste ano. Já a Unidade de AVC do
HGF existe há dez, atualmente com status de referência nacional. "Estar
em Fortaleza foi uma sorte, porque moro em Russas, e se tivesse
acontecido lá, não teria o mesmo tratamento que tive aqui", lembrou.
Neurologistas são menos comuns no Interior do que ele quis acreditar.
Não pensou que tivesse "pressão alta", nem qualquer outro sintoma. O
médico perguntou o que fazia. "Vida normal, não sou de beber muito, só
no fim de semana, e nem experimentei nada ilícito. Na hora, eu achei que
era um absurdo que tivesse acontecido comigo", recorda. A mãe, na
oportunidade, lembra que o filho estava em um período bastante "corrido"
da vida: com problemas no trabalho e ainda estudando para um concurso.
"O problema dele era o estresse. Era cansado, exausto, e mantendo a
rotina". O corpo cobrou.
Mas havia outras respostas para mais perguntas e uma delas foi decisiva
para ajudar a entender o "por que aconteceu comigo". O avô e uma tia de
George sofreram AVC aos 43 e 39 anos, respectivamente. Para a
Organização Mundial de Saúde, casos de hipertensão antes dos 50 anos são
"jovens" para a predominância da ocorrência.
Conforme levantamento do Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, com
base nas informações do Sistema DataSUS, do Ministério da Saúde, entre
2008 e setembro de 2019, no Ceará, foram 634 óbitos de homens de até 49
anos causados por AVC, uma média de 53 mortes por ano. Do total de
óbitos registrados entre os homens, 373, ou 58,83%, foram em Fortaleza.
Entre as mulheres, foram confirmados 579 óbitos causados por AVC, uma
média de 48 casos por ano. Do total de mortes registradas entre as
mulheres, 353, ou 60,97% foram na cidade de Fortaleza.
Em resumo, foram 1.213 óbitos registrados por AVC no Ceará entre 2008 e
setembro de 2019, na faixa etária de zero a 49 anos de idade. Sendo
52,27% em homens e 47,73% em mulheres. "Estudos relatam serem comuns, em
casos de AVC, a ansiedade, a depressão, os distúrbios do sono e da
função sexual, distúrbios motores, sensoriais, cognitivos e de
comunicação, e alterações fisiológicas durante atividades físicas
(dispneia, angina, hipertensão), que causam limitações para o retorno ao
trabalho produtivo", diz Fábio Lessa, médico do Departamento de Saúde
do Coletiva do Centro de Estudos e Pesquisa Aggeu Magalhães, de Recife.
Reabilitação
Pesquisa realizada pela entidade pernambucana com pessoas que tiveram o
primeiro AVC entre 20 e 59 anos (com média de 52 anos) mostrou que em
apenas 20% dos casos houve recuperação total, e nos outros 80% déficit
em alguma capacidade, além do aumento de casos de depressão.
Logo que recebeu os primeiros atendimentos, George seguiu para a
reabilitação com fonoaudiólogos e fisioterapeutas. De longe, caminhando
na rua para a farmácia em que trabalha, nada de diferente se percebe;
próximo, vê-se uma pequena inclinação no olho direito e no canto da
boca. "Foi o que herdei desse acometimento. Sinceramente? Tô no lucro,
porque agora passei a me cuidar melhor. Hoje eu me alimento bem, faço
exercícios físicos e valorizo mais a vida, apesar de um abatimento aqui e
acolá". Hoje, com 34 anos de idade e há nove desde o AVC, o
farmacêutico faz terapia com psicóloga uma vez por semana há três anos.
"Deve-se ter muita atenção nos casos de Acidente Vascular Cerebral
nessas faixas consideradas mais jovens, porque estão associadas ao modo
de vida, como uso de drogas, excesso de álcool e o estresse. Não um
estresse de um ou outro momento, que isso é comum a nós, mas um estresse
mais duradouro. Outra questão a ser observada é que, muitas vezes, em
casos de AVC em jovens, há ocorrências na família de pessoas que também
tiveram AVC ainda jovens, como é o caso de um avô que teve quando jovem e
como isso pode afetar as gerações seguintes", afirma Fabrício Lima,
diretor da Unidade de AVC do Hospital Geral de Fortaleza.
De acordo com o médico neurologista, 12% dos casos que chegam à unidade
são de pessoas com menos de 50 anos. "Quando aparecem casos de menos de
30 anos é incomum, mas em tese não deveriam ocorrer".
A unidade de AVC é composta por médicos neurologistas, enfermeiros,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. O atendimento
integral acontece em 20 leitos de internação. A unidade tornou-se uma
referência também por ter sido a primeira no Estado a oferecer
tratamento a partir do trombolítico. O medicamento diminui em 50% as
sequelas da doença e em 30% a mortalidade.
De janeiro a setembro, o HGF atendeu 611 pacientes. Os hospitais
regionais do Cariri e do Sertão Central atenderam, juntos, 1.527 pessoas
de dezenas de municípios.
"A tecnologia para a saúde aumenta, mas o avanço se torna pouco quando é
para acompanhar outro: o de um modo de vida cada vez mais estressante,
barulhento e gorduroso. É como posso resumir essa modernidade. A
medicina evolui para alcançar os males intensificados pela própria
modernidade", acredita Saulo Gonçalves, sociólogo pela Universidade
Estadual do Ceará.
Assim como ele, médicos ouvidos pela reportagem destacam que a vida cada
vez mais estressante e o consumo de coisas cada vez mais artificiais
são uma mola propulsora para situações como o AVC.
Diário do Nordeste