Após mais de uma década do lançamento do marco regulatório do saneamento
básico no Brasil, as prefeituras cearenses ainda vivem o desafio de
cumprir a determinação de elaborarem seus Planos Municipais de
Saneamento Básico (PMSB). Dos 184 municípios do Estado, 40 estão com o
processo de elaboração em andamento e 38 nem sequer começaram. Do total,
106 cidades finalizaram o documento, fundamental na gestão do
abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos
e drenagem das águas pluviais urbanas das cidades.
Os PMSBs já deveriam estar finalizados em 2017, porém um decreto federal
estendeu o prazo por dois anos, que se encerrou em dezembro de 2019. Na
última quinta-feira (23), no entanto, a Presidência da República
sancionou nova data. Agora, após 31 de dezembro de 2022, o planejamento
será condição para acessar recursos orçamentários da União ou da
Fundação Nacional da Saúde (Funasa). O adiamento dos prazos agrava os
efeitos sanitários da falta do plano nos municípios.
Consequências
Para a professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão e
Tecnologia Ambiental do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Waleska
Martins Eloi, a situação tem impacto direto no desenvolvimento
econômico, social e ambiental das cidades. "Se deixa de fazer (o plano),
compromete a qualidade de vida, saúde e acesso às populações menos
favorecidas porque boa parte das doenças vem da gestão ineficiente do
saneamento", diz Waleska Martins.
Neste cenário, as prefeituras de pequenos municípios têm mais
dificuldade, "seja por falta de pessoal especializado ou por
desinteresse dos prefeitos", pontua a especialista. "Acredito que o
desinteresse se tornou consequência de o prazo estar sempre sendo
prorrogado e sem nenhuma punição. Esquecem das consequências da falta de
saneamento na saúde pública, poluição dos recursos hídricos, a
desigualdade social, poluição urbana", finaliza.
Municípios pequenos
A Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), em parceria com
a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), Secretaria das Cidades e
Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), tenta viabilizar a
elaboração dos documentos nos municípios com menos de 20 mil habitantes.
"Não é um projeto estático, precisa ser revisto periodicamente. Não
basta apenas elaborá-lo, é preciso executá-lo", pontua o presidente da
Aprece, Nilson Diniz, ressaltando que "não há recurso suficiente para a
realização das obras em cada cidade".
Apesar de, no ano passado, 31 desses municípios (com menos de 20 mil
habitantes) terem concluído seus planos por meio do convênio, para o
representante, existe uma lacuna entre o que é exigido e a realidade
destas cidades. "Sempre que houvesse novas obrigações, era preciso ter a
fonte de financiamento para a execução". Além dos 31 municípios que
concluíram o material em 2019, outros 20 receberam o convênio em anos
anteriores. O desafio, no entanto, segue sendo a execução do que foi
elaborado.
Planejamento
Para que o município consiga elaborar e executar o planejamento, é
preciso o amparo de equipes técnicas especializadas na área, o que
demanda recursos nem sempre disponíveis. Várzea Alegre, por exemplo, já
possui cerca de 60% da cidade saneada, segundo a Prefeitura, porém não
conta com PMSB concluído. "Ele é necessário já que a cidade busca
alternativas para escoamento de esgoto, para manter estações
elevatórias, planejamento de crescimento populacional, etc", detalha o
prefeito da cidade, José Hélder.
Para ele, a dificuldade financeira é o principal entrave. Somam-se a
isto, os reajustes orçamentários propostos pelo Governo Federal, como o
aumento do salário dos professores. "Nós já estamos com as duas receitas
de 2020 proporcionalmente menores em cerca de 8% em relação a 2019",
lamenta. "A Prefeitura tem, hoje, um pleito junto a Funasa para
conseguir recursos de saneamento. A gente está nesse pleito e há a
possibilidade de conseguir ainda em 2020", finaliza Hélder.
Futuro indefinido
Em relação aos municípios com sistemas autônomos de abastecimento de
água e esgoto - que são acompanhados pela Funasa, 16 não iniciaram o
PMSB, sete estão em processo de elaboração e 10 concluíram o documento.
No caso das 152 cidades com esgotamento gerido pela Cagece, 33 estão com
o processo de elaboração em andamento e 22 ainda não começaram. Em 97
municípios, o documento já foi finalizado. Em Sobral, a Cagece atende a
três distritos, já a sede é de responsabilidade da Funasa.
"Alguns Planos foram iniciados em 2019 e não foram concluídos. Outros,
elaborados pela Funasa, estão bem atrasados", pontua a gerente de
Concessão e Regulação da Cagece, Micheline de Oliveira. A representante
avalia que a principal dificuldade dos municípios "é a falta de
informação" e a capacidade limitada na contratação de "técnicos
especializados" para formulação do planejamento. "As Prefeituras
precisam ter consciência de que a elaboração do documento é de
responsabilidade delas", ressalta a gestora.
No primeiro semestre do ano passado, apenas 53 cidades acompanhadas pelo
órgão haviam concluído o PMSB, número que saltou para 97 em dezembro do
mesmo ano. Porém, apesar dos avanços, Micheline não se mostra confiante
no cumprimento da exigência a curto prazo: "eu acho difícil que todos
os planos sejam feitos neste ano (2020)".
Em maio de 2019, outras 21 cidades - acompanhadas pela Funasa, estavam
com pedidos para aquisição de recursos sendo analisados em Brasília. A
verba seria usada na elaboração dos planos, porém nenhum dos acordos foi
concretizado. Em nota, a Funasa informou que "está realizando
tratativas junto a Universidade Federal do Ceará (UFC) visando à
formalização de um Termo de Execução Descentralizada (TED) para a
efetivação da elaboração dos 21 planos". Conforme o órgão, "existe
perspectiva de seleção de novos municípios, a depender da
disponibilidade orçamentária".
O POVO