Os novos conselheiros tutelares de Fortaleza
devem tomar posse nesta sexta-feira (10) para quatro anos de mandato à
frente dos oito Conselhos existentes na Capital. A posse - assim como
foi na votação - deve ser realizada no mesmo dia em todos os municípios
brasileiros, mas alguns mandatos se iniciam com pendências do pleito
realizado em outubro do ano passado. Candidatos eleitos ainda são alvos
de ações do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) por condutas
irregulares e, mesmo empossados, correm o risco de perder o cargo.
Como função primordial dos conselheiros tutelares, está a proteção
dos direitos de crianças e adolescentes, tendo como base principal o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2019, a votação para os
Conselhos, não apenas no Ceará, mas em todo o Brasil, envolveu um
crescimento do interesse da população em comparecer às urnas. Em
Fortaleza, em números absolutos, houve aumento de 40% de participação de
eleitores em comparação com o último pleito, em 2015.
Foram mais de 130 mil votantes, no dia 6 de outubro, mas o
comparecimento, para a presidente do Conselho Municipal de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica), Angélica
Leal, ainda ficou abaixo do esperado. "Houve um aumento do número de
eleitores, mas ainda está bem aquém do que deveria estar. Nos
organizamos para atender entre 10% e 15% do eleitorado, mas apenas 7,9%
dos eleitores compareceram".
Os relatos de eleitores no dia da votação, contudo, foram de filas
extensas e locais de votação lotados. A alegação de desorganização,
inclusive, gerou uma mobilização para coleta de assinaturas em defesa da
anulação do pleito. "(A organização do processo) Não atendeu aos nossos
pedidos para aumentarem os pontos de votação e o número de locais
continuou o mesmo da última eleição. A desorganização prejudicou os
candidatos", ressalta Rondinelle Mendes, que deve tomar posse como
suplente. Para ele, muitos eleitores não conseguiram "exercer a sua
cidadania".
Presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares, Eulógio Neto
concorda. "A procura cresceu, (por isso) há uma necessidade enorme de
aumento dos locais de votação. Há uma falta de compreensão de ceder mais
urnas eletrônicas para esse processo. O número de eleitores
participando poderia ter crescido mais", explica.
Angélica Leal, por sua vez, explica que, com o processo de revisão
biométrica ocorrendo de maneira intensa, o Comdica não teve como ter
controle de mudanças. "A inserção de eleitores é uma ação exclusiva do
Tribunal (Regional Eleitoral do Ceará). Então, teve mudança de local,
muita gente pensou que precisava de biometria para votar, o que causou
algumas divergências", justifica. "Nada que tenha comprometido a lisura
do processo. Pelo contrário, a gente teve um número maior de eleitores
(votantes)".
Política
Dentre as razões apontadas para a participação crescente, diferentes
atores mencionam o interesse político e religioso como crescente na
última disputa pelos Conselhos. "Nós percebemos um envolvimento
partidário e religioso maior com igrejas envolvidas e grupos políticos
envolvidos", aponta Eulógio Neto.
Em ano de eleições municipais, os conselheiros passam a ser mais
procurados por pré-candidatos pelas ligações que desenvolvem com as
comunidades onde atuam, principalmente nos casos em que são reconhecidos
como lideranças comunitárias. "Tem sido um cargo para dar visibilidade
para alguns partidos dentro das comunidades para as próximas eleições
para vereador. Mas há também pessoas muito comprometidas, com
engajamento", explica a psicóloga e professora do Centro Universitário
da Grande Fortaleza (Unigrande), Sara Guerra.
Tal cenário acabou por acarretar um disparo no número de candidaturas
ao cargo. Foram 200 candidatos as 40 vagas de conselheiros na Capital,
quase o dobro do número registrado em 2015.
Guerra lembra, no entanto, que a função primordial de um conselheiro
tutelar é a de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes.
"Ele vai acompanhar, estar dentro da comunidade e conseguir articular
bem melhor do que em qualquer outro cargo essa proteção", afirma. "Ele é
quem lida com a família e com a comunidade. Além de lidar com muita
negligência e violência".
Fiscalização
Outro aumento, detectado pelo MPCE, foi o de irregularidades na
conduta de candidatos aos Conselheiros Tutelares. A promotora de Justiça
Antônia Lima, responsável pelo acompanhamento de todo o processo de
escolha dos novos conselheiros tutelares, aponta que foram encontradas
irregularidades em todas as regiões de Fortaleza.
Entre as principais condutas irregulares estão compra de votos,
transporte irregular de eleitores e tentativa de indução de votos nos
locais de votação. Após o acompanhamento do processo eleitoral, o MPCE
requereu a impugnação das candidaturas de dez eleitos e dez suplentes.
Foram registrados outros processos no Comdica, mas poucos foram aceitos
pelo órgão. Segundo a presidente da entidade, Angélica Leal, as provas
apresentadas foram consideradas insuficientes nestes casos.
O Comdica cassou apenas três candidatos ao Conselho Tutelar. Entre os
postulantes considerados inelegíveis, está o segundo mais votado,
Marcos Farias. Ele é chefe de gabinete do vereador Carlos Dutra (PRB).
Além de Farias, a suplente Edna Santos e o candidato José Auri Maia
Júnior (não eleito) tiveram os votos considerados nulos. Eles violaram
regras de propaganda e de apoio de figuras públicas.
Contudo, o MPCE ajuizou dez Ações Civis Públicas contra candidatos
eleitos. "Nós consideramos que havia material suficiente para comprovar a
conduta irregular daquele candidato, por isso (esses casos) já estão
judicializados", explica Lima. Além destes, outros 10 inquéritos civis
ainda estão em análise pela Promotoria. Segundo ela, apesar de não ter
prazo para a finalização da tramitação em nenhum dos casos, qualquer
decisão deve ser aplicada a um conselheiro empossado, retirando-o do
cargo.
Anulação
No Brasil, estados como Paraná, Pará, Piauí e São Paulo tiveram
votações para o Conselho Tutelar anuladas pelo Ministério Público por
irregularidades. Em outros, o Ministério Público também tentou anulação
ou suspensão da votação, mas a Justiça não autorizou.
Após a posse, o MP continua acompanhando as ações do
Conselho Tutelar durante todo o mandato dos eleitos. Para denúncias, é
só entrar em contato com a 78º Promotoria de Justiça de Fortaleza,
responsável pela fiscalização na área da Infância e da Juventude.
40
Novos conselheiros tomam posse. São cinco vagas para o cargo em cada
um dos oito Conselhos Tutelares existentes em Fortaleza, com mandatos de
quatro anos.
26
Deveria ser o número ideal de conselheiros. Esta é a recomendação do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. O objetivo
seria um para cada 100 mil habitantes.
(Diário do Nordeste)