O piso salarial dos professores em início de
carreira passou de R$ 2,5 mil para R$ 2,8 mil após reajuste de 12,84%,
conforme anunciado pelo Governo Federal, no início deste mês. O
acréscimo é automático e está previsto na Lei do Piso, de 2008, que
obriga a atualização do valor em janeiro. A necessidade de valorização
dos profissionais da Educação é fundamental, mas o valor vai impactar os
cofres dos municípios. Afinal, a folha de pagamento de docentes
representa um dos maiores custos das contas de governos e prefeituras.
Existe apreensão quanto à manutenção do pagamento por parte de
profissionais e municípios cearenses, sobretudo porque uma de suas
principais fontes é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb) - mas, nos moldes atuais, ele só é válido até este ano.
O consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará
(Aprece), André Carvalho, avalia que há um "descompasso" entre os
reajustes do piso e os repasses do Fundeb. Segundo ele, de 2011 a 2018,
em média, o piso cresceu 11,6% ao ano, contra 5,7% do Fundo.
"Como a despesa com a folha se torna maior, ela comprime as demais
despesas de custeio e manutenção. O mais grave é a redução de
investimentos em equipamentos e na construção de escolas", exemplifica.
Conforme Carvalho, em anos anteriores, entre 80% e 85% da folha era
comprometida com o pagamento do magistério.
Por outro lado, atualmente, "a grande maioria" dos municípios utiliza
todos os recursos do Fundo e ainda precisa aplicar recursos do fundo
geral, preenchido com a arrecadação de impostos.
Reajuste
O reajuste do piso dos professores tem como base o valor anual mínimo
por aluno, estipulado com base em estimativas anuais das receitas do
Fundeb. Depois que o valor é calculado, o Governo Federal complementa o
Fundo com 10% adicionais, repassados às Unidades da Federação que
tiveram a menor arrecadação.
Em 2020, assim como no ano passado, nove estados do Norte e do
Nordeste receberam o complemento: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
O Fundo entrou em vigor em 2007 e é responsável por mais de 60% dos
investimentos na Educação Básica, segundo o Senado Federal. Para o
Ceará, em 2020, há previsão de receita total de R$ 7,1 bilhões. O
Governo Federal, por meio do Diário Oficial da União (DOU), detalha que,
desse valor, R$ 5,4 bilhões correspondem ao total das contribuições do
Estado e municípios, e mais R$ 1,7 bilhão à complementação da União.
A legislação brasileira estabelece que pelo menos 60% do Fundeb sejam
usados na remuneração de professores, diretores e orientadores
educacionais. Porém, não há impedimento para que se utilize até 100% dos
recursos na remuneração dos profissionais. O restante vai para despesas
de manutenção e desenvolvimento do ensino, como a compra de
equipamentos e a construção de escolas.
Contudo, de acordo com o presidente do Sindicato dos Professores e
Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará
(Apeoc), Anízio Melo, "a fonte está secando". "O Fundeb praticamente já
está morto. Os recursos já agora, em 2019, são insuficientes para manter
a máquina da Educação em funcionamento. A União não pode apenas ser
parceira minoritária", pontua.
Anízio Melo critica a postura de alguns prefeitos, não só do Ceará,
quando se queixam sobre a obrigatoriedade da aplicação do piso e da
insuficiência de recursos para o pagamento. "A grande maioria deles
acabou destruindo ou comprimindo as carreiras. A diferença do salário
inicial para o restante da carreira ficou bem pequena", explica ele, que
defende a garantia do piso a professores ativos, temporários e
aposentados.
Discussão
O Ministério da Educação (MEC) já sinalizou que o Fundeb está
garantido. Contudo, nada está definido ainda. O Governo Federal propõe
aumentar o repasse da União de 10% para 15%, na ordem de 1% ao ano. Em
contrapartida, o Sindicato Apeoc apoia o Projeto de Emenda
Constitucional (PEC) 15/2015, que define o Fundo como permanente e o
maior aporte financeiro da União: 40% a longo prazo, sendo 15% já no ano
seguinte às novas regras.
"Precisamos encontrar uma saída imediata para o caos que pode
acontecer se o Fundeb acabar. Ele nos levou a um patamar de avanço. Sem
ele, podemos perder o piso, as carreiras, o planejamento e afetar a
alimentação, o transporte e a estrutura", destaca Anízio Melo, da Apeoc.
Mobilizações de profissionais da Educação, em conjunto com
estudantes, pais e outros membros da comunidade escolar, são planejadas
para o mês de fevereiro. Além disso, 18 de março foi marcado como o Dia
Nacional de Luta pelo Novo Fundeb.
Segundo André Carvalho, a Aprece também apoia o aumento do aporte do
Governo Federal diante do "estrangulamento" das contas dos Municípios.
"Hoje, 10% são um aporte muito baixo. Claro que há um entendimento e uma
compreensão de que, para se atingir esse aporte maior, deve haver um
período de transição. O Governo sinaliza que a proposta própria deverá
vir com aumento de apenas 15%. É bem distante dos 40% demandados",
esclarece.
Para chegar aos 40%, a PEC 15/2015 prevê novas fontes de arrecadação,
a exemplo dos royalties de petróleo e gás. O tema é analisado em
comissão especial da Câmara e tem de ser aprovado no plenário da Casa e
no Senado Federal. Como é uma PEC, precisa do aval de 3/5 dos deputados e
senadores para entrar em vigor.
Atualização
É essa "disputa interna", ainda sem consenso, que gera "angústia"
entre os educadores, na avaliação da presidente do Conselho Estadual de
Educação do Ceará (CEE), Ada Pimentel. "Hoje, os tempos estão nervosos.
Você não tem previsão do que pode ocorrer", pensa. Para ela, os
percentuais de repasse deveriam ter sido revistos em anos anteriores e, o
custo por aluno, ser "de qualidade, e não básico". "Isso podia ter
evoluído há mais tempo para se chegar a um denominador comum", destaca.
Pimentel reconhece que o Fundeb é uma das fontes mais significativas
de financiamento da Educação em municípios menores, que não têm tantas
opções de arrecadação própria. "Em condições desiguais, se entra numa
competição. O financiamento é uma alavanca que diminui as desigualdades e
melhora as condições de aprendizado", afirma.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Estadual da Educação
(Seduc), indagando que percentual do Fundeb é aplicado pela Pasta no
pagamento do magistério, qual deve ser o repasse recebido em 2020 e qual
proposta o Estado apoia, mas não recebeu retorno até o fechamento desta
edição.
(Diário do Nordeste)