Ao menos três grupos de
pesquisadores testam o uso da cloroquina contra a Covid-19. Nos EUA, essa linha
de investigação tem prioridade. Substituída por drogas mais fortes contra o
Plasmodium falciparum, substância pode agir, agora, controlando a infecção
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Enquanto laboratórios correm para
desenvolver medicamentos biológicos e outras terapias de última geração, uma
droga da década de 1940 é a aposta dos Estados Unidos para tratamento de pacientes
de Covid-19. A cloroquina, remédio originalmente desenvolvido
para malária, pode receber o aval da Food and Drug Administration (FDA), o
órgão de vigilância sanitária norte-americano, para a nova indicação. Ao menos
três estudos científicos indicam a ação da substância tanto em laboratório
quanto em pacientes humanos. Um deles, inclusive, sugere que ela pode prevenir
contra o novo coronavírus.
O presidente Donald
Trump chegou a dizer aos jornalistas, ontem, que a droga já estava
aprovada para tratar pacientes de Covid-19. “Poderemos disponibilizar esse
medicamento quase imediatamente. Já passou pelo processo de aprovação, foi
aprovado. Reduziram muito o tempo, muitos meses”, afirmou. Porém, ele foi
corrigido por Stephen Hahn, comissário de alimentos e medicamentos da FDA pouco
depois. Hahn esclareceu que a cloroquina está sendo testada, entre outros
remédios, pelo órgão. Mas ressaltou a prioridade à substância. “Essa é uma
droga que o presidente nos ordenou a examinar mais de perto.”
O extrato da cloroquina,
substância retirada da casca de uma árvore, era usado por indígenas peruanos
para tratar febre no século 16. Por destruir o Plasmodium falciparum,
protozoário causador da malária, passou a ser usada com esse fim quando foi
introduzida na Europa. O medicamento foi substituído por drogas mais potentes,
porque o patógeno se tornou resistente, mas vem sendo testado como antiviral,
quando associado a outros medicamentos. Para HIV e hepatite C, a substância não
demostrou atividade. Porém, testes in vitro (no laboratório) com a cloroquina
mostraram que a substância “é altamente efetiva” no controle da infecção,
segundo um estudo do Instituto de Virologia de Wuhan — a cidade chinesa onde a
pandemia começou — publicado na revista Nature Cell.
O medicamento foi testado também
em pacientes com Covid-19 na China, na Coreia do Sul, no Japão e na Austrália.
Há uma semana, pesquisadores da Universidade de Columbia publicaram, on-line,
um apanhado sobre resultados obtidos pelos dois primeiros testes em pessoas
infectadas. O estudo informa que “o uso de tabletes de cloroquina está
mostrando resultados favoráveis em humanos infectados com o coronavírus,
incluindo tempo mais rápido de recuperação e internações mais curtas”. Além
disso, os autores citam um estudo do Centro de Controle de Doenças
norte-americano (CDC) segundo o qual “a cloroquina tem um potencial forte como
medida profilática (preventiva) contra o coronavírus em laboratório, enquanto
esperamos pelo desenvolvimento de uma vacina”. O teste do CDC foi feito em
células de primatas não humanos.
Um terceiro estudo indicou que,
combinada ao antiviral remdesivir, a cloroquina inibiu a ação do Sars-Cov-2 in
vitro. “Além da atividade antiviral, a cloroquina tem uma atividade
imunomoduladora, o que pode sinergicamente elevar o efeito antiviral in vivo. A
cloroquina é uma droga segura e barata que tem sido usada por mais de 70 anos
e, portanto, é potencialmente aplicável clinicamente contra o Sars-Cov-2”, concluíram
os pesquisadores da Universidade de Qingdao, em um artigo publicado na revista
BioScience Trends.
Curso encurtado
O artigo cita 15 estudos
clínicos, feitos em pacientes de Covid-19, em mais de 10 hospitais em Wuhan,
Jingzhou, Guangzhou, Pequim, Shangai, Chongqing e Ningbo. “Até agora,
resultados com mais de 100 pacientes demonstraram que o fosfato de cloroquina é
superior ao tratamento de controle, inibindo a exacerbação da pneumonia,
melhorando os pulmões nos exames de imagem, promovendo uma conversão
vírus-negativo (o que demonstra a ausência viral no organismo), e encurtando o
curso da doença”, destacou o trabalho.
Contudo, trata-se de pesquisas
feitas com números pequenos de pacientes, e em ambientes monitorados por
profissionais de saúde. Usar o medicamento inadvertidamente pode trazer mais
prejuízos do que a própria infecção viral. “A Sociedade Brasileira de
Infectologia recomenda que nenhuma medicação, como lopinavir-ritonavir,
cloroquina, interferon, vitamina C, corticoide etc., seja usada para tratamento
de pacientes com Covid-19 até que tenhamos evidência científica de sua eficácia
e segurança”, ressalta, em nota, a SBI. “Algumas delas, como o corticoide, já
demonstraram que podem piorar a evolução de outras viroses respiratórias, como
na gripe. Essa recomendação pode mudar à luz de novos conhecimentos
científicos, especialmente porque vários estudos clínicos estão em andamento.”
Vacina em até 18 meses
As multinacionais da indústria
farmacêutica se comprometeram, ontem, a dispor de uma vacina contra a Covid-19
entre 12 e 18 meses. Dezenas de ensaios clínicos estão em andamento para
ajustar kits de detecção menos caros e mais precisos, assim como um tratamento
ou uma vacina capaz de combater o coronavírus. No entanto, os laboratórios
alertam que tanto produtores quanto as autoridades de controle não podem
comprometer a segurança de uma potencial vacina e, portanto, não se pode
acelerar o cronograma de ensaios clínicos e o estudo dos resultados.
Correio Braziliense