O cardiologista Roberto Kalil Filho, 60, do Hospital Sírio-Libanês,
elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro em pronunciamento em rede
nacional por ter declarado que usou cloroquina no tratamento da
Covid-19, diz que continua defendendo a utilização da droga apenas para
pacientes internados, como determina protocolo do Ministério da Saúde.
Ele relata que a estrutura do hospital ajuda muito, que emagreceu sete
quilos em dez dias, que teve um sofrimento horrível, que a dor de
cálculo renal é água com açúcar na frente da dor do coronavírus e que
sai um ser humano melhor mais resiliente depois da cura.
O sr. defende que a cloroquina seja liberada também para casos leves?
Eu defendo o que está nos protocolos. Pacientes internados têm que tomar
cloroquina. E cloroquina dentro de um contexto. Nos casos de pneumonia,
tomar também corticoides, anti-inflamatórios, se precisar,
anticoagulantes. Eu estou tomando anticoagulante até agora. O risco de
trombose é grande mesmo depois da alta.
É uma gama de remédios que precisa ser oferecida. Você não sabe o que
salvou a pessoa. Para mim, é um conjunto. Se eu não tivesse tomado
cloroquina, corticoide e antiacoagulante, talvez não estivesse mais
aqui. Estão sendo feitos estudos sobre dar cloroquina em casa. Ainda é
preciso a ciência provar [que funciona].
Eu adoraria que a cloroquina fizesse efeito em casa para casos leves
porque evita de o cara internar. É um remédio usado há milênios para
artrite reumatoide, lúpus. As pessoas tomam em casa e não têm efeitos
colaterais importantes. Se tiver evidências de que melhora mesmo em
ambiente extra-hospitalar, não acho que será um grande problema.
O debate da cloroquina saiu do campo da ciência e da saúde está totalmente politizado. O que sr. pensa sobre isso?
As pessoas têm que entender que esse é o momento de pensar em união e
cura. As pessoas estão morrendo. Quando sair um antiviral, uma vacina,
acabou o problema. Mas, até lá, precisaremos ter suporte hospitalar e
uma gama de remédio. Eu sou a favor da cloroquina desde o começo. Eu
rezo, torço para que esse coquetel de remédios, a cloroquina inclusive,
funcione e o cara encurte a internação e vá embora..
Ser elogiado publicamente pelo presidente causou algum constrangimento?
De forma alguma. Tudo o que ele reproduziu foi o que conversei com ele.
Eu não conheço o presidente pessoalmente. Eu recebi uma ligação dele e
ele disse que queria me ouvir e me parabenizar pela coragem de assumir
que tinha tomado a cloroquina. Eu disse: ‘presidente, eu não fiz nada
mais do que a minha obrigação. Eu tomei o remédio entre outros remédios,
a equipe médica prescreve dentro das normas autorizadas. Que não tem
grandes estudos com evidência não tem mesmo. Assim como não tem para o
corticoide que eu usei. Aliás, era uma coisa bem questionável, mas eu
tomei.
Alguma crítica entre os colegas?
De jeito de nenhum, só elogios. Críticas por quê? Porque eu tomei o
remédio, porque eu me abri? Muitos elogiaram a postura de eu ter falado
sobre a minha doença. Não foi fácil, especialmente quando você está
muito doente.
E como está sendo a recuperação?
Comecei a melhorar depois de dois, três dias de internação. Até então
era uma dor no corpo que parecia que estava arrancando os todos os
músculos, horrível. Teve um dia que eu pensei em ligar para o David
[Uip, infectologista] e falar: eu desisto, tira os remédios, eu não
quero mais nada. Bateu um desespero com tanta dor e mal-estar. Não
conseguia comer, emagreci sete quilos em dez dias.
O sr. teve medo de morrer?
Não tive medo de morrer, mas tive medo do sofrimento. Não queria sofrer
mais. Cheguei a pensar que era melhor morrer do que passar por isso.
Isso passou pela minha cabeça duas noites seguidas. Foi um horror.
Qual foi maior lição disso tudo?
Nós não somos nada. Você passa um fim de semana trabalhando feito um
leão, no dia seguinte você está como um ratinho desbotado no quarto de
um hospital. Num piscar de olhos, a gente vira pó. Acho que saio dessa
mais paciente, mais resiliente.
Folha de São Paulo