O avanço da pandemia do novo coronavírus expôs uma dependência quase
mundial de produtos relacionados à área da saúde fabricados na China. A
escassez de indústrias voltadas para esse tipo de produção no Ceará e no
resto do País se reflete nas compras efetuadas pelo Estado, desde que o
contágio atingiu proporções preocupantes localmente. Segundo o Governo,
há planos em cursos para reduzir a dependência do País.
A busca pelo mercado chinês, no Ceará, para a compra de equipamentos
hospitalares se deu pelo mesma razão da realidade de outros países.
Segundo Cesar Ribeiro, secretário especial para Assuntos Internacionais
do Governo do Estado, a China se "mostrou como o único país a atender a
demanda mundial" de respiradores, máscaras e outros insumos essenciais
ao combate do vírus. A Coreia do Sul também tem exportado muitos testes
para Brasil.
Ribeiro explicou que o potencial de entrega de produtos e de atendimento
da China foi construído por anos, ao se desenvolver uma capacidade
industrial considerável.
Dependência preocupa
Mas o secretário de relações internacionais destacou que é importante
analisar essa dependência de mercado. Futuramente, para compensar essas
dificuldades, o Estado deverá reconsiderar esforços para impulsionar o
complexo industrial da saúde. Segundo Ribeiro, as relações comerciais
operadas durante a pandemia podem ser preocupantes, pela dependência a
fornecedores de um único país.
"O Ceará tem feito um trabalho de abertura do nosso mercado e, nas
relações internacionais, nós temos trabalhado para trazer empresas. Mas
depois da pandemia vamos precisar avaliar o que precisamos trazer para
tratar sobre essa dependência, que ficou clara nesse momento no mundo
inteiro", disse.
Prospecção de indústrias
Cesar ainda destacou as boas relações entre o Ceará e a China, apesar
das crises entre o Governo Federal e o país asiático. O Estado já opera
com dois acordos de cooperação entre cidades cearenses e chinesas. Além
disso, ele comentou que o Governo deverá reestruturar os planos de
atração de empresas estrangeiras, focando mais na área da saúde para
minimizar impactos de possíveis crises no futuro.
"Durante a pandemia isso foi colocado em segundo plano, pois o destaque é
realmente a questão da saúde. Mas passada a pandemia, vendo o estado de
prospecção da nova realidade, é preciso se pensar de uma forma mais
estratégica, dadas as dificuldades no mercado mundial, para que possamos
fazer nosso dever de casa", revelou Ribeiro.
Pedidos frustrados
Reunidos para a aquisição de equipamentos hospitalares necessários ao
enfrentamento da pandemia, os estados do Nordeste, que formam o
Consórcio Nordeste, encabeçado pelo governador da Bahia Rui Costa,
tiveram na semana passada sua segunda compra de 600 ventiladores
pulmonares cancelada. A aquisição havia sido feita junto a uma empresa
dos Estados Unidos.
Os equipamentos iriam suprir outra compra frustrada: no fim de março,
uma carga de ventiladores pulmonares adquiridos de empresa da China
ficaram retidos em Miami, nos Estados Unidos, após a empresa chinesa que
forneceria os equipamentos cancelar a compra.
O presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Medicamentos,
Perfumaria, Higiene Pessoal e Correlatos do Estado do Ceará (Sincamece),
Ernane Rios, explica que o cancelamento de compras por parte dos
fabricantes vem acontecendo não apenas com os ventiladores mecânicos,
mas com outros produtos fundamentais ao combate da Covid-19.
"Esses itens acabam ficando retidos em países de primeiro mundo, a
exemplo da Alemanha e dos Estados Unidos, que possuem um poder econômico
muito maior".
Preços
Esse é um dos fatores que elevou preços de produtos vendidos nas
farmácias, como máscaras cirúrgicas e luvas hospitalares. Sem produção
local, esses itens são importados da China e de Cingapura. "Outro
problema é o dólar altíssimo. Isso tem um efeito grande sobre os EPIs e
afeta também os medicamentos, porque a matéria prima para a produção de
remédios é adquirida 90% na China e na Índia", lembra Ernane Rios.
Diretor do Sincamece e proprietário de uma distribuidora de produtos
hospitalares, Fernando Timbó também lamenta o efeito cascata provocado
pela forte dependência de produtos médico-hospitalares fabricados na
China. Ele explica que a dependência está no fato de que o mundo todo
sempre buscou o menor preço - que é oferecido pela China - e, com o
Brasil, não foi diferente.
Ele lembra que, mesmo quando o coronavírus estava concentrado na China,
em janeiro, a distribuição no Estado já começava a enfrentar problemas.
"Quando o epicentro era a China, os próprios importadores tentaram
recomprar as mercadorias. A caixa com 50 máscaras, que a gente comprava
por R$ 5, passou a custar R$ 200", aponta Timbó. No caso das luvas, a
caixa, antes comprada por R$ 12, passou a custar R$ 30.
Além do dólar e do descumprimento das vendas por parte de fabricantes,
ele lembra que outro problema é o transporte de cargas. "O fluxo caiu,
as companhias reduziram os voos. Ficou muito mais caro e difícil
transportar esses cargas", pontua o diretor. Além disso, as empresas
cobram antecipadamente, em dinheiro, e "nem todas as distribuidoras
possuem caixa robusto para fazer essas aquisições".
"Tem ainda a questão de esses materiais passarem primeiramente pelo
Sudeste, por São Paulo, antes de virem para cá. Com a requisição desses
materiais por parte do governo estadual de lá, esses produtos acabam
também ficando retidos", detalha.
'Um olhar que mudará'
Na avaliação tanto de Fernando Timbó como de Ernane Rios, provavelmente
essa percepção em torno da dependência de equipamentos
médico-hospitalares chineses deve provocar no Ceará, no resto do Brasil e
em outros países um olhar diferenciado para o estímulo à produções
locais desse material em um futuro próximo. "Acredito que essa é a lição
que nós vamos levar", lembra Timbó.
No caso dos medicamentos, Rios frisa que a questão inclusive já vem
sendo debatida por laboratórios nacionais, mas pontua que é necessário
incentivo do poder público, já que importar da China a matéria-prima
sairia muito mais barato que produzir localmente.
UOL