A retomada das atividades cotidianas é um dos temas mais discutidos
desde o início de junho. A flexibilização de alguns setores já foi
iniciada, mas especialistas em saúde reforçam que o Ceará ainda
atravessa a pandemia e que existe o risco de novas ondas, dado o grande
número da população ainda suscetível à Covid-19. Outro fator levado em
consideração é a ausência de dados concretos sobre o risco de reinfecção
em pessoas recuperadas, já que a doença é nova - tem pouco mais de seis
meses - e ainda não se sabe por quanto tempo os anticorpos contra o
coronavírus agem no organismo.
Segundo a plataforma IntegraSUS, alimentada pela Secretaria Estadual
da Saúde (Sesa), o Ceará já registrou 114.038 casos da doença,
contabilizando 6.203 mortes. O número de recuperados chegou a 88.325,
ontem (1º).
Em casos mais leves, os sintomas da Covid-19 se assemelham aos de
gripes provocadas por outros agentes etiológicos, como o influenzavírus,
adenovírus, rinovírus e vírus sincicial respiratório (VSR), os tipos
mais comuns a circular entre a população cearense, de acordo com
boletins epidemiológicos da Sesa. Até 23 de junho de 2020, dos 14.008
casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) investigados, 9.856
foram por coronavírus, 138 por influenza e 115 por outros vírus
respiratórios.
Em todos os casos, o organismo ataca a infecção por várias frentes, de acordo com o infectologista e professor da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto da Justa. "Essa resposta
imunológica existe para manter nossa saúde contra agentes infecciosos.
Boa parte das infecções consegue ser controlada apenas por ela. Além de
ser importante para o momento da agressão, pode prevenir infecções
futuras pelo mesmo agente. O sistema imune é muito inteligente e deixa
esse legado", explica.
O especialista, membro do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da
Ética, da Ciência e do SUS, diz que algumas proteções funcionam por toda
a vida, como contra a catapora. No entanto, para os vírus
respiratórios, esse tempo é reduzido e variável. No caso da influenza,
"muito mutante", a proteção dura no máximo de 8 a 10 meses - por isso há
campanha de vacinação anual para estimular o sistema imunológico. Para
coronavírus antigos, de 6 meses a um ano. Para infecções respiratórias
graves, como Sars e Mers, há uma queda nos níveis entre 18 e 30 meses.
"É uma imunidade de, no máximo, dois anos, por isso vai ser muito
importante a questão da vacina", lembra Roberto da Justa. Mais de 100
instituições ao redor do mundo estão engajadas em encontrar o produto, e
alguns experimentos já apresentaram resultados positivos. Segundo o
infectologista, com base na experiência dos outros seis coronavírus
capazes de infectar humanos, "é muito provável" que o Sars-Cov-2 não
deixe imunidade duradoura. A suposição ainda carece de confirmação.
O infectologista pediátrico Robério Leite, professor da UFC, também
não descarta a reinfecção porque, nos demais tipos de coronavírus, há
reinfecções frequentes na infância. "O nível de gravidade não tende a
ser pior. Parece haver uma acomodação do sistema imunológico no
relacionamento com esses vírus", afirma. O problema a curto prazo,
indica, é crianças e pessoas assintomáticas levarem o vírus a grupos de
risco.
Robério explica ainda que cada vírus respiratório tem um
comportamento específico em relação ao trato respiratório. "O
coronavírus tem predileção pela via aérea inferior, por isso atinge mais
pulmão. O VSR guarda semelhança, embora tenha predileção pelos
bronquíolos", diz o médico. Mesmo que haja mutações no Sars-Cov-2, elas
podem ter semelhança com o vírus atual e serem alvo da imunidade
cruzada, quando o organismo reconhece sequências do agente e o ataca.
Dos principais tipos de vírus circulantes no Ceará, há
disponibilidade de vacina para influenza, pelo maior potencial de
adoecimento severo, internação e risco de morte. Adenovírus e rinovírus
também levam a síndromes gripais, mas com sintomas mais brandos que
dificilmente demandam internação. O otorrinolaringologista Paulo Augusto
Manzano diz que o coronavírus pode gerar uma fase inflamatória com
reações no pulmão, no coração e no encéfalo e formação de trombos -
coágulos no interior dos vasos sanguíneos.
Enquanto viroses comuns têm período de incubação em torno de cinco
dias, o coronavírus tem até 14 dias assintomáticos. Seu potencial de
disseminação e risco de letalidade também são maiores, de acordo com o
especialista.
Na população mais jovem, os principais agentes costumam ser influenza
A e B, o VSR e o adenovírus. A perda do olfato e do paladar durante a
influenza pode ocorrer por congestão nasal, mas na Covid-19, o sintoma
pode surgir de forma súbita. "É muito importante que as pessoas se
vacinem para influenza porque, além da proteção, isso facilita na
conduta e na abordagem de paciente com quadro viral", diz Paulo Augusto.
(Diário do Nordeste)