Se você pudesse apostar na origem do povo cearense, para qual região
do mundo apontaria[? Muitas pessoas diriam, sem dúvidas, que os
principais ancestrais são indígenas - afinal, o próprio escritor José de
Alencar descreveu o mito de fundação da identidade brasileira em
"Iracema". Contudo, uma pesquisa inédita de mapeamento genético no país
revela que os ameríndios têm a segunda maior predominância na origem de
onde o cearense é descendente. Em primeiro, estão os genes dos nórdicos
que habitaram o norte gelado da Europa.
A pesquisa "GPS-DNA Origins Ceará" analisou as amostras de saliva de
160 cearenses, de todas as regiões do Estado e de várias etnias, a fim
de mapear os povos que formaram essa população. Um dos objetivos era
responder à pergunta-chave dos estudos de Parsifal Barroso no livro "O
Cearense", lançado em 1969. À época, o autor se valeu de documentos e
outros registros para construir sua teoria, mas, 50 anos depois, a
tecnologia permitiu uma análise mais profunda das hipóteses.
Luís Sérgio Santos, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e
coordenador da pesquisa, explica que o resultado foi obtido a partir da
metodologia GPS-DNA, criada pelo geneticista israelense-americano Eran
Elhaik, consultor no estudo cearense. As amostras de saliva foram
cruzadas com um banco de dados em laboratório, nos Estados Unidos, e
permitiram a identificação de 28 grandes agrupamentos genéticos,
chamados de "bolsões".
"A colonização do Brasil veio da Península Ibérica, mas a pesquisa,
de certo modo, desconstrói essa tese. Ela mapeia até o ano 400, então é
um tempo muito anterior à fundação de Portugal. Os resultados mostram
que o branco europeu que colonizou o Brasil era escandinavo, viking,
visigodo, e antes disso, alemão", explica o pesquisador, reforçando:
"Por serem predadores, destruidores e impassíveis, eles deram um banho
genético na Europa".
As regiões que tiveram mais força na identidade cearense foram o sul
da França e a chamada Fenoscândia - que abrange Noruega, Suécia,
Finlândia e Dinamarca. Na segunda posição do ranking da maior influência
genética, fica o ameríndio, que provém da Sibéria e entra no novo
continente por meio do Estreito de Bering, ponte natural entre a Rússia e
os Estados Unidos.
Aos seis anos de idade, Thor representa bem essa mistura. Ele é filho
do dinamarquês Peter Aller com a cearense Ana Paula Bertuleza, que
acredita ter sangue indígena e negro. O pai ficou surpreso com a
similaridade entre as duas populações, já que acreditava que portugueses
e holandeses seriam os maiores influenciadores no Ceará. "O cruzamento
de portugueses e vikings é a origem mais plausível", considera ele.
Segundo Ana Paula, a compatibilidade genética de Thor "é mais pro
lado nórdico". "Fisicamente, ele é completamente o pai, mas ele também
tem muito um jeito cearense porque gosta de comer farofa e feijão preto e
de ir para as dunas", ri a administradora. "Dentro de casa, ele é
dinamarquês" - o menino fala três idiomas -, "e do lado de fora é
cearense". A mãe lembra que o filho pratica kitesurf e não tem medo do
mar - provavelmente outra herança dos ancestrais navegadores.
Para o médico Evangelista Torquato, especialista em reprodução humana
e responsável técnico da pesquisa, o levantamento pioneiro atende a
dois pontos. O primeiro, da velha curiosidade sobre a pergunta "de onde
eu vim?". O segundo, do uso prático das informações pela Medicina.
"Determinadas comunidades no mundo têm certos tipos de doenças, como
judeus e negros. O próprio Nordeste cearense tem doenças genéticas mais
específicas que estão na nossa ancestralidade"
(Diário do Nordeste)