"Você pode me ajudar". A frase, seguida de um "Xis" e das palavras violência doméstica, foram escritas por uma mulher, de 27 anos, dentro de uma agência bancária em Sobradinho, no Distrito Federal, na última segunda-feira (1º).
A vítima estava em um caixa, fazendo o saque do Bolsa Família, e entregou o bilhete ao funcionário do banco. No texto, ela ainda alertou: " Ele tá aí fora".
O bancário entendeu o pedido de socorro, e foi atrás da polícia, com os colegas da agência. Ele, que preferiu não se identificar, conversou com o G1, por telefone, nesta quarta-feira (3).
O homem, de 40 anos, contou que na hora em que recebeu o bilhete, pediu para a vítima anotar os dados, como telefone e endereço. "Mas a mulher ficou com medo de passar o telefone e o companheiro atender", disse.
"Depois que ela foi embora fiquei procurando uma forma de ajudá-la. Fizemos uma pequena reunião para ver o que poderíamos fazer", contou.
Descaso
Junto com os colegas do banco, ele decidiu ir até a 13ª Delegacia de Polícia, de Sobradinho. Mas o policial de plantão não registrou a ocorrência.
"Ele leu, leu olhou o papel e disse que era jurisdição de Planaltina porque a mulher morava lá. Eu questionei se ele não poderia fazer contato com alguém, mas ele não deu a mínima pra mim", contou o bancário.
O bancário disse ainda que chegou a ligar para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), para informar o ocorrido, mas também não foi atendido. "Um homem atendeu e disse que era pra denunciar no 197, porque tinha que apurar se aquilo era verdade mesmo", revelou.
"Sobra burocracia e falta empatia. Cheguei no outro dia no banco desnorteado", disse o bancário.
A Polícia Civil disse que "o caso está sendo apurado com máxima prioridade" e que prestará todas as informações pertinentes.
Coragem e busca de solução
A telefonista do banco, Juliana Gomes da Silva, que no dia seguinte ajudou o colega, destaca a coragem da mulher. "Por estarmos no meio de uma pandemia, ela só pôde entrar sozinha. Foi o momento em que ela se sentiu segura e pediu ajuda. Ele [o agressor] estava ligando o tempo todo pra ela ir rápido", contou.
Após saber das tentativas frustradas do colega para registrar o caso na Polícia Civil, Juliana decidiu falar com uma amiga, que é policial militar do batalhão de Planaltina. Ela mandou fotos dos bilhetes: o que pedia ajuda e um segundo, onde a mulher concordou em escrever o endereço.
O texto, além do endereço, descrevia como achar a quitinete onde a vítima morava, dando características como a cor do portão. Ao final, a mulher também fazia mais um pedido, para que os policiais insistissem
"Pela experiência que tenho, no momento em que li os bilhetes, já entrei em contato com a amiga que trabalha na PM. A vítima foi breve e rápida. Ficamos todos apreensivos", contou Juliana, que também é coordenadora da Central Única das Favelas (CUFA-DF).
Final da história
Após a denúncia, policiais militares do grupo de Prevenção Orientada à Violência Doméstica e Familiar (Provid) foram atrás das informações escritas nos dois bilhetes. Ao chegar no endereço, eles descobriram que a mulher era mantida em cárcere privado pelo companheiro, no setor Estância Mestre D'Armas, em Planaltina.
No endereço, em uma segunda tentativa – na primeira, aparentemente não havia ninguém em casa – a equipe encontrou a mulher e os dois filhos: um menino de 1 ano e 7 meses e uma menina 5 anos. A vítima confirmou que tinha escrito o bilhete pedindo ajuda.
"Ela confirmou que o marido fazia agressões verbais [...] percebi que ela estava com medo. Não é de hoje que ela é vítima de violência doméstica" disse o sargento da PM Sérgio Borges.
Em 2019, a mesma mulher já havia sido atendida após uma denúncia de violência. "Agora é com a Justiça. A nossa parte a gente fez. Ela pode receber medida protetiva e, dependendo do entendimento, o juiz expede mandado de prisão pra ele", explicou o sargento.
A vítima foi encaminhada para uma Casa Abrigo. Até a tarde desta quarta-feira (3), o agressor não havia sido localizado.
(G1)