'Não foi fatalidade; foi negligência', analisa especialista sobre morte de homem em tirolesa em praia do Ceará

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Foto divulgação

 

Na perspectiva de Vinícius Martins, o caso em Aracati foi "um erro primário, inadmissível". A morte ocorreu no dia 10 de outubro, quando a viga de sustentação do equipamento se rompeu.

    "Não foi fatalidade; foi negligência de quem opera o equipamento. Não houve, certamente, um memorial de cálculo, [a base] não foi dimensionada pra isso. Você sai de um campo de imperícia, imprudência e negligência pra dizer que foi uma fatalidade", frisou.

A tirolesa, equipamento em que o usuário desliza em um cabo suspenso sem tocar o chão, é um brinquedo comum em praias do Ceará. Tal estrutura, porém, precisa ser erguida de forma segura, o que não aconteceu no caso do equipamento, conforme especialista.

De acordo com ele, também voluntário na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e auditor ISO 21-101 de normas técnicas, houve um problema de ordem civil, pois não foram consideradas especificidades do solo de duna.

"O bloco de fundação rompeu, veio para frente, não foi calculado e tombou. É um problema de cálculo estrutural", avaliou ele, após ver o vídeo do acidente, divulgado pelo g1.

"Não houve um memorial de cálculo. Não se calculou o esforço que essa estrutura faz, o que se chama de 'momento' na engenharia, e o bloco de fundação veio pra frente".

O especialista acredita que elementos de segurança como o cinto e os conectores estavam de acordo, adequados para a prática, mas precisaria analisá-los para ter uma opinião mais concreta. No entanto, a falta do capacete — item obrigatório — também sinalizou uma desconformidade com os requisitos de uso do equipamento.

Normas de execução


O diretor da Abeta apontou que, para uma tirolesa ser construída, há um conjunto de oito normas técnicas, as quais versam sobre construção, operação e manutenção. Dessas oito, uma é voltada exclusivamente para a engenharia do equipamento, a ABNT NBR 15508-1, considerada por Martins como a principal.

    "Você tem outras normas de operação. Se essa norma fosse atendida, certamente esse acidente não teria ocorrido."

Entre as normas técnicas, estão ainda a ISO 21101, uma "norma-mãe" para atividades de turismo de aventura, nas palavras do empresário. Esta define os requisitos para os Sistemas de Gestão da Segurança (SGS).

A implementação dos SGS são previstas em mecanismos como a Lei Geral do Turismo e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), apontou o auditor da norma. Nela, o item 9.4 define que tirolesas com mais de 300 metros de comprimento entre dois pontos devem ter dois cabos de aço.

Tirolesas com tamanho menor podem, sim, ter apenas um cabo, mas isso, na avaliação do especialista, não caracterizaria a "melhor prática" para uso da estrutura. Nesse caso, a melhor prática seria definida pelos cuidados extras, para além do mínimo exigido nas normas, no uso dos equipamentos.

Acompanhamento técnico


Conforme o tenente-coronel Giuliano Rocha, do Corpo de Bombeiros, a tirolesa e quaisquer outros brinquedos ou estruturas de montagem têm de ser acompanhados por um profissional habilitado. Este, normalmente, é um engenheiro, que pode ser habilitado no ramo da mecânica.

O profissional especializado deve acompanhar a montagem do brinquedo e asseverar a segurança na manutenção e no uso dos equipamentos. "Para fazer uma analogia, é como se você estivesse doente e fosse um médico. Ele dá uma receita, um tratamento — ele tá se comprometendo para dizer que analisou [o caso] e qual é a maneira correta de seguir", pontuou.

Ao fim dessa atividade, o profissional deve emitir uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), a qual valida e atesta as medidas de segurança da estrutura em questão. O documento é necessário para qualquer empresa que intente construir um brinquedo ou equipamento do tipo.

Na ART, constam informações relativas aos materiais utilizados na montagem, técnicas, cuidados e orientações para manutenção, entre outros aspectos. Segundo o bombeiro, cada ART é única — o relatório é confeccionado considerando as especificidades de cada estrutura.

No caso de uma tirolesa, por exemplo, o agente apontou que o documento considera os materiais utilizados — que podem ser de ferro, madeira, alumínio ou mistos —, além de aspectos da fixação do equipamento. "Na praia, com areia fofa, a fixação é diferente da de um solo mais sedimentado", explicou.

O relatório deve indicar, ainda, materiais para manutenção — se, por exemplo, as estruturas demandam algum óleo especial para uso e qual seria esse óleo —, troca de peças específicas e tempo de manutenção destas, o qual pode ser diferenciado a depender da localidade.

Manutenção de equipamentos


A verificação e a manutenção de equipamentos, portanto, são distintas, demandando níveis de atenção diferenciados. O representante do Corpo de Bombeiros indicou a existência de três graus de manutenção, que variam conforme o nível de atenção empregado na atividade.

A manutenção de primeiro escalão, explica o tenente-coronel, é feita de modo mais superficial, baseada no olhar, enquanto a de terceiro escalão, é mais profunda. Neste caso, o responsável pela manutenção pode chegar a abrir e desmontar a estrutura, retirar peças, entre outros.

"Percebendo algum tipo de avaria, ele [o responsável pela manutenção] pede a substituição da peça, ou conserto do brinquedo, ou uma avaliação mais aprofundada", afirmou. A pessoa, porém, deve igualmente seguir critérios técnicos para tal, sendo habilitada tecnicamente.

"Há cursos. Do mesmo jeito que tem técnico de enfermagem, por exemplo, tem técnicos de mecânica e eletricidade. Na formação deles, eles têm essas habilitação para fazer essas inspeções", disse Giuliano Rocha.

Documentação


O tenente-coronel indicou que os bombeiros geralmente fazem vistoria de equipamentos e estruturas abertas ao público. No entanto, há lacunas nessas ações, visto que a atividade da tirolesa nem sempre é feita seguindo aspectos formais.

"A legislação é bem clara e diz que todo estabelecimento tem de ser vistoriado, mas aquele é um equipamento solto", destacou o tenente-coronel, complementando que o Corpo de Bombeiros, quando acionado, presta-se a verificar se os mecanismos estão em conformidades com as normas técnicas.

"Se o Corpo de Bombeiros vai vistoriar um parque, um estabelecimento, vai pedir a ART dos equipamentos, mas, numa praia, que [o equipamento] não tem dono, não tem como se exigir a ART. O dono, quem montou aquilo, tem de ter; parte da iniciativa privada garantir a segurança privada dos usuários."

Quando a instituição é acionada, avalia a estrutura e solicita apresentação da ART para, posteriormente, emitir um Certificado de Conformidade. "Mesmo fazendo a vistoria de um equipamento ou brinquedo, ainda assim precisa da ART, pois a vistoria é superficial", ressaltou Giuliano Rocha.

Vinícius Martins, atualmente envolvido como consultor em um projeto de revisão de tirolesas em processo de embargo em Caucaia, sinalizou que, não só o Ceará, mas toda a região Nordeste sofre com equipamentos em más condições no âmbito turístico.

"Você tem um conjunto de equipamentos sucateados em todo o Nordeste brasileiro, que são extremamente perigosos", disse, incluindo que, apesar de as tirolesas em Caucaia terem 200 metros, todas contarão com cabo duplo para segurança.

Dicas de segurança


O agente apontou que, embora a documentação nem sempre seja acessível, usuários de brinquedos e estruturas do tipo podem se precaver a partir da própria avaliação.

Nesse caso, os usuários podem observar componentes da estrutura, como sinais de ferrugem, fios desencapados, fuselagem frouxa e outros pontos. Sinais como esses, na perspectiva do bombeiro, podem aparentar falta de segurança.

    "Se o cidadão vai a algum estabelecimento e percebe isso, o Corpo de Bombeiros recomenda que não brinque, que vá em outro [brinquedo], que troque. Essa é uma dica de segurança para quem não tá tão confiável."

Além disso, a Abeta situou alguns cuidados específicos para uso da tirolesa por parte da clientela de estabelecimentos de turismo de aventura:

    Pessoas com cabelos compridos devem prendê-los com cuidado sob o capacete para evitar que fiquem enroscados na roldana;
    Mãos devem ficar distantes do cabo de aço e da roldana durante o deslocamento;
    Usuário deve ficar ao menos 50 centímetros abaixo do cabo para não tocá-lo.

O acidente


O acidente que matou o turista paraense Sergio Murilo Lima de Santana, 39 anos, ocorreu no último dia 10 de outubro. Nas imagens, obtidas nesta terça (25), a vítima desce na tirolesa, montada dentre dunas, até a viga colapsar durante o percurso.

Em vídeo gravado pela mulher de Sérgio, é possível ver a viga de sustentação do brinquedo tombando, deixando o homem cair com força sobre o solo. Ele chegou a ser encaminhado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região, mas morreu a caminho do local. O caso é investigado pela Polícia Civil.

O acidente com Sérgio Murilo foi o quinto ocorrido em pontos turísticos cearenses em 2022. Uma semana depois, uma turista do Mato Grosso morreu e outras seis pessoas ficaram feridas em acidente na Dona do Guriú, em Camocim, no litoral leste do estado.

 

(G1/CE)

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