Caso Richthofen: mansão vendida segue vazia e borrada no Google após 20 anos

Mansão dos Richthofen em outubro de 2002 (à esquerda); e o mesmo imóvel, pintado de branco, em outubro de 2022 — Foto: Reprodução: Arquivo/TV Globo e Kleber Tomaz/g1
Foto: Reprodução: Arquivo/TV Globo e Kleber Tomaz/g1

 

Em 31 de outubro de 2002, o casal Marísia e Manfred von Richthofen foi morto com golpes de barras de ferro na cabeça enquanto dormia no casarão de muros altos, de 1 mil m², na Rua Zacarias de Gois, no Campo Belo. A filha das vítimas, Suzane von Richthofen, além do namorado e o cunhado dela, os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, confessaram o homicídio e foram presos pela polícia.

Segundo o Ministério Público (MP), os três alegaram que os pais de Suzane não aprovavam o namoro dela com Daniel. Então, decidiram matá-los para poder ficar com o imóvel, o dinheiro e outros bens da herança da família.

Condenados a mais de 30 anos de prisão pelos homicídios na Justiça em 2006, as penas deles deverão ser extintas entre 2038 e 2043.

Dos três, Suzane cumpre a punição no semiaberto na penitenciária de Tremembé, no interior do estado. Cristian também está no mesmo regime e na mesma cidade. Já Daniel está em liberdade (saiba mais abaixo).

Mansão Richthofen

Mansão do caso Richthofen é escondida por borrão para não ser mostrada no Google Maps — Foto: Reprodução/Google
Mansão do caso Richthofen é escondida por borrão para não ser mostrada no Google Maps — Foto: Reprodução/Google


A mansão dos Richthofen havia sido comprada em 1998 por Manfred. Ele pagou à época R$ 330 mil pelo imóvel. A residência tem dois pavimentos com sala, cozinha, banheiros, suítes, escritório, biblioteca, piscina e garagem.

Em 2014, Suzane abriu mão da herança após uma disputa judicial com o irmão Andreas. No mesmo ano, ele vendeu o casarão por metade do valor de mercado. Os atuais donos, um engenheiro e uma dentista, não quiseram falar com a reportagem sobre o assunto.

Quando os novos proprietários compraram a mansão, decidiram reformar o espaço. A fachada da residência e tijolos à vista da época do crime, mostrada nas TVs e nos jornais, foi trocada. Acabou pintada de branco. A tinta cobriu também o número da casa, além das pichações que antes pediam "justiça" aos assassinos dos Richthofen.

Além de Lorenzo, que mora no bairro há quatro meses, a reportagem conversou nos últimos dias com mais três pessoas que disseram que ninguém nunca residiu no imóvel depois do crime: uma vizinha que está no bairro há décadas; um jardineiro que trabalha nos casarões próximos há nove anos e um segurança que percorre o bairro há três anos. Eles pediram, no entanto, para não serem identificadas.

Segundo eles, o atual dono da mansão e um jardineiro visitam o imóvel eventualmente, mas não moram nele.

Já no Google Maps a casa não pode ser vista . O site de buscas na internet oculta a imagem do casarão para quem quiser ver a foto a partir do endereço. No lugar onde deveria aparecer a mansão tem um retângulo que desfoca a residência para não mostrá-la.

Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o Google informou, por meio de sua assessoria de imprensa no Brasil, que não comenta casos específicos. E que, por isso, não poderia responder qual foi o motivo que levou o site a borrar a foto da mansão. A empresa também não explicou se a decisão de desfocar o imóvel foi dela ou dos proprietários.

    "Não comentamos casos específicos. O Google toma uma série de medidas para proteger a privacidade das pessoas em relação às imagens do Street View e desenvolvemos uma tecnologia de ponta para desfocar, automaticamente, rostos e placas de veículos”, informa trecho da nota da empresa. “Se o usuário notar que seu rosto ou a placa do seu veículo precisa de um desfoque mais acentuado ou que desfoquemos a imagem, casa ou carro por completo, é possível reportar por meio dos nossos canais de denúncia.”

Mesmo assim, o local continua sendo ponto de visitação de curiosos que querem saber onde ocorreu um dos crimes mais comentados no país.

Caso Richthofen

Cristian, Daniel e Suzane von Richtofen, na época em que foram presos, em 2002 — Foto: Reprodução/ Globo News
Cristian, Daniel e Suzane von Richtofen, na época em que foram presos, em 2002 — Foto: Reprodução/ Globo News



Foi dentro da mansão que Marísia e Manfred von Richthofen foram mortos com golpes de barras de ferro enquanto dormiam, em 31 de outubro de 2002. Ela era psiquiatra e tinha 50 anos. Ele, alemão naturalizado brasileiro, tinha 49 anos e era engenheiro.

Procurado pelo g1 para comentar os 20 anos do caso, o promotor Paulo José de Palma, que acompanha os processos dos condenados, informou que não poderia falar sobre o assunto porque ele está em segredo de Justiça.

Segundo a acusação do Ministério Público à época, os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos entraram na residência e mataram o casal a pedido de Suzane von Richthofen, filha das vítimas.

Suzane tinha 18 anos e iria completar 19 três dias depois do crime. Além de estudar direito, ela namorava Daniel. O rapaz, então com 21, praticava aeromodelismo. Cristian, que estava com 26 anos, não estudava e era apaixonado por motos.

Andreas von Richthofen, filho caçula do casal e irmão de Suzane, tinha 15 anos. Ele não participou do crime nem sabia do plano da irmã e dos Cravinhos de matar seus pais. O adolescente havia sido levado de carro por Daniel e Suzane a um cibercafé.


Depois o trio voltou à mansão. Suzane permitiu que os irmãos entrassem e assassinassem Marísia e Manfred. Enquanto ela ficou na sala, eles subiram ao quarto do casal, com os rostos cobertos com meia-calças e usando luvas cirúrgicas.

    "Hoje eu vejo como era feliz e não sabia. Como eu queria a minha família de volta", disse Suzane em entrevista ao Fantástico em 2005.

Daniel assassinou Manfred com golpes de barra na cabeça. Depois colocou um saco plástico na cabeça dele. E Cristian matou Marísia com pancadas de ferro no crânio. As vítimas não resistiram aos ferimentos e faleceram no local.

Os Cravinhos ainda roubaram R$ 8 mil e US$ 5 mil em dinheiro e joias. Pegaram um revólver que estava na casa e deixaram ao lado do corpo de Manfred para simular que ele tentou se defender de um roubo, mas que teria sido foi morto por um suposto assaltante.

    "Depois do que tinha acontecido, parece que acordei, para mim parecia que poderia voltar no tempo. Eu quis acordar ele [sogro], eu fazia carinho nele, eu queria acreditar que nada daquilo tinha acontecido [assassinato]", contou Daniel à Justiça na época.

Suzane e Daniel foram a um motel após o crime. Cristian pegou o dinheiro roubado e pediu a um amigo para comprar uma moto nova para ele dez horas após cometer o assassinato.

Pela manhã, Suzane buscou o irmão e chamou a Polícia Militar (PM) alegando que as portas da mansão estavam abertas. Os policiais entraram e encontraram o casal morto sobre a cama.

A Polícia Civil começou a investigar o crime como latrocínio, que é o roubo seguido de morte. Mas o circuito interno de TV e o alarme da casa estavam desligados, e não havia sinais de arrombamento no imóvel.

O caso repercutiu na imprensa. A TV gravou Suzane e Daniel chorando ao lado de Andreas no cemitério enquanto os caixões com os corpos dos pais eram enterrados.

Em 3 de novembro de 2002, ela completou 19 anos. E, no dia 7 daquele mês, a investigação viu a motocicleta nova na garagem da casa onde Cristian morava com o irmão e a família. Ele foi levado à delegacia, onde acabou interrogado e confessou como cometeram o homicídio. Suzane e o então namorado também foram ouvidos e admitiram ter participado do crime.

O motivo do crime seria, segundo os depoimentos dados à polícia, o fato de Marísia e Manfred não aprovarem o relacionamento de Suzane com Daniel, já que ela era de uma família rica, e ele não. Para a investigação, no entanto, o trio também queria ficar com parte da herança que Suzane receberia no caso da morte dos pais.

Os três foram presos preventivamente por decisão da Justiça. Depois disso, a mansão teve os muros pichados com frases e palavras pedindo "Justiça" e punição a Suzane, Daniel e Cristian.

Em 2006, os três acabaram condenados num julgamento popular. A maioria dos jurados entendeu que eles deveriam ser responsabilizados pelos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa das vítimas, além de fraude processual, porque alteraram a cena do crime. Cristian ainda foi condenado por furto.

No júri, Suzane alegou que era agredida pelo pai e estava apaixonada por Daniel. E que foi manipulada pelo namorado a participar do crime. Ela disse ainda que Daniel e o irmão dele queriam o dinheiro dos pais dela. O então namorado contou que foi seduzido por Suzane, que planejou os assassinatos dos pais.

    Quando foi julgado, Cristian chegou a dar duas versões para o crime. Na primeira, alegou que não participou, e que seu irmão Daniel havia matado Marísia e Mandred sozinho. Depois pediu para dar um novo interrogatório, no qual admitiu ter assassinado a mulher.

Suzane Richthofen

Suzane von Richtofen durante saidinha da P1 em Tremembé em 2018 — Foto: Luara Leimig/TV Vanguarda
Suzane von Richtofen durante saidinha da P1 em Tremembé em 2018 — Foto: Luara Leimig/TV Vanguarda



Após a decisão do júri em 2006, Suzane recebeu a pena de 39 anos e seis meses de prisão. Em 2021, a defesa dela recorreu à Justiça, que a revisou e reduziu para 34 anos, quatro meses e 20 dias. O g1 entrou em contato com a advogada dela, Stephanie Guadalupe, que afirmou que não irá comentar porque "trata-se de um processo que corre em segredo de Justiça".

Com 38 anos, Suzane está no regime semiaberto na Penitenciária feminina de Tremembé, interior do estado, desde outubro de 2015. Atualmente, trabalha na unidade prisional pela manhã com costura e cursa biomedicina numa faculdade em Taubaté, cidade vizinha.

Até agosto deste ano, a pena de Suzane iria até 25 de fevereiro de 2038, quando ela será considerada uma mulher totalmente livre. Mas esse tempo pode diminuir porque, pela lei, como ela trabalha na prisão, há um cálculo de remição. Essa redução permite descontar dias de pena por dias trabalhados.

Nesta semana, quando se completam duas décadas do caso Richthofen, deverá chegar à Justiça o resultado do laudo criminológico de Suzane. O documento foi exigido pela Justiça para saber se ela tem condições de progredir para o regime aberto, como quer a sua defesa.

De acordo com fontes do g1, a conclusão do exame deverá ser favorável a ela. No exame estão relatórios sociais, psicológicos e psiquiátricos para saber se ela demonstra ou não possibilidade de voltar a cometer crimes e se tem condições de voltar ao convívio social. O documento seguirá para análise do Ministério Público, que dará sua opinião. E depois vai para decisão da Justiça.

Daniel Cravinhos


Daniel também foi condenado a 39 anos e seis meses de detenção, em 2006. Ele chegou a ficar preso na Penitenciária masculina de Tremembé, no interior do estado. Mas, desde janeiro de 2018, cumpre o restante da sua pena no regime aberto, tendo de cumprir algumas exigências da Justiça.

Está morando na capital de São Paulo, onde tem de comparecer regularmente ao fórum, por exemplo. Em 2014, ele se casou com a filha de uma agente penitenciária que conheceu na prisão.

Daniel, atualmente com 41 anos, deverá terminar de cumprir sua pena em 21 de janeiro de 2041. Procurado para comentar o assunto, ele não retornou o contato feito pelo g1.

Cristian Cravinhos


Também em 2006, Cristian pegou 38 anos e seis meses de reclusão pelo crime. Além dessa condenação, ele foi condenado em 2018 a quatro anos de prisão por corrupção. Um ano antes, havia sido solto para cumprir o regime aberto, mas se envolveu numa briga num bar em Sorocaba, interior paulista.

Ele acabou acusado por policiais militares de tentar suborná-los com dinheiro para não ser detido por porte ilegal de munição de arma de fogo de uso restrito. Uma mulher chegou a chamar a Polícia Militar o acusando de agressão, mas não registrou boletim de ocorrência. Com a nova prisão, ele perdeu o benefício e voltou para a prisão. Atualmente as penas somadas são de 42 anos.

Desde março deste ano, Cristian está no regime semiaberto da Penitenciária masculina de Tremembé, interior do estado. Ele tem 46 anos e sua pena vai até 29 de dezembro de 2043.

Um filho de Cristian, que conseguiu na Justiça a retirada do sobrenome Cravinhos do seu registro, também pede que o nome do pai deixe de existir na filiação de seus documentos. A alegação é a de que o sobrenome paterno lhe prejudica na escola, onde é vítima de bullying.

O g1 não conseguiu localizar a defesa de Cristian para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem.

Andreas Richthofen

Após vender a mansão da família, Andreas Richthofen foi morar num apartamento em São Paulo, que teria comprado com parte do dinheiro do negócio. Outros imóveis do mesmo bairro onde está o casarão, e com a mesma metragem, custam em torno de R$ 5 milhões atualmente.

Após o crime, ele foi morar com tutores, sua avó e um tio. Continuou estudando e, anos depois, se formou em farmácia e química pela Universidade de São Paulo (USP).

Em maio de 2017, ele foi detido por policiais militares após invadir uma casa na cidade durante um surto psicótico.

Ele segurava uma caixa com uma medalha com o sobrenome dos Richthofen. A família, de origem alemã, tem laços com Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen, piloto de avião conhecido como "Barão Vermelho", que atuou na Primeira Guerra Mundial.


(g1)

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