Polícia Civil investiga tortura contra dois homens suspeitos de furtar picanha em supermercado no RS

Homem que furtou picanha é chutado por suspeito de tortura em supermercado do RS — Foto: Reprodução/RBS TV
Foto: Reprodução/RBS TV

 

A polícia identificou, por enquanto, dois dos cinco seguranças envolvidos nas agressões, mas não divulgou os nomes deles. Em nota, a rede Unisuper informou que "repudiamos veementemente qualquer ato de violência ou de violação dos Direitos Humanos" e que está "integralmente à disposição das autoridades para fornecer todas as informações solicitadas". A empresa Glock, que presta serviço ao supermercado, disse em nota que só vai se manifestar em juízo. Os advogados do gerente Adriano Dias e do subgerente Jairo da Veiga, também disseram que só vão se manifestar em juízo. As notas completas estão no fim da reportagem.

Os dois homens que foram agredidos não quiseram falar. Eles estão muito assustados com o que aconteceu.

    "Os cinco seguranças e o gerente devem ser indiciados por tortura e ocultação das provas. O subgerente por tortura e omissão. A polícia investiga indícios de outro crime, extorsão mediante sequestro, porque eles só foram liberadas depois do pagamento de R$ 644 exigido pelos agressores", diz o delegado.


Imagens recuperadas


O caso aconteceu no dia 12 de outubro. A polícia só ficou sabendo porque um dos homens que sofreu as agressões deu entrada no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre com ferimentos graves. Ele tinha diversas fraturas no rosto e na cabeça e precisou ser colocado em coma induzido.

Um parente da vítima contou para os agentes que o homem tinha sido espancado num supermercado em Canoas, a 20 quilômetros da Capital.

De acordo com a polícia, 31 câmeras de segurança gravaram o que aconteceu dentro do supermercado e também no depósito onde as vítimas foram agredidas. Os policiais foram até o estabelecimento coletar as imagens, mas perceberam que os arquivos haviam sido deletados logo que os agentes entraram no local. O delegado Peternelli apreendeu o equipamento de gravação, que foi encaminhado para a perícia.

O perito criminal Marcio Faccin do Instituto Geral de Perícia (IGP) do RS conseguiu recuperar os arquivos.

"Eu analisei alguns trechos até conseguir um instante em que tinha um evento que pareceu suspeito. Uma evidência de algo que a polícia estava buscando. Eles estavam tentando ocultar as provas. Eles acharam que tinham apagado, mas esses arquivos não são apagados desta forma", explica.

O que aconteceu no depósito


O que as imagens recuperadas mostram são cenas de horror no depósito do supermercado. É possível ver ao menos dois homens armados. Um homem de casaco azul é conduzido por um segurança. Retira dois pacotes que estavam escondidos na roupa e os entrega ao gerente do mercado. Nesse momento, o segurança o agride com um soco e uma rasteira.

"O primeiro rapaz ele já tem dominado, o rapaz com as carnes. E em um primeiro momento, sem nenhuma reação, ele já dá um soco na região do rosto, o que o faz cair. Então, ele já acaba sentando naquele primeiro momento e, a partir daquele primeiro golpe, ele não esboça nenhuma reação", explica o delegado.

Um dos seguranças se aproxima do rosto da vítima, faz ameaças e desfere outros golpes. O gerente e o subgerente apenas assistem. Num momento, o gerente sai do alcance da câmera do circuito interno. Três minutos depois, ele aparece com um martelo na mão e, segundo a polícia, faz novas ameaças ao homem que está no chão.

O primeiro segurança volta à cena e retoma o interrogatório clandestino. Mais doze minutos de tortura e surge um segundo segurança, de camisa amarela. Os dois agridem o homem, que é chutado por eles. O grupo se afasta e volta várias vezes, mas o homem é obrigado a ficar no depósito.

As imagens recuperadas pela polícia mostram também o momento em que seguranças abordam o homem que pegou as duas embalagens de picanha e outros produtos e os escondeu na roupa.


Segundo as investigações, ele contou aos seguranças que um parceiro dele estava no estacionamento do supermercado. Uma das câmeras mostra um segurança de camisa amarela saindo do estacionamento e voltando com a segunda vítima. Foi este outro homem que acabou dando entrada no hospital dois dias depois.

    "[O homem negro] foi o que mais apanhou, muito na região do rosto. Tem um momento que eles até jogam uma água no rosto dele, porque ele sangrava em abundância", conta o delegado.

O segurança de amarelo o obriga a se sentar ao lado da primeira vítima, e a tortura recomeça. Quem comanda a violência, nesse momento, é um dos seguranças. Ele está de casaco e usa óculos.

Em um certo momento da gravação, as luzes do depósito do supermercado são apagadas, mas a câmera registra que as agressões continuam, agora também com pedaços de madeira.

As luzes são acesas novamente e os seguranças se revezam no ataque aos dois homens. As agressões são vistas por outros homens que estão no local. O gerente e o segurança que está de casaco chegam a rir da situação.

Numa das cenas, o homem foi agredido com um pallet de madeira que é usado para acomodar as mercadorias.

"É uma cena que chama muita atenção, e logo após a agressão, a gente vê um sorriso no rosto, parece que não tem noção do quanto aquela agressão poderia ser importante, até no sentido de provocar uma morte, como quase aconteceu".

Foram 45 minutos de agressões violentas. De vez em quando, os suspeitos fotografavam as vítimas. Para a polícia, esse comportamento é uma espécie de tortura psicológica.

"Nós temos nesse primeiro momento a ideia da tortura, a tortura como forma de obtenção de provas. Eles buscaram os comparsas e eventualmente onde estavam os objetos de furto e também utilizaram essa tortura como forma de punição, naquele momento aplicando a sua pena a sua justiça privada", diz o delegado.

Peternelli condena o que mostram as imagens.


"Diversas agressões nas mãos, no rosto. Vemos momentos ali o uso de palletes, momentos com pedaço de pau, com martelos para serem usados como ameaça, vemos momentos que colocam saco na cabeça. Foi uma soma de eventos, de agressões, que chegaram até a nossa Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa".

No fim das agressões, os cinco seguranças voltaram ao depósito e posaram para uma foto comemorativa, que foi tirada pelo gerente do supermercado.


Nota da rede Unisuper


Guiados pela transparência que sempre pautou as nossas ações, informamos que chegou ao nosso conhecimento a existência de um inquérito policial referente a uma abordagem relacionada a uma ocorrência de furto. Este inquérito foi instaurado para apurar a conduta dos profissionais da empresa terceirizada Glock Segurança.

Primeiramente, queremos reafirmar que repudiamos veementemente qualquer ato de violência ou de violação dos Direitos Humanos, os quais reconhecem e protegem a dignidade de todas as pessoas e são pilares essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, e reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida, à coletividade e aos valores éticos e morais que sempre marcaram a trajetória das famílias supermercadistas que construíram a nossa empresa.

Estamos integralmente à disposição das autoridades para fornecer todas as informações solicitadas no intuito de contribuir com as investigações. Somos os maiores interessados em que todos os fatos sejam esclarecidos, confiamos no trabalho da polícia, e seguiremos colaborando com a investigação e aguardando a conclusão do inquérito pelas autoridades

Nota da defesa de Jairo e Adriano


Na condição de advogados de JAIRO ESTEVAN DA VEIGA e ADRIANO LUGINSKI DIAS, manifestamos o nosso respeito a todas as pessoas e instituições que atuam no presente caso.Porquestõeséticas e, até mesmo em respeito à autoridade policial, nossa manifestação se daráexclusivamente nos autos.

Ezequiel Vetoretti, Rodrigo Grecellé Vares e Eduardo Vetoretti.


(g1)

Postagens mais visitadas