Trem passa ‘colado’ em casas próximas à antiga linha em Fortaleza: ‘ninguém vai sair na hora’

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Foto: Eberson Caleb/Acervo Mucuripe

 

Uma antiga linha de trem de cargas passa bem perto de residências e outras construções na comunidade da Estiva, no Mucuripe, em Fortaleza. O termo correto seria “colada”, já que os moradores evitam sair de casa enquanto o equipamento faz suas manobras para não colidirem com a parede de ferro.

Uma mulher moradora do local há 50 anos, que preferiu não se identificar, conta que a proximidade das casas com a linha do trem é recente: tem seis ou sete anos. De acordo com ela, muitas pessoas decidiram se instalar lá por falta de opção e por considerarem a vizinhança segura.

Carregando cimento ou trigo, o trem costuma passar em pelo menos três horários: 6h da manhã, ao meio-dia e ao fim da tarde, geralmente 17h. “Quando buzina é porque já tá perto de vir”, comprova Jane Batista, 47, piauiense de Piripiri que vive na Estiva há 32 anos.

“A gente tem que ter cuidado pra não ter acidente. Claro que ninguém vai sair de casa na hora. Quando escuta o apito, a gente manda os meninos ficarem bem longe dos trilhos. A gente que é mãe dá mais cuidado, não dá mais essa liberdade”, entende.

Ela lembra de apenas uma ocorrência grave, quando um vagão foi grande demais para caber no percurso e acabou derrubando um muro da comunidade. Como ele passa bem devagar, a apreensão dá lugar ao encantamento: ela, que se diz fotógrafa amadora, vive fazendo registros da serpente de ferro e busca inovar nos cliques. 

Linha histórica

A linha em questão tem quase 90 anos de existência. O ramal Fortaleza-Mucuripe, com exatos 6,7 km de comprimento, foi inaugurado em 24 de dezembro de 1933. Seu percurso original ia da estação central, passando pelo Arraial Moura Brasil, pela Secretaria da Fazenda, pela Alfândega, e seguia até a ponta do Mucuripe. 

As informações foram reunidas na tese “Os meandros do habitar na metrópole: expansão urbana e controle territorial na produção do litoral de Fortaleza”, de Eider de Olivindo Cavalcante, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ela foi utilizada para viabilizar as obras do Porto do Mucuripe, já que carregava o material necessário à construção do empreendimento. A instalação da ferrovia teve mão de obra de cerca de 600 flagelados da seca de 1932, que chegavam à Capital em busca de alimento e condições de vida.

A guarda-vidas Kátia Lima, 46, nascida e criada no Titanzinho, lembra quando a linha de ferro se estendia até o Farol Velho do Mucuripe. Desde criança ela alimenta o desejo de subir nas “bochechas” do trem - prática de se pendurar nas laterais -, mas compreende os riscos.

“Ele aflora umas memórias de criança que são inevitáveis”, confessa.

Ao mesmo tempo, recorda dos perigos enfrentados por jovens praticantes do surfe ferroviário, prática de subirem no trem com os vagões em movimento.

Trem passa colado em casas em Fortaleza

Legenda: Carregando cimento ou trigo, o trem costuma passar em pelo menos três horários: 6h da manhã, ao meio-dia e ao fim da tarde, geralmente 17h

Foto: Nícolas Paulino


Em 2016, o Diário do Nordeste acompanhou um grupo de jovens que foram da Parangaba ao Mucuripe em cima do veículo. No dia seguinte, um rapaz teve a perna amputada ao cair próximo à Avenida da Abolição. 

Outra peculiaridade para quem vive perto da linha, segundo Kátia, é que de alguma forma você não se perde na hora: há sirenes e apitos marcados ao longo do dia. “Só não é bom pra quem está atrasado e pra quem quer dormir”, ri. 

Legenda: Tamanho dos vagões depende da carga transportada no dia

Foto: Jane Batista/Acervo Mucuripe


(Diário do Nordeste)

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