Entenda o que são as drogas K e por que não podem ser chamadas de maconha sintética

 

'Todo dia, toda hora' chega apreensão de droga sintética, diz diretor do IC de SP

"É uma preocupação muito grande nossa, de todo mundo que defende o uso da cannabis medicinal. Ela é vendida como maconha artificial, maconha falsa, maconha alguma coisa, com nomes que fazem alusão de que ela é mais inofensiva. Faz parecer uma coisa supernatural e pouco nociva, mas o que percebemos é que ela é uma droga sintética com um potencial lesivo grande para quem usa e podem levar a morte", afirma Fernanda Bono Fukushima professora e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Cannabis da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Segundo Fukushima, a droga sintética que vem crescendo no Brasil e no mundo foi originalmente um experimento que não deu certo como opção terapêutica. Ela é mais um "avanço" do que chamam popularmente nos Estados Unidos de "designer drugs", termo que surgiu na década de 1980 para identificar drogas sintéticas criadas acidentalmente em laboratórios de indústrias farmacêuticas.

Os efeitos das drogas K nos corpos das pessoas ainda são uma incógnita, mas os especialistas descrevem alguns sintomas:

  • causam dependência
  • atinge diversas regiões do corpo
  • tem potencial para aumentar a depressão
  • aumento da frequência cardíaca
  • ataques de raiva e agressividade
  • paranoia
  • ansiedade
  • alucinações
  • convulsões
  • insuficiência renal
  • arritmias cardíacas
  • morte

"Ela tem efeitos que podem ser realmente um risco não só para quem usa, mas também para outras pessoas que estão em contato com esse indivíduo, que pode se tornar agressivo. As drogas K são perigosas, e quando chamamos de maconha ela ganha um potencial menor. Você não ouve falar em overdose de maconha, por exemplo", afirma Fukushima.

As chamadas drogas K surgiram em laboratórios e têm como base os canabinoides sintéticos. A explicação é complexa, mas em suma quer dizer que o canabinoide feito em laboratório se liga ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum, mas em uma potência até 100 vezes maior. O governo de São Paulo diz que os efeitos da droga podem ser piores do que o crack.

A Drug Enforcement Administration (DEA) - órgão de federal de segurança do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e controle de narcóticos - alertou que a droga também pode ser encontrada em cigarros eletrônicos. O país vive uma epidemia de drogas sintéticas desde 2018, segundo a ONU.

"Nos Estados Unidos, quem faz a produção também tem o costume de juntar substância para que não pareça toxicológico criando uma mistura que dificulta a identificação da molécula", afirma. O Brasil segue os mesmos passos.

Como surgiu?

  • Na década de 80, o químico norte-americano John W. Huffmann, começou a sintetizar canabinoides, na busca de medicamentos para o alívio do sofrimento de pacientes. A pesquisa era financiada pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos. Huffman e sua equipe teriam desenvolvido mais de 400 compostos canabinoides sintéticos.
  • Em entrevista ao jornal "The Washington Post" em 2015, Huffmann revelou que sintetizou um composto em 1993 e publicou a fórmula em uma série de artigos e revistas.
  • Em 2008, os compostos foram identificados em um laboratório forense na Alemanha. Os fabricantes colocaram o sintético em folhas de plantas e venderam com o nome de spice.

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que, até o momento, em 2023, foram registradas 216 notificações de casos suspeitos de intoxicação exógena por canabinoides sintéticos, o nome técnico das drogas K, mais do que o dobro registrado em 2022 _ 98 notificações. Os números de notificações são tanto da rede pública, quanto da rede privada.

Por que drogas sintéticas são um desafio?

  • Pela dificuldade de fiscalização. Os traficantes da drogas misturam em chás, por exemplo, para dificultar a identificação.
  • Crianças e adolescentes andam em grupos pelas ruas das cidades e migram para vários lugares sem parar em pontos específicos, o que dificulta o rastreamento e acolhimento
  • Pelo alto poder de dano aos usuário. São drogas com um potencial danoso absolutamente estarrecedor
  • Pela probabilidade de microtraficantes espalhem essa droga de maneira difusa
  • Pela perpetuação no vício que pode levar ao cometimento de delitos para sustentá-lo.

Crianças e adolescentes

Diante desse aumento expressivo, a Secretaria publicou no Diário Oficial (DO), na semana passada, uma nota técnica para assistência a crianças e adolescentes por intoxicações por canabinoides sintéticos.

A Secretaria destacou o Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo (CCI-SP), instalado no Hospital Municipal (HM) Arthur Ribeiro de Saboya, para atender os usuários de drogas K. O CCI dispõe de um serviço à população e profissionais da saúde que fornece informações toxicológicas para o diagnóstico, tratamento e prognóstico de intoxicações, sobre a toxicidade de produtos químicos e a prevenção dos agravos à saúde causados por substâncias químicas.

Uma das dificuldades enfrentadas atualmente é a falta de dados sobre vítimas de drogas K. Os que circulam sem fontes oficiais não devem ser considerados e mesmo os oficiais ainda são imprecisos. Também não há um método que identifica a causa mortis de alguém pelo uso dessas drogas. A Polícia Científica está ciente e disse que vem desenvolvendo novos métodos que acompanhem a nova realidade.

Pessoas simplesmente somem

Ao g1, um guarda da região central contou que pais de vítimas mortas após usar o K4 acreditam que filhos morreram por causa do crack. Tese corroborada pela ONG que atua ao lado das crianças e adolescentes no Centro.

"A gente só sabe quando as famílias entram em contato ou a notícia corre entre as próprias crianças que a gente atende”, disse Vania Coutinho, coordenadora do Gente de Perto, projeto que faz parte da ONG ABBA e atua nas regiões do Centro - Praça da Sé, Pateo do Collegio, Liberdade, Avenida Paulista e arredores. “Essas crianças são invisíveis a vida inteira e depois da morte também”. Ela prefere não divulgar o número de jovens que simplesmente some.


Em todo lugar

Uma máxima entre assistentes sociais é a de que os “traficantes sempre saem na frente e muito tempo depois os órgãos de combate ao narcotráfico saem atrás”.

Em março, o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc/SP) afirmou que o combate às chamadas drogas k são uma prioridade para a Segurança Pública.

O Denarc apreendeu 35,1Kg de drogas K de 2021 a 2023, sendo 5,7 Kg em 2021, 11,6 kg em 2022, e 17,8 Kg nos quatro primeiros meses deste ano. Parece pouco, mas uma folha de tamanho A4, uma das formas em que a droga se apresenta, pode conter até 1,2 mil micropontos ou selos (equivalentes a doses) ativos. A Zona Leste é o principal foco no momento.

Procurado, o Ministério da Justiça se pronunciou sobre o tema.

“Alterações no número de apreensões podem refletir diversos fenômenos, tal como uma maior oferta e demanda de uma droga nos mercados ilícitos, mas também flutuações neste mercado por outros fatores (por exemplo, restrições em substâncias precursoras) ou um maior esforço por parte instituições de segurança pública e de saúde em identificar estas drogas em suas ocorrências”. No momento, a pasta está analisando informações para verificar se existe a necessidade de alguma ação específica de âmbito nacional, em especial por meio do Sistema de Alerta Rápido de novas Drogas.

“Você encontra em qualquer esquina” foi uma das frases que o g1 mais escutou nas últimas semanas. “O comprometimento da integridade física e mental causado pela droga sintética está escancarado”, afirma o promotor do Gaeco.

Durante o processo de elaboração da reportagem, o g1 recebeu relatos de ao menos quatro apreensões. “De K9 foram umas 50 porções prontas para venda”, disse Estevão Castro, Delegado de Polícia Assistente da DISE Carapicuíba. Na quarta-feira, 19 de abril, mais 60g de drogas K foram apreendidas pelo Denarc.


K9, K2, K4 são apenas nomes dado à mesma droga. O que muda é a maneira como a droga é consumida:

  • seja em papel borrifado com a substância
  • seja em selo, micropontos
  • inalado direto da pipeta
  • seja misturado em ervas para fumo em cigarro
  • ou sais para inalar.

"É vendido também como um incenso e até no envelopinho está escrito que não é para ser fumado, nem inalado, mas as pessoas que compram sabem e acabam utilizando com esse fim. Até pouco tempo atrás, elas não estavam dentro do rol das drogas propriamente ditas, porque nem eram conhecidas como tal", afirma Fernanda Bono Fukushima.

Em fevereiro, uma mensagem entre dois integrantes do PCC foi interceptada numa operação “proibia o uso e a venda da spice na região da Cracolândia”. Estão presos. Não foram bons sentimentos que motivaram a tal proibição, mas lucros. O estado dos usuários estava chamando a atenção. “Quando acontece uma proibição assim, logo surge um novo nome. Daí o traficante diz que não está vendendo K4, e sim a K9”, explicou um dos entrevistados.

A Secretaria da Administração Penitenciária respondeu que mantém suas ações preventivas e vem reforçando seus procedimentos para impedir a entrada de drogas nos presídios paulistas. Somado a isso, realiza em suas unidades o treinamento dos agentes para que evitem casos como os da droga sintética K4. Neste ano, até março, foram 528 casos. Quase a totalidade dessas apreensões se deu antes da entrada na unidade, sendo apreendidas pelos policiais penais durante revista. Após apreendida, a droga segue para a policia científica.

O que diz a ciência

Uma apreensão acabara de chegar no IC nesta quarta-feira (26). Num saco plástico, centenas de pipetas com ervas que cheiravam à camomila. “Tem sido bem comum, isso é todo dia”, comenta Alexandre Learth Soares, diretor do Núcleo de Exames de Entorpecentes do Instituto de Criminalística - Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado.

Quando as pipetas com droga e cheiro de camomila chegaram ao IC elas foram:

  • protocoladas
  • pesadas
  • fotografadas
  • Uma fração da amostra é retirada e levada para análise

São utilizados equipamentos de última geração utilizados nas melhores polícias do mundo.

Em 14 minutos, define-se é uma droga clássica ou de uma droga sintética, seja um opióide sintético, seja um canabinoide sintético.

O laudo não detalha a "qualidade da droga". Logo, a hipótese de vários nomes para a mesma droga _ K2, K9, Spice_ ter relação com a potência caem por terra. Todas as drogas K citadas são canabinoide sintético.

Para cada prisão em flagrante, o laboratório tem que produzir um laudo de constatação. E tem dez dias para produzir o o laudo definitivo.

“É aqui que a gente sabe qual molécula foi administrada. E ela é muito perigosa. Primeiro que é um fenômeno novo. Então a gente não conhece a fundo os efeitos, tanto agudo, quanto possivelmente crônico dessa droga. Mas com uma pequena variação de dosagem o usuário pode ter uma overdose”, explica Alexandre.

Outro desafio é o de que criminosos estão sempre tentando inovar e laboratórios também têm que adquirir novos equipamentos para identificar essas novas substâncias. Existe uma máxima repetida pelo jornalista Ben Westhoff de que “a química está sempre um passo à frente da Justiça”.

Há 5 anos, 95% das apreensões recebidas eram de maconha e cocaína. Agora, os sintéticos que eram 5%, passaram a representar 15%. “Em praticamente toda grande apreensão a gente localiza também drogas sintéticas junto”, diz o diretor.

A matéria-prima para a fabricação da droga chega ao Brasil pelo contrabando em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Aqui são misturadas até com pesticida. Mas também há o contrabando local que envolve desvios com farmacêuticas. São transformadas em um líquido transparente que pode ser borrifado em qualquer coisa que seja consumida. Esse é outro perigo.

Desde que essas drogas passaram a ser identificadas, o MP passou a agir mais. Um caso famoso do Gaeco é o de São José do Rio Preto. Uma organização criminosa se valeu do sistema prisional como um balão de ensaio inicial para essa comercialização. “Nesse momento nós identificamos que a organização criminosa tinha um setor próprio que cuidava disso".

Sintéticas não são o futuro do tráfico de drogas, são o presente que se acelera brutalmente. Um presente que atinge principalmente jovens pobres e vulneráveis.

Ao g1, o Ministério da Saúde diz que atua no fortalecimento da rede de atenção psicossocial do SUS.

"Uma das primeiras atuações da atual gestão foi a criação da diretoria de Saúde Mental, que já está preparando a rede pública para uma ampliação dos serviços através da habilitação de novos centros de atenção psicossocial e da qualificação do atendimento.

A pasta iniciou também um movimento de revisão e readequação do modelo de atenção à saúde mental, observando o surgimento de novos fenômenos de relevância epidemiológica surgidos ao longo dos últimos anos, em especial com pandemia da Covid-19.

O Ministério da Saúde apoia o desenvolvimento de uma política de cuidado a usuários de drogas de forma integral e com acesso universal." 

G1

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