Peixes consumidos pela população em 6 estados da Amazônia têm contaminação por mercúrio, indica estudo


Pesquisadores estudaram 1.010 peixes de 80 espécies da Amazônia — Foto: Fiocruz/UFOPA/Greenpeace/Iepé/ISA/WWF-Brasil/Divulgação
Foto: Fiocruz/UFOPA/Greenpeace/Iepé/ISA/WWF-Brasil/Divulgação

 


 Um estudo inédito identificou que peixes consumidos pela população em seis estados da Amazônia brasileira têm contaminação por mercúrio com concentração do metal 21,3% acima do permitido

Segundo os dados, entre os estados pesquisados, Roraima tem o maior índice de contaminação: 40% dos peixes analisados possuem índices do metal pesado altamente tóxico superior ao limite recomendado pelas regras sanitárias e de saúde. No estado, a análise foi feita em Boa Vista.

A pesquisa foi feita por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil.

No estudo foram incluídos dados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Para chegar ao dado, a pesquisa avaliou peixes vendidos em estabelecimentos comerciais em cidades nos estados e, depois, foi produzida uma média.

No Amazonas, há cidades em que esse índice sobe para 50% (Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira). No entanto, na média, somando todos os municípios estudados, o volume geral é menor que Roraima. (Veja detalhes no mapa abaixo)

Para os pesquisadores, essa alta tem relação com o avanço de garimpos de ouro. Foram coletadas amostras de 80 espécies de peixes em todas as capitais destes estados e de outros 11 municípios do interior.

MÉDIA DE PEIXES CONTAMINADOS POR ESTADO

    Acre: 35,90%
    Amapá: 11,40%
    Amazonas: 22,50%
    Pará: 15,80%
    Rondônia: 26,10%
    Roraima: 40%

A presença do mercúrio no organismo humano pode causar problemas de saúde que afetam o sistema nervoso, sendo mais grave o consumo por grávidas, por sua interferência na saúde do bebê, e para crianças (entenda ao final da reportagem).

A Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO/WHO) e a Agência de Vigilância Sanitária brasileira estabelecem teor de 0,5 micrograma por grama. Essa foi a base de cálculo usada no estudo para chegar ao nível de contaminação. Roraima ultrapassou de 5,9 a 27,2 microgramas esse potencial ingestão de mercúrio pela população por meio de peixes.

No estado, a pesquisa se concentrou em peixes que seriam vendidos para a população na capital Boa Vista. Pesquisadores coletaram 75 peixes de 27 espécies direto de pescadores em quatro rios: Uraricoera, Mucajaí, Branco e Baixo Rio Branco. Entre as espécies analisadas com maior contaminação estão o coroataí, barba chata, piracatinga, filhote e peixe cachorro.

Consumo do peixe por faixas de idade

O estudo, denominado "Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia Brasileira", foi desenvolvido de março de 2021 a setembro de 2022, com amostras de 1.010 peixes coletados nos 17 municípios, incluindo as capitais.

Para identificar o nível de contaminação dos peixes, os pesquisadores fizeram as coletas dos animais em mercados públicos, feiras-livres ou direto com pescadores - como foi o caso de Roraima. Depois, analisaram o impacto dessa contaminação na saúde humana, usando como parâmetro o consumo de peixe entre quatro grupos: homens adultos, mulheres em idade fértil, crianças de 2 a 4 anos, e de 5 a 12 anos.

"Fizemos o cálculo médio do peso corporal de cada um desses grupos, avaliamos o consumo estimado padrão em grama por dia de pescado. Baseado nos níveis de mercúrio detectados, chegamos ao número que é uma estimativa da ingestão média diária de mercúrio. Com base nessa ingestão, comparamos esse número calculado com uma outra referência de ingestão", explica o pesquisador da Fiocruz, Paulo Basta.

O levantamento tinha como objetivo avaliar qual o risco para a saúde humana em caso do consumo de peixe contaminado por mercúrio. O resultado em todas as regiões analisadas coloca em alerta a saúde pública, na avaliação os pesquisadores.

Os estudiosos afirmam que é necessário que o governo brasileiro desenvolva políticas públicas e programas que visem a garantia da segurança alimentar das populações mais afetadas, respeitando a soberania alimentar e o modo de vida de casa região.

    “Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé.

Do total geral de peixes estudados, 110 eram herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores do que as espécies não-carnívoras.

A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não-carnívoros

Riscos à saúde

Altamente tóxico, o mercúrio é usado por garimpeiros que atuam ilegalmente na Amazônia durante a exploração de ouro, principalmente em territórios indígenas, como a Terra Yanomami. O metal é utilizado para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo "limpo".

Depois desse processo, o mercúrio é despejado no ambiente e, sem qualquer cuidado, se acumula nos rios e entra na cadeia alimentar por meio da ingestão de água e peixes.

Como consequência, o mercúrio no organismo pode causar graves problemas de saúde que afetam o sistema nervoso (potencial neurotóxico). O metal líquido fica retido no organismo devido à capacidade de bioacumulação. Além disso, a concentração aumenta em cada nível da cadeia alimentar.

Considerando a população de Roraima, o estudo indicou que estão mais vulneráveis à contaminação mulheres em idade fértil, que estariam ingerindo até oito vezes mais mercúrio do que a dose indicada, e crianças de 2 a 4 anos, com até 27 vezes mais do que o recomendado.

“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem."

    "De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, reforça Basta.


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