Advogada fez cópia das conversas em que policial penal cometia assédio — Foto: Arquivo pessoal |
O policial penal acusado de assediar advogadas foi afastado, novamente, do seu cargo. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) confirmou que um ofício da Controladoria Geral de Disciplina foi enviado à pasta.
Esse documento estabelece que o agente está afastado dos plantões tradicionais e só pode exercer funções administrativas até a conclusão do processo interno.
Além disso, ele perdeu o porte de arma. Ainda não há informações sobre a duração desse novo afastamento.
O policial penal foi denunciado formalmente suspeito de assediar sexualmente uma advogada que atendia em uma unidade prisional da Região Metropolitana de Fortaleza. Após a denúncia da primeira vítima, pelo menos outras cinco advogadas que atuam no mesmo local relataram ter passado por situações similares. Ele entrava em contato por ligações telefônicas e perfis falsos nas redes sociais.
A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos da Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informou que instaurou processo disciplinar em desfavor do policial penal para as devidas apurações na seara administrativa, o qual se encontra em fase processual final, seguindo o ordenamento jurídico pátrio.
“Eu não compreendo porque a CGD revogou a suspensão dele. Eu acredito que só suspenderam por um prazo de 120 dias, mas o delegado da DAI havia me garantido que esse homem não tem a menor condição de voltar a trabalhar diretamente com as advogadas”, lamentou uma das vítimas.
Foi ela quem, à época, conseguiu convencer o suspeito a realizar uma videochamada, e capturou a imagem do rosto dele — posteriormente identificado como agente penitenciário da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL 2), em Itaitinga. Ele aceitou a videochamada após ela fingir que estava interessada nas propostas dele.
“O processo contra ele continua parado, mesmo ele sendo réu confesso, e caberia ao secretário Mauro Albuquerque colocá-lo em uma função administrativa”, reclamou a advogada. Ela disse ainda que tentou pedir medida protetiva contra o policial penal, mas a solicitação não pode ser feita porque a situação acontece em ambiente de trabalho.
“Como fica a situação das advogadas, das vítimas, tendo de dar de cara com o agressor delas?”, questiona a vítima
A CGD disse que o inquérito policial instaurado está sendo conduzido pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI). Diligências estão em andamento para apurar a conduta do policial na seara criminal.
Já a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização disse que repudia qualquer ato que ofenda a dignidade e o exercício profissional das mulheres. “A SAP também pontua, como princípio, que respeita e é colaboradora dos trabalhos desempenhados pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança”, complementou o órgão.
O policial penal, conforme a advogada que denunciou, não teria retornado ao trabalho na mesma unidade em que estava anteriormente, contudo foi colocado em uma penitenciária onde ela também possui clientes.
"Então, eu fui obrigada, por receio e estar em situação de risco, a deixar de atender lá. Eu tenho evitado. Só de pensar em ir lá eu já sinto um mal-estar muito grande, inclusive, passei a tomar remédios para a ansiedade para controlar o que sinto", lamentou a vítima.
Já a Ordem dos Advogados do Ceará informou que tomou conhecimento do caso e já está requerendo à CGD o afastamento cautelar imediato do policial penal através de medidas protetivas. "É inadmissível que a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) permita que um policial penal, acusado gravemente por crime sexual, permaneça exercendo as mesmas funções", declarou a entidade.
Mais de 30 ligações
“Nas ligações, o interlocutor falava diversas imoralidades, que estava se ‘masturbando’, que ia fazer isso e aquilo comigo. De início eu esculhambava, pedia para me deixar em paz. No entanto, ele insistia chegando a ligar mais de 30 vezes. Essa situação não parou, pelo contrário, foi se agravando”, relatou a vítima.
O homem ligava — com número oculto — para as vítimas e também mandava mensagens através de um perfil falso nas redes sociais. Quando denunciou, a advogada que conseguiu identificá-lo passava pelo assédio constantemente há um ano — mesmo período de tempo em que as outras vítimas foram assediadas pela primeira vez.
“Agi por conta própria para tentar identificar o assediador e desta forma fingi que queria e pedi a ele para fazer uma chamada de vídeo. Consegui então a foto e hoje buscamos os órgãos competentes para punir o agressor. Ainda estou muito abalada, pois as palavras de assédio são de extremo grau de ofensa, imoralidades e ainda pelo visível grau de descaso que o agente apresenta, demonstrando não temer a justiça e agindo como um maníaco sexual”, complementou a advogada.
“Toda vez que ela saía para realizar os atendimentos penitenciários, acontecia essas ligações com palavras do mais baixo calão possível. Perguntando quanto era o 'programa' dela, dizendo que ela estava muito linda com roupa tal. Aí ela começou a observar [como acontecia]”, explicou Raphaele Farrapo, advogada que representa as vítimas.
A advogada disse que a cliente dela, então, recebeu uma ligação em que o suspeito comentou sobre a roupa que ela usava. Foi neste momento em que ela identificou a unidade onde ele trabalhava, já que no mesmo dia ela usou a vestimenta para ir exclusivamente à CPPL II.
Raphaele Farrapo explicou que relatou o caso em um grupo de aplicativo de mensagens, onde tinha outras advogadas. Então, as outras vítimas entraram em contato com ela, após notarem a similaridade dos casos. As vítimas desconfiam que o homem teve acesso aos números delas que constam no sistema da SAP, já que trabalham nas unidades prisionais do estado
Casos similares
Agente penitenciário trabalha na CPPL II, em Itaitinga, Grande Fortaleza. — Foto: Cid Barbosa/SVM |
Uma segunda advogada registrou um boletim de ocorrência quando começou a receber as ligações telefônicas de um número oculto. Ela, inclusive, tentou quebrar o sigilo da identidade do proprietário do contato.
“A pessoa deu boa tarde e perguntou se eu estava em atendimento, ao acreditar que se tratava de um cliente, então pedi para enviar uma mensagem pelo whatsapp. No instante a pessoa disse que não poderia, e disse que queria pagar a mais pelo meu atendimento”, relatou a vítima no boletim de ocorrência.
"A pessoa ligou novamente dizendo que, ao me ver na unidade penitenciária em atendimento, ficou interessado e queria pagar R$ 2 mil para sair comigo, eu disse que não estava entendendo. Rebati dizendo que ele estava confundindo minha profissão, que eu era advogada e não garota de programa”, complementou a advogada.
Já outra vítima relatou ao g1 uma situação similar às outras duas. A terceira advogada disse que, há cerca de um ano, recebeu também ligação de número sem identificação. O homem também a questionou se ela se prostituía, e quanto cobrava.
"’Qual é o seu valor? Quanto é que você cobra? Qual o valor do seu programa?’. A ligação era como se fosse em um banheiro, em um local fechado com eco", relembrou a vítima.
Ela disse que desde o ocorrido não atendeu mais ligações de números não identificados, e pediu que fossem retirados os dados dela do sistema da SAP. Apesar da similaridade, a advogada não denunciou o caso — até a publicação desta reportagem — por acreditar não ter provas suficientes. Contudo, ela informou que vai atuar como testemunha no processo.
"Eu me prontifiquei a ajudar porque eu sei que de alguma forma a voz dela [da vítima que conseguiu a videochamada] pode ser calada por conta de machismo", declarou a advogada.
OAB repudiou o caso
A Ordem dos Advogados do Brasil — Seção Ceará (OAB/CE) informou que acompanhou o caso através da diretoria da Comissão da Mulher Advogada e da Comissão de Direito Penitenciário. O órgão lançou uma nota de repúdio.
"Nas inúmeras ligações feitas por esse policial penal, o mesmo além de assediar moralmente e de forma sexual a causídica, também profere diversas imoralidades contra a mesma. Importante destacar que compete à Secretaria de Administração Penitenciária zelar pelos dados relativos aos advogados que militam nas Unidades penitenciárias já que todos fazem um cadastro no sistema que é manuseado pela SAP", disse o órgão.
"Assim, portanto, a OAB-CE frisa a recorrente violação das prerrogativas dos advogados por parte da Secretaria e destaca que não admitirá qualquer espécie de discriminação e preconceitos contra advogadas e advogados", destacou a nota.
(G1/CE)