'O cara da casa de vidro': os bastidores da investigação contra o bicheiro Bernardo Bello

 Bernardo Bello é procurado por três crimes — Foto: Divulgação

Carlos Daniel atuou pontualmente como o advogado da viúva do ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega (morto em confronto na Bahia, em fevereiro de 2020), Julia Lotufo. Ela foi alvo do Ministério Público, em março do ano seguinte, por suspeita de lavagem de dinheiro e organização criminosa – teria feito uso do dinheiro oriundo do espólio do ex-marido.

À época, ela tentou fazer um acordo de delação premiada. Foi neste momento que o advogado Carlos Daniel Dias André começou a entrar na mira do contraventor Bernardo Bello.

Três pessoas foram presas acusadas de participação no assassinato de Carlos Daniel, em maio do ano passado.

O que foi divulgado pela polícia é que o advogado acabou morrendo depois de ter levado uma testemunha para depor na delegacia contra a quadrilha que tentava se apropriar e lavar dinheiro numa empresa de churrasco.

O g1, no entanto, apurou que a irritação de Bernardo Bello com o advogado já tinha origem em outro episódio.

Na proposta de delação – que acabou sendo recusada pelo MP, já que as promotoras entenderam não haver fatos novos e relevantes –, Lotufo centrou fogo no contraventor. A delatora o tratava no depoimento como chefe do Escritório do Crime, um grupo de matadores profissionais que era comandado pelo ex-marido dela.

Júlia, nesta época, já estava em outro relacionamento, com um empresário do ramo do azeite Eduardo Giraldes, o Dudu do Azeite Royal. Seu marido tinha Carlos Daniel prestando serviços advocatícios.

Daniel também advogava para o grupo do contraventor Rogério Andrade, que havia declarado guerra a Bernardo Bello, em virtude de outras desavenças relacionadas à máfia dos caça-níqueis.

Bello passou a acreditar, então, que Daniel havia ligado as duas pontas e levado Júlia Lotufo para o MP. E que as orientações para o colocar como principal alvo vinham da mente do advogado.

Em um dos anexos de sua delação, Lotufo revela que Bernardo procurou Dudu do Azeite várias vezes para que ele evitasse que ela o denunciasse.

O contraventor teria se reunido dentro do condomínio do empresário, em um carro, no estacionamento. A conversa acabou sendo gravada. E Daniel foi acusado de ter sido o autor da gravação.

A ex-mulher de Adriano entregou com a deleção imagens do sistema de vigilância do condomínio que registraram o encontro.

Um rastro de sangue na 'Família Garcia'

Durante os últimos dez anos, Bello foi o responsável por administrar o espólio de Waldemir Paes Garcia, o Maninho, executado em 2004, em um crime que jamais foi esclarecido.

Casado com Tamara, uma das filhas gêmeas do patrono da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, Bello passou a ter problemas com a própria família do ex-sogro.

O primeiro a morrer foi José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, em setembro de 2011, dentro de um centro religioso em Jacarepaguá.

Em abril de 2017 foi a vez de Myro Garcia, o Mirinho, irmão mais novo dos gêmeos, ser assassinado num suposto sequestro. Dois homens foram condenados, mas o mandante jamais foi descoberto. A família apontava Bernardo como o principal suspeito.

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Quatro meses mais tarde, em fevereiro de 2020, durante o Carnaval, o irmão de Maninho e tio de Shanna, Alcebíades Paes Garcia, o Bid, foi executado na porta do condomínio da namorada, também na Barra da Tijuca.

Ele chegou a ter a prisão decretada, mas havia fugido para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Depois passou pela Holanda e acabou sendo preso na Colômbia. Mas, em maio do ano passado, ele ganhou um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça e acabou solto.

Em março deste ano, Bello voltou a ter a prisão decretada e, desde então, é foragido, respondendo atualmente por três crimes:

O 'cara da casa de vidro'

Mansão do bicheiro Bernardo Bello na Barra da Tijuca — Foto: Reprodução

As questões giravam em torno dos valores que Bernardo deveria repassar à Família Garcia, a dona dos pontos de bicho de regiões como Vila Isabel, Centro e Zona Sul.

Shanna considerava que o montante repassado não era suficiente. Chegou a pedir para que Rogério Andrade intercedesse, o que acabou sendo foi feito. Bernardo voltou a pagar durante um tempo. Depois, voltou a não repassar o que havia sido estabelecido.

Detalhe da entrada da casa de Bernardo Bello — Foto: Reprodução

Esses problemas começaram ainda antes da morte de seu antigo sócio na exploração de máquinas caça-níqueis, o Capitão Adriano da Nóbrega.

Na proposta de delação premiada, Júlia Lotufo chega a dizer que, em 2019, Bernardo teria dito a interlocutores do governo estadual que o ex-oficial do Bope deveria ser morto. E teria argumentado que isso seria bom para todos, tanto para o discurso das autoridades no combate ao crime organizado, quanto para seus negócios.

Adriano Magalhães da Nóbrega foi morto em Esplanada, no interior da Bahia, dia 9 de fevereiro de 2020, durante um cerco policial.

Horas mais tarde, exatamente às 21h02, um de seus aliados, Ronaldo César, o Grande, tem uma ligação telefônica interceptada pelos investigadores, dentro da chamada "Operação Intocáveis", do MP, que desmantelou a milícia de Rio das Pedras.

Durante 20 minutos ele conversou com uma mulher, que acabou não sendo identificada, e revelou exatamente a preocupação de que Bernardo parasse de repassar a parte destinada a Adriano na sociedade da jogatina.

Bernardo Bello é chamado na quadrilha de "Baixinho" ou "Cara da Casa de Vidro" – apelido que faz referência à sua mansão na Barra da Tijuca, alvo de buscas na última quinta-feira, onde há vidros espalhados por toda parte, alguns deles blindados.

No diálogo, Grande diz que alertou Adriano de que iria acontecer alguma coisa ruim com ele. E contou para sua interlocutora que iria "ligar pro Cara da Casa de Vidro", pois queria saber "como vai ser o mês que vem", numa clara referência à partilha dos lucros da quadrilha.

"A parte do cara tem que ir", disse Grande, que ainda completa dizendo não saber se "o outro (Bello) vai continuar pagando".

De lá pra cá, o bicheiro dobrou a aposta. Aumentou sua segurança e inflacionou o mercado ilegal de venda de armas.

Fuzis apreendidos em favelas do Rio de Janeiro passaram a ser adquiridos com maus policiais por valores ainda maiores – hoje uma arma dessa gira em torno de R$ 100 mil. E isso foi gerando mais mortes.

Para reforçar seu time nessa disputa, Bernardo fez uma aliança com a milícia. Recrutou Marco Antônio Figueiredo Martins, o Marquinho Catiri, que controlava favelas das zonas Norte e Oeste. Ele virou um braço armado da quadrilha e passou a administrar um pedaço da região da Tijuca.

Numa reunião dentro de um galpão que envolveu seu grupo e aliados de Shanna Garcia, a filha de Maninho teria agredido o miliciano com um tapa no rosto durante uma discussão.

Miliciano morto e mais sangue

Dois homens foram presos e outros três são procurados, entre eles o policial militar Rafael do Nascimento Dutra, do 15º BPM (Caxias), conhecido como Sem Alma.

Cartaz do Disque Denúncia pede informações sobre o PM Rafael Dutra, o 'Sem Alma' — Foto: Divulgação

Adilson Oliveira, o Adilsinho — Foto: Reprodução/Fantástico

Ele chegou a ser investigado pela Polícia Federal, foi alvo de duas operações e ficou foragido. As operações "Fumus" e "Smoke Free' acabaram trancadas pelo STJ.

Em uma dessas ações desencadeadas pela PF e pelo MP, uma planilha foi apreendida. Nela estavam registrados os gastos com segurança. Numa lista de nomes aparece, dentro da equipe B, os nomes 'Dutra', Lima, Edson e Lemos. Dutra, segundo investigadores, seria Sem Alma.

Edson Costa, lotado no 16ºBPM (Olaria), também sofreu buscas na operação da DH e acabou preso em flagrante por porte de carregadores e munições de fuzil. Um outro PM, de sobrenome Lemos, também foi alvo de busca e apreensão.

Em abril, mais sangue foi derramado na guerra dos caça-níqueis. Pelo menos duas pessoas foram assassinadas, entre elas um PM, e quatro ficaram feridas nas regiões da Tijuca, Vila Isabel e Estácio.

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"Eu tenho certeza que foi o pessoal do Adilsinho, querendo tomar o ponto de bicho nosso, Rogério Andrade e o Vinicius Drummond, dono do local. Eu trabalho com isso há 20 anos. Estão passando há dois meses, passando nos pontos, dizendo que quem não trabalhasse para eles ia morrer", disparou o homem em uma coletiva de imprensa, na porta da delegacia.

Dias depois, uma outra investigação chegou a Luiz Cabral como principal suspeito de um outro assassinato praticado na zona norte. Ele está foragido desde então.

Bernardo Bello, ao menos por ora, se rendeu aos rivais. Seus pontos passaram a ser administrados por outros grupos. Foragido, o bicheiro terá mais dificuldades caso queira retomar o controle de tudo, segundo as investigações.

Caso Marielle

Outro personagem ligado a Bello está ligado a outro crime que chocou o mundo: a morte da vereadora Marielle Franco, em 2018.

Segundo a delação de do ex-PM Elcio Queiroz, o ex-sargento da Polícia Militar Edmilson da Silva Oliveira, conhecido como Macalé, foi quem fez o elo entre os mandantes e o ex-PM Ronnie Lessa.

Lessa e Elcio estão presos como os executores da ordem para matar Marielle. Segundo a investigação, Elcio dirigiu o carro e Lessa efetuou os disparos – que também mataram o motorista Anderson Gomes.

Macalé tem longo histórico de denúncias de envolvimento com a contravenção, milícia e grupos de extermínio, e teria sido segurança de Bernardo Bello, antes de ser executado em 2021.

No sábado, o jornal Folha de S.Paulo publicou que o delator diz que Bello está envolvido na morte de Marielle. Segundo a reportagem, o bicheiro teria fornecido carro e celular para o crime. 

    G1

 

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