Alunos denunciam agressões físicas e pressão psicológica durante formação da Guarda Municipal no Ceará

 Imagens mostram alunos no hospital. — Foto: Reprodução

O g1 vai manter a identidade das vítimas em anonimato por questões de segurança. Duas delas aceitaram dar entrevista, mas a terceira, uma mulher, disse estar muito abalada para relembrar o caso. A formação iniciou em 11 de março deste ano, quando uma lista com 50 selecionados para a Guarda Municipal foi lançada.

As denúncias giram em torno de um instrutor identificado pelos alunos como Márcio Ezequias. Conforme uma das fontes, ele teria praticado agressão física com tapas, jogou gás de pimenta nos estudantes e em um cachorro, usava xingamentos de cunho preconceituoso como "você é muito gordo e velho" e também usava expressões como “desgraçados, lixos” para se referir aos formandos. Ele também teria dado café com gás de pimenta para os alunos beberem.

No vídeo publicado nas redes sociais do órgão, os alunos aparecem fazendo flexões de punho cerrado e, em certo momento, um dos instrutores joga um spray no rosto deles (confira no vídeo acima).

O g1 entrou em contato com o instrutor Márcio Ezequias, que informou que o secretário de Segurança de Pacajus falaria sobre o caso. O g1 entrou em contato com o secretário José Cosme de Carvalho Filho, que afirmou que não poderia se manifestar, mas que o instrutor Márcio Ezequias poderia falar. O portal g1 tentou novo contato com Ezequias por telefone, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Oito estudantes foram para o hospital no 1° dia de curso

As vítimas relatam que a tensão começou ainda em um grupo de WhatsApp, feito antes da formação iniciar. O espaço era para ser uma espécie de 'tira-dúvidas' sobre o curso, mas, de acordo com os alunos, os superiores faziam "ameaças" por lá.

"No grupo começaram com tratamento diferenciado para alguns candidatos. Inclusive, dois que haviam comprado o enxoval (fardamento) desistiram antes do curso começar. Não suportaram as ameaças", disse uma das vítimas ao g1.

A reportagem teve acesso a uma dessas mensagens. Nela, um dos superiores envia a notícia de denúncias de torturas na formação de praças, policiais militares e bombeiros, e escreve o seguinte:

"Hoje em dia, infelizmente, muitos procuram estabilidade salarial em concurso público e esquecem para onde estão indo. Esses, infelizmente, não são e não serão agentes de segurança pública. Aqui em Pacajus vai começar o CFP (Curso de Formação). Só vai ficar os melhores, disso não tenho dúvidas".

Logo no primeiro dia de formação, em 11 de março, as vítimas relatam que oito dos 50 estudantes foram para o hospital após passarem mal. Boa parte havia vomitado, defecado, e estavam mal hidratados. Um dos entrevistados pelo g1 disse que teve um princípio de infarto.

"Falaram várias vezes que eu era muito velho, que deveria ser da Guarda Municipal de Cascavel (cidade próxima) porque lá só tinha gordo. Falaram que eu estava acima do peso. Isso tudo na frente de todo mundo. Diziam '14, pede para sair, não te quero aqui'", relatou.

Os alunos também foram obrigados a colocar tijolos em mochilas para fazer peso e a pagar flexão com os punhos cerrados no chão quente do sol. Isso era uma punição, de acordo com a fonte.

"Qualquer coisa que a gente errasse, era punido dessa forma. Tinha que colocar a mão no chão e fazer 10, 20, dependendo da vontade deles. Tinha um instrutor que dizia 'se você abrir a mão, piso nos seus dedos'. 100% do turno ficou com a mão machucada".

Um vídeo mostra os alunos fazendo as flexões de punho cerrado e um dos instrutores jogando spray de pimenta nos formandos.

O vídeo mostra alunos sofrendo spray de pimenta no rosto e fazendo flexões de punho cerrado. — Foto: Reprodução

Ainda de acordo com o relato do estudante, a turma não podia usar celular, relógio e nem aliança. Eles ficavam sem comunicação com a família em boa parte do dia. O curso finaliza no meio de maio.

Ele também denuncia ter levado tapas do instrutor durante uma caminhada onde passou mal. Um Boletim de Ocorrência (B.O) foi registrado sobre o caso. Em nota, a Polícia Civil disse que investiga uma denúncia de lesão corporal registrada no dia 23 de março deste ano no município de Pacajus.

"Um inquérito policial foi instaurado para subsidiar a investigação, que está a cargo da Delegacia Municipal de Pacajus. Diligências e oitivas estão sendo realizadas. Outras informações serão repassadas em momento oportuno para não comprometer os trabalhos policiais em andamento."

Ele relatou, no entanto, que não foi o único.

"Quando a gente ia começar a caminhada, um aluno colocou protetor solar e ficou com o rosto meio branco. Ele tirou o protetor solar do rapaz dando 'tapão' nele. Desgraçado, energúmeno, lixo e incompetente são as palavras que ele mais usa".

As vítimas ainda relatam maus-tratos a um cachorro. De acordo com eles, em uma das atividades, o instrutor teria jogado gás de pimenta no animal porque ele estava em uma área que seria usada para a formação.

Alunos relatam pressão psicológica e agressões físicas. — Foto: Reprodução

Um segundo aluno afirmou ao g1 que precisou buscar tratamento psicológico para lidar com a situação. Ele também foi um dos que foi ao hospital no primeiro dia de formação e relembra uma das situações com o instrutor.

"A gente estava na marcha e um colega disse que era a hora de parar para a gente se hidratar. Quando fui pegar meu cantil, já estava tonto. Fui caindo, um aluno me segurou e deu a água dele. Fiquei em pé e senti o instrutor me empurrando. Escutei ele dizendo 'Tira esse monstro daqui'. O Ezequias falava coisas tipo: 'tá comendo merda?'".

O homem pediu demissão do antigo emprego para assumir a vaga na Guarda Municipal e diz sentir tristeza com o sonho destruído. Ele pensa em voltar para o curso, mas só se o instrutor fosse afastado e a turma pudesse ter uma formação mais tranquila.

"Essa tristeza eu posso superar se eu não tivesse que voltar para a mesma coisa. Se mudasse a gestão ou falassem para a gente fazer em outro canto, eu aceitava. Mas voltar para a mesma coisa eu não quero".

A advogada Mayara Arruda, que defende os três, afirmou ao g1 que está entrando com um processo contra a formação. A defesa pede a retirada do instrutor Márcio Ezequias da Guarda Municipal de Pacajus e querem enquadrá-lo em crime de tortura.

Eles também querem que o secretário e o coordenador do curso respondam pela omissão, já que supostamente sabiam das agressões, mas não atuaram contra. Os denunciantes pedem também uma indenização pelos danos morais. 

G1

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