Procurador de Justiça Militar é investigado por agredir entregadora de aplicativo em Fortaleza

Montagem de fotos mostra frames do vídeo que mostra a denúncia de agressão

 

O corregedor nacional do Ministério Público, Ângelo Fabiano Farias, instaurou, na última terça-feira (26), uma reclamação disciplinar para apurar a denúncia de que o procurador de Justiça Militar, Antônio Cerqueira, teria agredido uma entregadora de aplicativo de 36 anos em um condomínio no Meireles, em Fortaleza, no último dia 24. As autoridades de Segurança Pública também investigam o caso, registrado no 2º Distrito Policial como crime de injúria. O procurador nega as acusações.

Na reclamação disciplinar, o corregedor nacional determinou a notificação da Corregedoria-Geral do Ministério Público Militar para, no prazo de cinco dias úteis, informar as providências tomadas na investigação sobre o episódio. O documento foi embasado em notícias veiculadas pela imprensa e em cópia do Boletim de Ocorrência, no qual a vítima relata ter sofrido agressões físicas e verbais por parte do procurador de Justiça Militar, que também teria agredido outro entregador que estava no local.

Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), antes de instaurar o procedimento, Ângelo Farias contatou a Corregedoria-Geral do Ministério Público Militar e foi informado de que já havia sido instaurada uma reclamação disciplinar naquela instituição, para apurar os fatos. O Diário do Nordeste também procurou o órgão para tratar do assunto e aguarda retorno.

Em nota enviada à reportagem, o procurador confirma o desentendimento com a entregadora, mas nega as agressões.

O que diz a entregadora?

No Boletim de Ocorrência, a vítima relatou que, durante uma entrega, no dia 24, o cartão de crédito de uma cliente não funcionou — nem por aproximação, nem inserindo. A tentativa teria sido feita tanto na maquineta da mulher como na de outro entregador que chegou depois ao condomínio, com um pedido para a mesma pessoa.

Cópia do BO apresentado pela vítima

Legenda: A vítima registrou a denúncia de injúria no 2º Distrito Policial, no Meireles

Foto: Reprodução


"Eu busquei o pedido, fui até a residência [de entrega], informei para quem era, a cliente desceu, era a filha dele [Cerqueira]. Ela desceu com o cartão, passou na minha máquina, aí, em seguida, chegou outro entregador. Ela passou [o cartão] por aproximação, deu erro, eu disse: 'Seu cartão deu erro, deu recusado, tenta inserir, pode ser que seu cartão esteja bloqueado para aproximação'. Aí ela inseriu. E, quando inseriu, deu falha de novo. E como outro entregador chegou, eu disse: 'Passa seu cartão na máquina dele, para ver se é o seu cartão ou a minha máquina'. Ela passou na máquina do outro entregador, mas também deu erro. Aí ela ligou para o pai dela", lembrou a entregadora, em entrevista concedida ao Diário do Nordeste na última quinta-feira (28). O nome dela será preservado.

Pelo interfone do prédio, ainda segundo a vítima, o pai da cliente, Cerqueira, perguntou os valores das compras. Ela disse o dela e o outro entregador disse o dele. "Só que eu informei à moça [filha do denunciado] que eu não receberia em dinheiro, o meu só dava para receber em cartão, pelo modo do pagamento. Aí ela subiu e disse: 'Vou pegar outro cartão'. Quando desceu, já desceu com o pai. E o pai já veio com raiva", continuou.

Nesse momento, a entregadora teria perguntado ao homem se o pagamento seria feito no cartão de crédito ou de débito. "Ele informou: 'Débito'. Mas já foi dizendo: 'Essa máquina é que não presta'. E eu falei: 'Senhor, não é a máquina, seu cartão foi recusado na minha e na desse rapaz [o outro entregador]'. E ele: 'Sua máquina não presta'. E eu: 'Senhor, se for gritar, eu vou voltar para o estabelecimento com o seu pedido'. E quando falei isso para ele, pronto, foi que se revoltou mais ainda", seguiu o relato.

Com gritos de "vá embora!", o procurador, então, teria puxado a entregadora pelo braço e tentado expulsá-la da portaria do condomínio com a mão conduzindo-a pela nuca. A entregadora teria ameaçado filmar a situação, e Cerqueira teria tentado tomar o celular dela. O outro entregador teria tentado interferir, mas o cliente teria feito o mesmo com ele para, também, expulsá-lo do local.

"Eu fiquei segurando o corrimão e gritei pela Polícia. Quando a Polícia veio, ele não quis saber de ninguém, disse que, se a Polícia entrasse, ia falar com não sei quem, ia mandar prender eles. E subiu [de volta para o apartamento]. E a Polícia informou que não poderia fazer nada", concluiu a vítima.

Na quarta-feira (27), o Diário do Nordeste perguntou à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) se procede a informação de que os policiais também foram destratados pelo procurador. O órgão, no entanto, não respondeu a essa pergunta, apenas tratou do registro do caso de injúria contra a entregadora.

O Código Penal define como crime de injúria injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro. A pena é detenção de um a seis meses e multa. No entanto, se a injúria consistir em violência ou vias de fato, a pena aumenta para detenção de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

A vítima filmou parte da ocorrência. Nas imagens, é possível ver Cerqueira expulsando os dois trabalhadores do prédio, enquanto a entregadora que registrou o B.O chama pela Polícia, o porteiro tenta conter o morador e a filha pede ao pai para ele relaxar. Assista:

O que diz o procurador de Justiça Militar?

Em nota enviada ao Diário do Nordeste na última quinta-feira (28), Antônio Cerqueira destacou, inicialmente, que tem "mais de 30 anos de Ministério Público Militar da União", que é procurador-chefe da Procuradoria de Justiça Militar em Fortaleza e professor de Direito. "Minha vida e minha honra nunca estiveram em jogo", disse.

"Meu silêncio, ao que parece, está sendo interpretado como culpa. Nunca me manifestei, em toda a minha vida laboral, em qualquer veículo de comunicação, por falta de habilidade. Tudo isso aconteceu porque essa entregadora soube que eu era Procurador-Chefe de Justiça Militar em Fortaleza, como se quisesse medir forças através de mensagens caluniosas", continuou Cerqueira.

Depois, o procurador alegou que "episódios envolvendo entregadores" de aplicativo têm sido frequentes na Capital, "havendo um conluio entre eles contra os clientes e, por qualquer motivo, eles filmam e colocam em redes sociais, após fazerem Boletins de Ocorrência aparentando serem vítimas".

Sobre o caso em específico, Cerqueira confirmou que a filha fez dois pedidos pelo aplicativo e que, quando chegou um dos pedidos, ela desceu para a portaria com a senha e um cartão de crédito sem limite, mas não conseguiu efetuar o pagamento. Depois, a jovem interfonou para o apartamento, e o pai perguntou à entregadora se era possível fazer uma transferência via Pix ou pagar em dinheiro, mas ela disse que não seria possível "pois somente receberia o pagamento via cartão de crédito".

"Sem querer causar nenhum tipo de constrangimento, desci do apartamento onde moro com um outro cartão, agora da Caixa Econômica Federal, que logicamente também possuía crédito, mas, muito provavelmente, a máquina da entregadora estava com algum defeito ou sem acesso à Internet, motivo pelo qual, nem com o segundo cartão eu consegui efetuar o pagamento. Foi quando eu comentei, já com uma certa impaciência, com a entregadora, que o problema não seria com os meus cartões, mas, sim, com a máquina, já que ela havia tentado por várias vezes passar os cartões", continuou o procurador de Justiça Militar.

Cerqueira afirmou ainda que, como estava "bastante irritado" com o episódio, a entregadora teria dito: "Deixe de zoada porque, caso contrário, eu vou embora". "Neste momento, eu determinei que ela se retirasse do prédio, já que ela estava no interior do meu condomínio. Qual não foi minha surpresa quando a entregadora começou a filmar, gritando por socorro, dizendo que o meu cartão havia sido rejeitado, por uma compra de R$ 35, e que ela estava sendo humilhada", acrescentou.

O procurador afirmou ainda que "explicou o fato" aos policiais militares que apareceram no condomínio para prestar assistência e que retornou para o apartamento.

Sobre a acusação de ter pegado com força na nuca da entregadora para retirá-la da portaria, Cerqueira disse: "Afirmo com veemência, nunca 'apertei o pescoço' de nenhuma mulher".

Histórico de agressões

Esta não é a primeira vez que Cerqueira é investigado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por má conduta. Em outubro de 2020, o órgão decidiu, por unanimidade, instaurar um processo administrativo disciplinar para apurar a conduta do procurador de Justiça Militar. Isso porque, em julho daquele ano, ele publicou três artigos na internet atacando o Ministério Público e os poderes Legislativo e Judiciário.

Os artigos haviam sido publicados em um portal noticioso de Belo Horizonte (MG). À época, o então corregedor nacional, Rinaldo Reis, destacou que Cerqueira abusou da utilização de linguajar vulgar, pejorativo e de expressões de deboche, ao qualificar o Ministério Público e os poderes Legislativo e Judiciário como "esgotos do Brasil" e ao classificar o trabalho desenvolvido pelo Senado Federal como "resíduo fecal", além de chamar um ministro do Supremo Tribunal Federal de "psicopata".

Pesou, também, na decisão do CNMP, o fato de que o procurador se identificou expressamente como integrante do Ministério Público Militar, e vinculou, de forma direta e indevida, sua opinião e visão pessoal com a imagem do órgão, como se suas opiniões representassem as do Ministério.

 

(Diário do Nordeste)

 

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