Delator do PCC chegou a ficar 21 dias trancado em casa, com medo de ser executado

 Vinicius Gritzbach foi morto no Aeroporto Internacional de São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

Vinicius foi morto com dez tiros por dois homens não identificados e encapuzados. Eles carregavam fuzis e atacaram o empresário na área de desembarque do Terminal 2. O crime ocorreu na sexta-feira (8) e foi gravado por câmeras de monitoramento. Até a última atualização desta reportagem, nenhum dos assassinos havia sido identificado ou preso.

Nos autos, em um dos pedidos de soltura de Gritzbach, então preso preventivamente por supostamente mandar matar outros dois integrantes do Primeiro Comando da Capital, a defesa argumenta que ele havia ficado “enclausurado em seu apartamento durante 21 dias, temendo por sua vida e de seus familiares”, porque “a todo o momento recebe informações que sua morte está decretada pelo PCC”. Isso foi em 2022.

A família passou a “ser ameaçada de morte, e por conta disso encontram-se aquartelados no seu apartamento, não podendo saírem [sic] sequer para fazer compras de alimentos e as crianças irem à escola”.

Gritzbach era acusado de mandar matar Anselmo Becheli Santa, conhecido como Cara Preta, e Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, no Tatuapé, na Zona Leste da capital, em 2021. O primeiro era um integrante influente do PCC, envolvido com o tráfico internacional de drogas, já o segundo era seu motorista e braço direito.

O empresário teria mandado matar Cara Preta porque havia supostamente recebido dele quase R$ 200 milhões para investir em criptomoedas, mas teria desviado o dinheiro, e o golpe acabou sendo descoberto.

Uma das testemunhas protegidas ouvidas pela polícia relatou como o esquema funcionava. Segundo ela, Gritzbach operava a compra e venda de imóveis para Cara Preta no esquema de lavagem de dinheiro do PCC. Até que o empresário sugeriu a Cara Preta que ele deveria investir em criptomoedas, e os dois dividiriam os lucros. O integrante do PCC entraria com o dinheiro, e Gritzbach, com o nome dele e a operação do negócio.

O empresário então teria começado a mostrar tabelas com lucros extraordinários, e Cara Preta chegou a investir cerca de R$ 180 milhões em diversas moedas virtuais. Mas os lucros, de fato, da carteira, não eram compartilhados. Até que outras pessoas próximas a Cara Preta começaram a alertá-lo de que talvez não houvesse os ativos.

O empresário pediu prazos para devolver os valores, mas não os cumpriu. Isso porque ele estaria usando o dinheiro para comprar imóveis, carros, helicópteros, jet skis, etc. A desconfiança de que o dinheiro não seria devolvido teria gerado uma briga entre os dois e motivado a decisão de Gritzbach de mandar matar Cara Preta.

Nos autos do inquérito, a defesa de Gritzbach nega essa versão e afirma que ele apenas intermediava a compra e venda de imóveis. Também relata que, logo após os assassinatos, no fim de 2021, o empresário passou a receber diversas ameaças.

A primeira, em janeiro de 2022, foi quando ele recebeu uma mensagem de uma pessoa conhecida como “Cigarreiro”, solicitando um encontro para “conversar”. Ele teria ido até o local sozinho, no Tatuapé. Quando chegou lá, além do homem que o havia chamado, foram chegando outros, todos supostamente ligados ao PCC, que formavam o chamado "tribunal do crime": “Tripa”, “Japonês”, “Didi”, “Pescador”, “Django” e “Nega”.

Gritzbach foi mantido sob o poder da facção, sendo pressionado e ameaçado de morte, por 9 horas --das 10h30 às 19h30. Segundo ele, um dos homens, o “Tripa”, chegou a colocar luvas cirúrgicas pretas e dizia que iria esquartejar o empresário.

Em seus depoimentos, o delator do PCC afirma que conhecia essas pessoas como sendo empresários de jogadores de futebol, contraventores do ramo do jogo de bicho e donos de lojas de alimentos, já que ele negava ser parte da facção criminosa.

No dia seguinte, outros três integrantes da facção teriam ido até a casa de Gritzbach levando dois celulares e 12 palavras que formavam uma senha, que seriam de Cara Preta, já que não sabiam operacionalizar o resgate dos valores em criptomoedas. Com a ajuda do empresário, conseguiram recuperar cerca de R$ 27 milhões.

No mês seguinte, em fevereiro, outras duas pessoas também supostamente da facção ("Japonês" e Robson) teriam invadido a imobiliária de Gritzbach, levado documentos, contratos, cheques, dinheiro e arquivos digitais. Um dos funcionários da empresa contou ter visto uma arma em cima da mesa do empresário e que ela teria desaparecido após a ida de "Japonês" e Robson ao escritório.

O homem acusado de ser o executor do crime, Noé Alves Schaum, foi assassinado em 2022, também no Tatuapé. Já o empresário havia sido preso provisoriamente e foi solto após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em julho, a Justiça de São Paulo decidiu levar Gritzbach e o agente penitenciário David Moreira da Silva a júri popular pelos assassinatos. O agente nega que tenha ordenado as mortes, contratado por Gritzbach.

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) criou uma força-tarefa que investiga três principais hipóteses para tentar esclarecer a execução de Gritzbach, que era empresário do ramo imobiliário. O empresário e a namorada estavam voltando de uma viagem de Maceió, em Alagoas, para São Paulo. A companheira não foi atingida pelos disparos e não é investigada.

Delação premiada

Delator executado em Guarulhos tinha joias avaliadas em R$ 1 milhão na mala

O Ministério Público (MP) acompanha as apurações. A Polícia Federal (PF) faz sua investigação própria do caso porque o ataque ocorreu no aeroporto que é responsabilidade da instituição. A Guarda Civil Municipal (GCM) de Guarulhos apura por qual motivo seus agentes não estavam no local no momento da execução.

Vinicius Gritzbach era réu na Justiça em dois processos: por lavagem de dinheiro para o crime organizado e também acusado por um duplo homicídio (saiba mais abaixo).

E foi justamente por causa desses processos que Vinicius decidiu fazer uma delação premiada para revelar quem são os agentes de segurança e integrantes do PCC envolvidos num esquema ilegal de lavagem de dinheiro para o crime organizado.

A Justiça homologou a delegação com o Ministério Público em março. Em troca, o empresário receberia uma pena menor, por exemplo, se fosse condenado pelos crimes. E oito dias antes de ser executado, Vinicius fez uma denúncia na Corregedoria da Polícia Civil para denunciar agentes que estavam tentando extorquir dinheiro dele.

Principais hipóteses investigadas pela força-tarefa

A Polícia Civil, a Polícia Militar (PM) e a Polícia Técnico-Científica apuram se policiais militares, policiais civis, um agente penitenciário, um devedor e integrantes da facção criminosa participaram da execução do empresário ligado ao ramo imobiliário (saiba mais abaixo).

Vídeos mostram por diferentes ângulos execução de empresário no Aeroporto de Guarulhos

Vídeos mostram por diferentes ângulos execução de empresário no Aeroporto de Guarulhos

Até a última atualização desta reportagem, nenhum dos assassinos tinha sido identificado ou preso.

Vinicius foi morto na última sexta-feira (8) com dez tiros por dois homens não identificados e encapuzados no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na região metropolitana. Eles carregavam fuzis e atacaram o empresário na área de desembarque do terminal 2. Câmeras de monitoramento gravaram o crime (veja vídeo nessa reportagem).

Um motorista de aplicativo também foi atingido por um disparo e morreu. Outras duas pessoas se feriram. Ao todo, foram 29 tiros. Os assassinos fugiram. As armas usadas por eles no crime foram abandonadas e encontradas depois pelas autoridades.

A força-tarefa analisa as filmagens e ouve depoimentos de testemunhas e sobreviventes para identificar quem executou e quem mandou matar Vinicius.

O empresário e a namorada estavam voltando de uma viagem de Maceió, em Alagoas, para São Paulo. No domingo (10), viajariam para Vitória, no Espírito Santo. A companheira não foi atingida pelos disparos.

Polícia tenta identificar assassinos que executaram o delator do PCC

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O Ministério Público (MP) acompanha as apurações. A Polícia Federal (PF) abriu uma investigação própria do caso porque o ataque ocorreu no aeroporto, que fica sob responsabilidade da instituição. A Guarda Civil Municipal (GCM) de Guarulhos apura por qual motivo seus agentes não estavam no local no momento da execução.

Vinicius Gritzbach se apresentava como empresário do ramo imobiliário, mas era réu na Justiça em dois processos: por lavagem de dinheiro para o crime organizado e também acusado por um duplo homicídio (saiba mais abaixo).

Foi justamente por causa desses processos que Vinicius decidiu fazer uma delação premiada para revelar quem são os agentes de segurança e integrantes do PCC envolvidos num esquema ilegal de lavagem de dinheiro para o crime organizado.

A Justiça homologou a delação com o Ministério Público em março. Em troca, o empresário receberia uma pena menor, por exemplo, se fosse condenado pelos crimes. E oito dias antes de ser executado, Vinicius fez uma denúncia na Corregedoria da Polícia Civil para denunciar agentes que estavam tentando extorquir dinheiro dele.

  • Veja abaixo as principais linhas de investigação da força-tarefa para elucidar o caso, que é investigado como "homicídio, lesão corporal e localização e apreensão de objeto":

Envolvimento de agentes de segurança

Armas apreendidas após o assassinato de Antônio Vinicius Lopes Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos.

  • PMs e policiais civis

Vinicius tinha contratado policiais militares para fazer sua segurança pessoal. O "bico" é considerado irregular pela Polícia Militar. As autoridades querem saber se esses agentes têm algum envolvimento no assassinato.

Esses mesmos policiais militares já estavam sendo investigados um mês antes da execução pela Corregedoria da PM justamente por fazerem escolta para Vinicius, que tem ligação com o PCC.

Os agentes afastados trabalham no 18º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM-M), na Zona Norte de São Paulo, onde atua a maioria do grupo, e do 23º BPM-M, na Zona Oeste da capital paulista.

Os policiais denunciados trabalham no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), no 24º Distrito Policial (DP), Ermelino Matarazzo, e no 30º DP, Tatuapé.

  • Agente penitenciário

Um agente penitenciário investigado com Vinicius em um processo de homicídio, em que são corréus, também passou a ser investigado por suposta relação com a execução do empresário.

Vinicius tinha 38 anos e era corretor de imóveis no Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. Há alguns anos, ele passou a fazer negócios com Anselmo Bicheli Santa Fausta. Conhecido como Cara Preta, Anselmo movimentava milhões de reais comprando e vendendo drogas e armas para o PCC.

Segundo o Ministério Público de São Paulo, Vinicius teria atuado para lavar R$ 30 milhões em dinheiro vindos do tráfico de drogas. De acordo com fontes da Polícia Federal, a maior parte dessas operações de lavagem foi feita com a compra e venda de imóveis e postos de gasolina.

Cara Preta e o motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, foram assassinados, e Vinicius começou a ser investigado junto com o agente penitenciário como responsáveis por essas mortes.

Em março, o empresário fechou um acordo de delação premiada com o MP com a promessa de entregar esquemas de lavagem de dinheiro do PCC e crimes cometidos por policiais.

Nesse caso do possível envolvimento dos agentes de segurança na execução de Vinicius, a suspeita das autoridades é a de que o empresário foi morto como "queima de arquivo". Justamente porque poderia delatar mais profissionais da segurança, por exemplo.

Procurada para comentar o assunto do possível envolvimento de um de seus agentes na execução do delator do PCC, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou por meio de nota que "atualmente, o servidor responde a três processos administrativos disciplinares na pasta, que poderão levar à demissão do serviço público."

Envolvimento de integrantes do PCC

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Outra linha de investigação é a de que ele possa ter sido morto a mando da facção criminosa por ter delatado quem eram os membros do PCC que faziam parte do grupo que lavava dinheiro.

Além disso, Vinicius estaria devendo cerca de US$ 100 milhões que seriam de Cara Preta.

Envolvimento de devedor

Gritzbach levava uma bagagem contendo mais de R$ 1 milhão em joias e objetos de valor no momento do crime — Foto: Reprodução

E uma terceira frente de apuração trabalha com a possibilidade de que alguém teria decidido matá-lo por alguma dívida financeira. Vinicius foi a Maceió cobrar dinheiro de uma pessoa, que lhe deu joias em troca. Elas foram avaliadas em cerca de R$ 1 milhão.

O homem que entregou as joias ao empresário passou a ser investigado também por suspeita de participar da execução de Vinicius.

Segundo um de seus advogados, Vinicius chegou a pedir mais proteção aos promotores, em virtude de ter sido jurado de morte. Mas esse pedido não teria sido atendido.

O quinto PM viajava com o empresário, mas disse à investigação que, quando ouviu o barulho de disparos, se escondeu atrás de um ônibus estacionado. À Corregedoria, ele explicou que estava em desvantagem, por isso decidiu proteger a própria vida.

Os PMs também são investigados pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa. A investigação está refazendo os passos deles, seguindo o trajeto antes de o carro supostamente quebrar, além de extrair dados dos celulares dos PMs.

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