Servidores da Prefeitura de Santa Quitéria, município do Sertão dos Crateús, teriam ido até o Rio de Janeiro (RJ) entregar um carro para o traficante
Anastácio Pereira Paiva, conhecido como Doze ou Paulinho Maluco,
apontado como chefe do Comando Vermelho (CV) em diversos municípios da
Região Norte do Estado.
Esse é um dos indícios apontados pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) que evidenciam o envolvimento do prefeito eleito de Santa Quitéria, José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB), com integrantes da facção criminosa.
Conforme Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), apresentada pelo MPE no último dia 18 de dezembro, dois funcionários que ocupam cargos comissionados na Prefeitura de Santa Quitéria foram até o Rio em 19 de julho deste ano.
O documento, ao qual O POVO
teve acesso, afirma que Francisco Edineudo de Lima Ferreira e Francisco
Leandro Farias de Mesquita partiram de Fortaleza a bordo de um veículo
modelo Mitsubishi Eclipse Cross. Em 21 de julho, os dois regressaram ao
Ceará de avião.
O carro foi encontrado em 17 de dezembro último em uma casa que pertenceria a Anastácio, na comunidade da Rocinha, durante uma operação que visava, justamente, prender o traficante e outros faccionados cearenses foragidos no Rio.
“Cabe frisar que Francisco Edineudo de Lima Ferreira ocupa cargo de
Coordenador do Gabinete do Prefeito, enquanto Francisco Leandro Farias
de Mesquita ocupa cargo de Assessor Técnico no órgão municipal de
trânsito”, afirmou a promotora Priscila Rayana de Medeiros Souza. “Ambos
foram nomeados por JOSE BRAGA BARROZO”.
A representante do
MPE ainda menciona que Francisco Leandro foi preso em 2020, ocasião em
que foi descrito como "motoristas da facção" e "responsável pelo
transporte de drogas".
“Outrossim, os fatos relatados e as
provas apresentadas indicam que os candidatos acionados agiram em
conluio com o crime organizado para obter sucesso nas eleições
municipais, sendo que JOSE BRAGA BARROZO desviou o poder da sua
autoridade enquanto prefeito para fins ilícitos, pois designou
servidores públicos municipais para a empreitada criminosa ou com esta
anuiu”, afirmou a promotora.
“Notório, ainda, que houve abuso do poder econômico, pois um veículo
foi levado até o Rio de Janeiro como parte de um ‘negócio’ ilícito entre
o Chefe do Poder Executivo e os criminosos do Comando Vermelho, visando
manter-se no poder a qualquer custo, com gravidade suficiente para
afetar a normalidade das eleições, o equilíbrio entre os candidatos e
macular a legitimidade do certame”.
Candidato, funcionários da Justiça Eleitoral e eleitores foram ameaçados
A AIJE ainda listou uma série de ações criminosas realizadas por integrantes do CV em Santa Quitéria visando influenciar as eleições municipais. Eleitores foram coagidos através de áudios e mensagens no Whatsapp, assim como pichações foram realizadas ameaçando eleitores do candidato Tomás Figueiredo (MDB).
Funcionários da Justiça Eleitoral no município também foram ameaçados
pelos criminosos, afirma o MPE. Em 18 de setembro, um homem não
identificado ligou para o Cartório Eleitoral do município e afirmou que,
se a Justiça não “parasse” com as decisões contra os “irmãos” do CV, a
unidade seria atacada e pessoas seriam assassinadas.
Em uma
segunda ligação, o homem voltou a realizar ameaças: “tu duvida? Sai aí
na calçada pra tu ver, bota a cara na rua” (Sic). Por causa disso, o
perímetro que dá acesso ao Cartório Eleitoral, localizado no Centro da
cidade, foi parcialmente fechado e a segurança, reforçada por 24 horas.
Além disso, moradores teriam sido expulsos do município por faccionados. No celular de Daniel Claudino de Sousa, que foi preso suspeito de ter vindo do Rio somente para atuar nas eleições em Santa Quitéria,
foi encontrado um vídeo, encaminhado por ele no Whatsapp em 2 de
outubro, em que apareciam eleitores de Tomás. Ele comentava que “seriam
outras que teriam que sair da cidade”.
Em um áudio, Daniel afirmou que ligou para várias pessoas
determinando que saíssem da cidade: “Rapaz, eu liguei pra um bocado de
gente, viu, mano. O chefe só mandava e eu ligando. As que eu liguei saiu
fora, mandei conferi.” (Sic)
O MPE ainda registrou que um
homem foi encontrado morto em 3 de outubro, com marcas de tiros, nas
proximidades de um açude do distrito de Sangradouro. Ao lado do corpo,
haviam vários “santinhos”. O crime ainda não foi elucidado, mas a
promotora comentou que "tal fato aumentou o temor da população”.
Faccionados orientaram a não citar nome de prefeito eleito
Ainda durante a campanha eleitoral, a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão contra suspeitos de tentar interferir no pleito. Em celulares que foram apreendidos, os policiais se depararam com conversas de integrantes do CV planejando os ataques a opositores de Braguinha.
Um homem identificado como Francisco
Girvando Ferreira de Oliveira, o "Rikelme", que seria "braço-direito de
Anastácio", apareceu dando ordens como: “Casas que tiver fotos do Tomas
podem comprar spray e picha”, “carro pode quebrar os vidros”,”moto pode
quebrar os retrovisores”, “problema de quem for votar nele”. Nas
mensagens, porém, Girvando alertou que o nome de Braga não poderia
constar em pichações.
As conversas também mostram que uma
candidata a vereadora também foi favorecida pelos faccionados. Kylvia
Maria de Lima Oliveira (Progressistas) foi flagrada conversando com
Daniel e, em um dos diálogos, este disse: "Eu acho que eu já gastei mais
dinheiro do que o Braga com você nessa política".
Além disso,
Daniel teria ameaçado adversários de Kylvia. "Eu sou muita coisa não
mas desenrolo uma coisa", ele disse em uma das mensagens. "Botar e o
veriador de lá para ralar kkk", complementou. Kylvia, porém, não foi
eleita.
MPE pediu cassação e inelegibilidade dos suspeitos
O
MPE pediu à Justiça a cassação de José Braga Barrozo e de seu vice,
Francisco Gardel Mesquita Ribeiro (Progressistas), assim como a
inelegibilidade deles por oito anos. Este último pedido também foi
estendido a Kylvia Maria, Francisco Leandro e Francisco Edineudo.
Os suspeitos ainda não foram citados e, por isso, não apresentaram resposta à Justiça Eleitoral. Isso só deve ocorrer após o fim do recesso forense, em 6 de janeiro. O POVO tentou entrar em contato com José Braga para que ele comentasse as acusações, mas não conseguiu localizá-lo nesta sexta-feira, 27.
O Povo