Saiba como facção e operadoras de internet se aliaram para impedir concorrência em Fortaleza

 

Foto: Divulgação/ PCCE   




As autoridades cearenses já investigavam a aliança entre a facção carioca Comando Vermelho (CV) e pequenas empresas provedoras de internet, formada para extorquir e extinguir a concorrência, antes mesmo da série de ataques às empresas que não aceitaram as regras determinadas pelo crime organizado, ocorrida em março deste ano, no Ceará.

Em documento obtido pelo Diário do Nordeste, o Ministério Público do Ceará (MPCE) pediu à Justiça Estadual, em 24 de fevereiro de 2025, pela prisão de dez pessoas, entre integrantes do Comando Vermelho e responsáveis por operadoras de internet.

As investigações da Polícia Civil do Ceará (PCCE) identificaram alianças entre o CV e provedoras de internet em bairros como a Barra do Ceará, José Walter, Lagamar, Lagoa Redonda, Paupina, Quintino Cunha e Sapiranga, em Fortaleza. No mês seguinte, alguns desses bairros foram palcos dos ataques criminosas às operadoras.

Funcionários de uma empresa proibida de entrar nos bairros José Walter, Paupina e Sapiranga afirmaram às autoridades que os clientes estavam sendo obrigados a rescindir os contratos com a empresa, que se recusou a pagar 10% dos lucros para a facção criminosa. Naquela época, a companhia já tinha tido caixas distribuidoras quebradas e fios de fibra óptica cortados.

Outras duas testemunhas afirmaram que as empresas para as quais trabalhavam foram impedidas de realizar instalações na Sapiranga, pois apenas as empresas Mag Internet e Elos Net estavam autorizadas a atuar na região, segundo o documento do MPCE. Os dois funcionários teriam sido ameaçados por homens que eram monitorados pela Justiça por tornozeleiras eletrônicas.

No Lagamar, a única empresa autorizada a funcionar era a Easy Telecom. Segundo testemunhas, no dia em que outra empresa foi proibida de trabalhar na região, vendedores da Easy aproveitaram o espaço para realizar vendas e até "coagir" a clientela, no bairro.

Na Lagoa Redonda, a operadora liberada pela facção era a UP CE Telecom. No Quintino Cunha, um proprietário de uma empresa afirmou à Polícia que foi cobrado a pagar R$ 2 mil para criminosos para obter a autorização para operar na localidade, mas ele não aceitou.

A reportagem tentou contato com as empresas citadas na investigação, mas não localizou o contato da Mag Internet. O número fornecido pela Easy Telecom no Instagram não pertence à empresa, segundo a pessoa que respondeu à mensagem enviada pela reportagem. A Elos Net não respondeu à mensagem enviada pelo WhatsApp. Já a UP CE Telecom pediu para a reportagem enviar um e-mail para o departamento jurídico, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. O espaço está aberto para futuras manifestações das empresas.

Pedido de prisão preventiva

O Ministério Público do Ceará pediu à Justiça, no documento, a prisão preventiva e a quebra do sigilo telefônico, telemático e de informático de 10 alvos identificados como participantes da aliança entre o Comando Vermelho e as pequenas operadoras de Internet. Mandados de busca e apreensão também foram solicitados.

Os alvos dos pedidos foram:

  • Antônio Gabriel da Silva Almeida, conhecido como 'Malote';
  • Antônio Marcos Rodrigues Leite, o 'Gera' ou 'NG';
  • Ermeson de Morais Freitas;
  • Francisco Edelton da Silva Alves, o 'Badé';
  • Hitalo César Santos da Cunha, o 'Coruja';
  • Paulo Victor Borges Rodrigues, o 'Mixaria';
  • Rodrigo de Alcantara Rodrigues;
  • Ronaldo da Silva Bernardino;
  • Sebastião Clébio Soares da Silva, o 'Playboy';
  • Willemberg Araújo de Oliveira Miranda, o 'Berg'.

'Badé', 'Malote', 'Gera' e 'Berg' foram apontados pelo Ministério Público como responsáveis por cobrarem R$ 2 mil de provedora de internet que atendiam no Quintino Cunha. Uma vítima admitiu que negociou o valor e pagou R$ 1 mil aos criminosos, para não ser prejudicada.

O esquema criminoso teria 'Playboy' como um dos líderes. Uma testemunha apontou que ele "é o responsável pelo esquema criminoso narrado anteriormente, bem como informou ter conhecimento de que este já fez algo parecido nos bairros Pirambu e Vila Velha, de forma que seu modus operandi seria o de criar diversas operadoras de internet em nome de 'laranjas' e o de estabelecer determinado percentual de valores destinado às facções atuantes na região de interesse, com o escopo de dominar o mercado consumidor das referidas localidades", segundo o MPCE.

Já Ermeson, Ronaldo, Rodrigo, 'Coruja' e 'Mixaria', conforme o Ministério Público, foram identificados como integrantes do CV com atuação na Sapiranga, onde "proíbem a instalação e manutenção dos serviços de internet nas regiões de atuação da facção mencionada, realizam sabotagens e ameaças contra moradores e representantes de empresas provedoras de rede".

A defesa de Ermeson Freitas pediu à Justiça para revogar a prisão do cliente, no último dia 8 de abril. "O que consta nos autos são denúncias anônimas sem fundamentos de que integrantes de facções criminosas estariam proibindo o uso de serviços de internet em alguns bairros", sustentou a defesa, que completou que "todos (os acusados) foram reconhecidos por fotografias, mas nada que comprove sua participação. Além do mais, ele foi preso em casa com seus familiares, não foi encontrado armas, drogas, celulares, materiais referentes às denúncias".

Entretanto, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) rejeitou o pedido, no último dia 14 de maio. O relator, desembargador Benedito Helder Afonso Ibiapina, considerou que "as circunstâncias fáticas do delito demonstram a gravidade em concreto da conduta, pois quando facções controlam uma modalidade de serviço ou mercado, afetam diretamente a livre concorrência (princípio constitucional presente no art. 170, IV, da Constituição Federal)". 

Desse modo, há violação à liberdade de escolha do consumidor, colocando em risco à ordem pública com o temor que a ação criminosa incute na população local e nas empresas de provedores de internet."

A defesa de Francisco Edelton da Silva Alves também ingressou com pedido de liberdade do cliente no TJCE, no último dia 20 de maio. "Acerca da autoria delitiva, nota-se que não há provas técnicas ou materiais diretos (como interceptações, flagrantes ou reconhecimentos formais) que comprovem a participação de Francisco Edelton nos atos narrados. Ou seja, as acusações contra ele estão sustentadas em inferências e ligações indiretas, com base em depoimentos de terceiros e suposições sobre apelidos e relações pessoais", alegou.

O desembargador Benedito Ibiapina recusou o pedido de concessão da liberdade liminar, no último dia 23. Contudo, o pedido da defesa ainda será análisado no mérito pela 2ª Câmara Criminal.

A defesa dos outros acusados não foi localizada pela reportagem, mas o espaço está aberto para futuras manifestações. A matéria será atualizada, se houver manifestação dos representantes dos outros suspeitos citados no texto.

Série de ataques a operadoras de internet

As extorsões e expulsões de operadoras de internet, promovidas pela facção Comando Vermelho, se intensificaram no mês de março de 2025 e resultaram em uma série de ataques criminosos às empresas, em Fortaleza, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e Interior do Estado.

Veículos das empresas foram incendiados, lojas foram invadidas e também incendiadas, postes foram danificados e fios, cortados, nas ações criminosas. Pelo menos dez empresas do ramo decidiram fechar as portas, devido às ameaças e aos ataques.

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suspeitos, pelo menos, foram capturados pelas Forças de Segurança do Estado, durante três fases da Operação Strike, por suspeita de participarem das ações criminosas. Lideranças e outros integrantes do Comando Vermelho e empresário, proprietários de empresas que se aliaram à facção, foram alvos das prisões.

Ao menos 14 empresas provedoras de internet também foram alvos da Operação, com o cumprimento de mandados de busca e apreensão, em razão da suspeita de que elas tinham ligação com o crime organizado, pois estavam autorizadas a funcionar pela facção.





(Diário do Nordeste)

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