Cada viagem de trem da Transnordestina vai tirar 380 caminhões das rodovias do Ceará

 Foto que contém locomotiva da Ferrovia Transnordestina

Após quase 20 anos de espera, a Transnordestina deve iniciar, em outubro deste ano, o escoamento de grãos do interior do Piauí com destino ao Ceará. Para a Transnordestina Logística S.A (TLSA), empresa responsável pela construção da ferrovia, as locomotivas terão capacidade de transportar a mesma quantidade de cargas que cerca de 380 caminhões.

"Cada vagão transporta o equivalente a três carretas. É um impacto imenso, considerando o trem-tipo (locomotiva) da Transnordestina, com 126 vagões, que substituirá aproximadamente 378 carretas. Uma única composição inclui apenas um maquinista, com revezamento ao longo do percurso, enquanto cada caminhão tem um motorista", diz a empresa.

A obra é fundamentalmente estratégica para o transporte de mercadorias e tem vantagens competitivas consideradas superiores por especialistas, em comparação com os caminhões de carga. Algumas delas, no entanto, são questionadas por alguns setores.

Como será o tempo de deslocamento da Transnordestina?

Quando se analisa somente o fator tempo de deslocamento, as vantagens logísticas do transporte ferroviário desaparecem. Caminhões de carga, por exemplo, conseguem percorrer trajetos de média e longa distância em menos de uma semana, enquanto o mesmo percurso realizado por trem pode levar até três vezes mais tempo.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, tanto no Ceará quanto em outras regiões, quem utiliza o transporte ferroviário de cargas conhece as questões relacionadas ao tempo e prioriza o maior carregamento de mercadorias, já que uma locomotiva pode substituir centenas de caminhões em termos de capacidade.

Segundo a TLSA, o tempo que vai se levar para transportar mercadorias de Bela Vista do Piauí até Iguatu na fase de comissionamento será de 12 horas, sem contar carga e descarga. Para efeito comparativo, o mesmo trajeto entre as duas cidades feito por via rodoviária leva aproximadamente 6 horas, a metade do tempo.

Já quando a Transnordestina estiver em pleno funcionamento, de Eliseu Martins (PI) até o Porto do Pecém, o tempo total de percurso, desconsiderando carga e descarga de mercadorias, será de 32 horas. Por via terrestre, o trajeto tem duração estimada de cerca de 13 horas

O tempo, no entanto, não leva em consideração outras variáveis, como abastecimento dos caminhões, quantidade de motoristas nos veículos e condições das estradas, fora a capacidade de substituir centenas de automóveis com uma única locomotiva. Além disso, a TLSA elenca a sustentabilidade como outro diferencial da ferrovia.

"A eficiência energética do trem é bem maior, aproximadamente 2,6 litros por tonelada, enquanto o caminhão tem eficiência em torno de 7 litros por tonelada. O transporte ferroviário é mais eficiente, sustentável e econômico para grandes volumes, além de contribuir para a redução do tráfego nas rodovias e dos custos logísticos totais e da emissão de poluentes", considera a concessionária.

Entenda o tempo de deslocamento de trem entre Fortaleza e São Luís

Em 2022, para percorrer os 1.237 quilômetros (km) de linha férrea, uma locomotiva levava, em média, 10 dias. A base para comparação é o transporte rodoviário de cargas realizado pela malha operacional da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), que interliga Fortaleza (CE) a São Luís (MA). 

O mesmo trajeto entre as capitais cearense e maranhense, de caminhão, tem uma distância de cerca de 900 km e era feito, na ocasião, em no máximo três dias. 

Segundo a FTL, o trajeto entre o Porto do Pecém (CE) até Teresina (PI) é feito atualmente em 75 horas, ou seja, pouco mais de três dias. Da capital piauiense até o Porto de Itaqui, em São Luís, são 44 horas, ou quase dois dias.

De acordo com a empresa, atualmente, a renovação da concessão da malha operacional, que vence em 2027, por mais 35 anos. Após isso, as obras de remodelação ferroviária devem ser aceleradas, reduzindo o tempo de transporte pela ferrovia — e mais do que triplicando a capacidade de escoamento de mercadorias.

A FTL aponta que, após ser remodelado, o tempo para percorrer o trecho entre o Pecém e Teresina terá uma redução de 48%, indo para 39 horas. Já para ir da capital piauiense até São Luís, a diminuição será de 55%, sendo necessárias 20 horas para perfazer o trajeto.

A nova ferrovia está sendo construída do zero, utilizando tecnologias mais avançadas e com bitola larga (1,60 metro de distância entre os trilhos), enquanto o traçado da linha férrea atualmente em operação segue um caminho construído no século XIX, há quase 200 anos, com bitola métrica de 1 metro de distância.

Rodovias em processo de saturação

Pela infraestrutura mais complexa e os desafios de engenharia envolvidos, a construção de ferrovias não é um processo simples e, consequentemente, está longe de dar retorno a curto prazo para os operadores, como frisa Heitor Studart, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).

Segundo Studart, o modal ferroviário "é o melhor que tem, mas não se faz investimentos nele da noite para o dia". É uma situação diferente das rodovias, que podem receber obras mais rápidas e a um menor custo. 

Só que até isso tem trazido efeitos, como frisa Heitor Studart, com a qualidade das estradas no País, com a maioria longe das classificações ótima ou boa. "Há alguns anos, só tinha caminhões de um eixo. Agora tem caminhões de nove eixos, essas rodovias mais antigas não aguentam mais", observa.

Dados de 2024 do Governo Federal e da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) dão conta de que o transporte de cargas terrestres por via férrea no Brasil ficou pouco acima dos 25%, mas os 75% do modal rodoviário ainda são um desafio importante para a longa distância.

Foto que contém rodovia esburacada e com lama no interior do Ceará

Neste caso, tempo não é dinheiro

Com previsão de ter a fase 1 (de São Miguel do Fidalgo até o Porto do Pecém) concluída até o segundo semestre de 2027, a Transnordestina terá pouco mais de 1,2 mil km de extensão, e com a tendência de percorrer o trajeto entre o interior do Piauí e a Região Metropolitana de Fortaleza mais rápida do que a ferrovia administrada pela FTL.

Para o professor Bruno Bertoncini, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), "a questão do tempo não é a preocupação de quem faz uso do setor ferroviário".

Transporte ferroviário é vantajoso no contexto de grandes volumes e longas distâncias, mas a ferrovia precisa ter boa conexão com as rodovias, de forma que ela possa ser abastecida ou possa abastecer os pontos de demanda".

Isso significa que tanto a ferrovia Fortaleza-São Luís quanto a Transnordestina têm as vantagens operacionais quantitativas. A primeira transportou, em 2024, aproximadamente três milhões de toneladas de cargas, com planos de expansão para 10 milhões de toneladas.

Quando a segunda estiver concluída, deverá transportar 33 milhões de toneladas de cargas entre o interior do Piauí e o porto na Grande Fortaleza, mas a capacidade poderá ser duplicada.

Foto que contém caminhão trafegando pelo 4º Anel Viário de Fortaleza

Heitor Studart estabelece comparativos entre caminhões de um eixo e um vagão de cargas da Transnordestina. Segundo ele, uma locomotiva com 70 vagões vai transportar o mesmo que 280 caminhões.

"Um vagão corresponde ao transporte de quase 4 caminhões. Um trem de 70 vagões, em uma viagem só na ferrovia são 280 caminhões a menos rodando, poluindo. A tonelada de carga é 10 vezes maior. O que interessa para o empresariado é o custo do frete e a quantidade disponível de cada tonelada de carga. Um trem equivale a 280 caminhões de uma viagem", exemplifica. 

Ferrovias e rodovias se complementam

A construção da Transnordestina é em substituição à malha não operacional da FTL, que interligava Fortaleza ao Crato. Atualmente, os trechos abandonados da linha férrea são visíveis ao longo de boa parte da a CE-060, a maior rodovia estadual do Ceará. 

Essa convivência dos dois modais, ferroviário e rodoviário, é o que deve marcar novamente o transporte de cargas no Ceará, como pondera Bruno Bertoncini. Para ele, a existência das ferroviais, indispensavelmente, vai demandar ainda mais dos caminhões, que precisarão fazer mais embarque e desembarque de mercadorias em portos secos e terminais intermodais.

"Não é transporte A versus B, mas sim como vencer os desafios de transporte em um país com dimensões continentais. Cada modo de transporte possui suas peculiaridades e vantagens e desvantagens", pondera.

"No caso específico do transporte terrestre, os modais ferroviário e rodoviário se complementam. A Transnordestina, especificamente, terá potencial enorme, já que vai conectar uma importante área agrícola a um importante porto, o que certamente trará benefícios ao país", reflete.

Ao longo do percurso, a Transnordestina terá pelo menos cinco portos secos, além de um terminal intermodal, mas as estruturas podem crescer com a demanda e com o desenvolvimento da ferrovia. 

Já prevendo essa questão, o Ceará já tem os portos secos de Iguatu, Missão Velha e Quixeramobim garantidos pelo Governo do Ceará, com investimentos bilionários — no caso do Sertão Central —, gerando desenvolvimento para a região.

"Uma ferrovia bem organizada e com eficiência tende a atrair novos investimentos e, consequentemente, gerar mais cargas para serem transportadas. A presença de terminais e o modelo de operação deles é algo bastante pensado e organizado pelas ferrovias, não será diferente com a Transnordestina", diz Bruno Bertoncini.

DN 

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